Desde que liderou a rebelião contra seu Criador foi condenado a Sheol, o inferno, onde instaurou seu próprio reinado. Muitos o seguiram, porque acreditaram nele. Tornaram-se seus serviçais ou aliados. No entanto, Lúcifer se sente sozinho e cansado de sua existência. Depois de trai-Lo, sente falta de Deus, da essência divina, de uma razão verdadeira para a sua vida. Seria possível, um dia, a Ele retornar? Agora conhecido como Heylel, é na Terra que Lúcifer encontra alguém que mudaria seus sentimentos. Anna, uma bela mulher, ensinou-lhe o amor e presenteou-o com uma filha. Heylel amou ambas com todo o seu coração. Mas nem sempre é possível viver o que se deseja. Heylel não é humano e sua essência desvirtuada já não é divina. Ele é o Senhor de Sheol e seus demônios não estão contentes com a passividade de seu líder. Uma guerra se aproxima e Heylel precisará envolver nela seu bem mais precioso: sua família. Carregado de tensão, incertezas, amores, bruxas, anjos e demônios, esse romance convida o leitor a pensar que nem sempre o que sabemos é verdadeiro. Até mesmo o Diabo pode surpreender!
Leer másComo caíste desde o céu, ó Lúcifer, filho da alva! Como foste cortado por terra, tu que debilitavas as nações!
E tu dizias no teu coração: Eu subirei ao céu, acima das estrelas de Deus exaltarei o meu trono, e no monte da congregação me assentarei, aos lados do norte.
Subirei sobre as alturas das nuvens, e serei semelhante ao Altíssimo.
E contudo levado serás ao inferno, ao mais profundo do abismo.
Isaías 14:12-15
Não havia um ruído sequer, o silêncio tomava o Sheol; não o silêncio costumeiro, mas diferente, como um presságio, um anúncio de algo incrivelmente ruim. Heylel andava no corredor estreito e mal iluminado de sua morada. Seus olhos, que levavam a vantagem de centenas de anos vividos, vasculhavam a escuridão que se formava ainda mais densa nos cantos escondidos.
— Acredito já ter sido mais cuidadoso com sua chegada, Belial. – Heylel disse, soltando uma risada baixa e abafada enquanto continuava seu trajeto até uma ampla sala.
A decoração com móveis antigos remetia à época medieval e dava ao ambiente um aspecto quase teatral. Sentou-se em uma pequena poltrona de tecido grosso e vermelho, a moldura de metal pesado destacava a cor.
— Já que teve o trabalho de sair dos confins que chama de lar, ao menos apareça e sente-se. Quem sabe ainda exista algum tipo de educação em você e possa lhe oferecer algo para beber?
Uma nuvem negra ajuntou-se sobre o sofá à sua frente, ganhando a forma de um corpo de tamanho desproporcional para um humano. Era um ser com mais de três metros, exibindo pernas cujos pés formavam-se de fumaça negra e braços curtos que projetavam mãos com sete dedos. A criatura sorriu, sua boca revelando dentes pontiagudos.
— Ora, ora, ora, Heylel! Não acredito que tenha algo que realmente eu queira beber aqui. Há tempos você não é mais o que deveria ser, não é mesmo? Agradeço, mas não foi para desfrutar de sua bebida ou companhia que vim.
— Ainda estou ouvindo.
A coisa à sua frente olhou-o com atenção, como se estudasse o que deveria dizer naquele momento.
— Sempre direto. Sabemos que a hora é chegada, Heylel: ou está com os seus, ou está contra nós. Não podemos mais, aliás, não queremos continuar aqui. Merecemos mais!!! – A última frase soou com uma ganância elevada. Heylel o observava, analisava as palavras ouvidas com toda a seriedade que o assunto exigia, mas sem deixar transparecer.
— Sheol é o lugar em que devemos ficar, Belial, não permito que façam nada além do que já fazem. De uma forma terrível, ainda lhes dou o direito de interferir no livre-arbítrio deles. Acredita mesmo que tomar a terra que o sol aquece não atrairia a atenção dEle?
— Não, claro que não. Somente não entendo por que isso nos impede. Após tantos anos, enfim, cedeu ao medo?
Não poderia permitir um desrespeito daquele! Heylel se levantou e, por mais humano que parecesse, sua figura se elevou de tal forma sobre a criatura que a fez se encolher abaixando o olhar.
— Não ouse usar esse tom comigo novamente. Da mesma forma que permito sua presença entre os meus, dou fim às suas insubordinações em um estalar de dedos.
— Perdoe-me, mestre – respondeu com a voz trêmula, mas contendo uma dose de cinismo. – Apenas notamos sua recente falta de tempo para nós. Muitos reclamam que não mais nos procura ou inspeciona nossas investidas. Está nos largando à própria sorte e muitos dos seus têm sucumbido.
Heylel não se sentou, ainda o olhava sentindo o que viria a seguir e não gostava daquela situação. Não queria impor sua ira sobre seu caído, mas não permitiria que a conversa continuasse naquele rumo.
— Acredito que tenho um exército de anjos caídos e não um bando de incompetentes que precisam de orientação ou aplausos diante dos acertos.
— Essa não é a questão.
— E qual é a questão, então?
— Muitos já pensam em se rebelar, em se juntar contra você e tomar a Terra...
— Pense bem no que está me dizendo! – Heylel interrompeu, mas Belial não se deixou abater e continuou com seu discurso quase como se lhe fornecesse um favor.
— São somente murmúrios que ouço nos lugares mais distantes em Sheol, lugares que não mais marca com sua presença e que, gostando ou não, ganham força para rejeitar sua liderança.
— Hum, interessante, então agora terei uma rebelião dos meus – expressou, muito mais como um pensamento do que como uma acusação. Heylel agora andava pela sala. – Acredito que esqueceram quem sou e quão rápido posso dissipar qualquer plano.
— Bem... se me permite dizer, mestre, sugiro não esquecer que todos sabem sobre Naiara.
Foi o bastante para o frágil temperamento de Heylel. Em uma fração de segundo, sua mão empunhava uma lâmina que parecia conter todos os gritos de lamentos e dor do mundo em seu corte. Não foi possível conter o golpe veloz que percorreu do alto da cabeça da criatura até a base de sua barriga, partindo-a em dois e transformando-a em nada além de fumaça... O som gutural de sofrimento de Belial ecoou no ar.
Miguel, sabe que precisamos fazer algo, não há como deixarmos isso acontecer. São dois poderes que aniquilariam o mundo! Arcanjo Miguel estava sentado sobre uma imensa nuvem, que parecia prestes a se dissolver a qualquer momento. Sua cabeça estava abaixada e seus olhos focavam a Terra e além dela, observando uma morada e a cena do que parecia ser uma simples família. Rafael tinha razão, algo precisaria ser feito, mas Miguel ainda não sabia como levar aquela notícia a Ele, não poderia imaginar o quão ferido ficaria o coração de seu Pai se tocasse no nome de Lúcifer. – Tem razão, Rafael, tem toda a razão, mas esqueceu de algo importante... – Virou-se para o amigo que o olhava curioso, sem entender sobre o que falava. – Temos algo em nosso favor, um aliado importante em toda essa trajetória. – Ora... não sei, Miguel. – O anjo o fitava com temor, não acreditando que a ideia em questão fosse dar certo. – Ele é apenas um menino e não se mostrou muito eficiente até
Eu não entendo, não entendo... Como pôde? Como simplesmente permitiu que a levassem sem nem ao menos lutar, Belial? Samyaza estava enfurecida, andava de um lado para o outro gritando ao ponto de ensurdecer qualquer ser humano. Acusava Belial e sentia o desejo por sangue. Sua mente trazendo imagens dos seres feridos, seu ódio aumentando de forma desproporcional quando avisada do número de baixas naquele dia. Belial, no entanto, estava sentado em uma larga e grande poltrona. Ele a olhava caminhar agitada, encolhendo-se, ora ou outra, diante dos gritos. Sua expressão serena quase escondia a monstruosidade da besta. – Acalme-se! Vai acabar rasgando o vestido ou abrindo um buraco em meu chão. – Me acalmar?! Você quer que eu me acalme? – Sim, há muito para você aprender ainda. Nem sempre recuar quer dizer perder. Recuos estratégicos significam vitória no futuro. Já deveria saber disso. – Conte-me exatamente o que quer dizer com isso, Belial!
“A vida não passa de uma oportunidade de encontro; só depois da morte se dá a junção; os corpos apenas têm o abraço, as almas têm o enlace.” (Victor Hugo) Naiara não sabia exatamente para onde estava indo, somente corria pelos corredores da fortaleza com seus instintos a direcionarem seus passos, tendo todos ao seu redor. Sentia como se as paredes a chamassem, orientando o caminho a seguir. Somente ouvia-se o barulho dos passos e a respiração acelerada do grupo. Estava tão focada no caminho, levada por seu instinto, que não se deu conta do comitê que os esperava assim que um dos grandes corredores terminou, revelando um amplo espaço aberto. No centro dele, Belial sorria com sarcasmo e Samyaza, ao seu lado, ainda parecia usar um irritante vestido a vácuo. A menina parou de súbito, deparando-se com seus inimigos e notando que o grupo às suas costas imitou seu movimento. – Que pena! Estava tão bonita, pequena Naiara, enquanto corria ao encontro da mamãe
“Em tempo de paz convém ao homem serenidade e humildade; mas quando estoura a guerra deve agir como um tigre!” (William Shakespeare) A imagem seria maravilhosa se o objetivo não fosse atacar e destruir. Saíram em formação de V com Heylel à frente, Naiara ao seu lado direito e Agares ao seu lado esquerdo. Élida, Yekun e Abigor seguiam nas laterais. Assim que cruzaram a porta principal, depararam-se com um exército incontável de criaturas das mais variadas formas e quase todas faziam a espinha da jovem gelar de pavor. Estavam todas abaixadas sobre um joelho, reverenciando a chegada de seu mestre, um mar negro e vermelho de peles grossas, corpos gigantes e dentes afiados. Garras para as quais não se fazia necessário arma, algumas cujo longo rabo trazia em sua ponta um punhal venenoso. Heylel parou diante dos seus soldados, maravilhado. Havia um brilho diferente em seus olhos, estava claro que a guerra despertava o melhor e o pior nele. Naiara se viu tão a
– Nai... – Agares sacudia os ombros dela com gentileza. – Você está sonhando, acorde. Ela se sentou e se encolheu nos braços dele, ainda sentindo a presença de Yekun por todo o seu corpo e o gosto de seus lábios nos dela. Sentia-se culpada por algo que não fez e o cuidado de Agares a abraçando deixava a situação um pouco pior. – O que foi? Você está tremendo, com o que estava sonhando? – Não me lembro – mentiu. – Só me abraça e não me deixa, por favor. – Claro que não... Vem cá. – Puxou-a ainda mais para si, ajeitando a coberta grossa sobre ela, aninhando-a em seus braços e beijando o alto de sua cabeça. – Minha menina, não gosto de vê-la assim. Isso tudo não está lhe fazendo bem... Mas vai dar tudo certo, amanhã tudo isso terá acabado e teremos paz novamente. As palavras de Agares trariam confortado seu coração se a sua preocupação fosse realmente a luta do próximo dia. Naiara tocou os próprios lábios e sentiu o gosto de Yekun em sua boca nov
“O porto é o lugar mais seguro para um barco, mas ele não foi feito para ficar lá; seu destino é navegar.” (O livro da bruxa –Roberto Lopes) Ela ainda sentia as mãos do pai em volta da sua, ainda o sentia à sua frente e seus olhos ainda estavam focados nos dele, quando seu corpo convulsionou de uma forma dolorida. As pernas cederem e não conseguiu manter-se em pé, caiu de joelhos na frente do pai e, antes mesmo de atingir o chão, as mãos de Agares sustentavam seu corpo. Ela notou o choque no rosto do namorado, que a observava incrédulo. – Amor, seus olhos... – disse voltando a atenção para Heylel, como se pedindo ajuda. – O que tem meus olhos? – a jovem perguntou levando a mão ao rosto, limpando lágrimas quentes que caíram sem permissão. Sentiu o líquido mais espesso e, quando notou, suas mãos estavam sujas de vermelho, manchadas. Não eram lágrimas, e sim sangue. De alguma forma havia chorado sangue quando sentiu seu
Último capítulo