Sophie Narrando Consegui dormir um pouco, não sei dizer por quanto tempo, mas foi o suficiente pra acalmar minimamente aquela tempestade que tava dentro de mim. Acordei com um cheiro bom vindo da cozinha, alho refogado, cebola na manteiga, alguma coisa que mexeu direto na minha memória afetiva. Fiquei deitada por uns segundos, olhando pro teto, tentando lembrar onde eu tava. Quando olhei pela janela, vi que já era noite. A claridade alaranjada dos postes deixava tudo com cara de início de noite.Levantei, amarrei meu cabelo de qualquer jeito num coque bagunçado e fui até o banheiro. Lavei o rosto pra tentar despertar de vez, mas a tristeza continuava agarrada em mim como uma segunda pele. Fui andando em silêncio até a cozinha, pisando devagar, e quando cheguei na porta, lá estava ela: Lizandra. De avental, mexendo a panela, falando sozinha e dançando com a colher de pau na mão.Ela se virou e arregalou os olhos.— Ué! Já tá em casa? — disse surpresa. — Não te ouvi entrando!— Cheguei
Sophie Narrando Acompanhei o Ethan até o elevador em silêncio. Não tinha clima pra conversa, não depois de tudo, senti e engoli calada. Entrei primeiro, ele veio logo atrás. O silêncio entre nós pesava, mas não me importei. Me recostei discretamente na lateral da cabine e encarei meu reflexo nas portas de aço escovado. Ele parecia desconfortável, talvez por perceber que eu não faria nenhum esforço para aliviar o clima.Assim que entramos no carro, ele ligou o motor e, claro, tentou puxar assunto.— Sophie, eu queria esclarecer as coisas entre nós. Eu estou com saudades.Respirei fundo e virei o rosto pra ele com firmeza.— Senhor Ferraz, por favor. Se for algum assunto profissional, estou aberta a discutir. Fora isso, gostaria que o senhor respeitasse que este é o meu horário de trabalho.Falei sem levantar a voz, mas com toda a seriedade que ele precisava ouvir. Ele me olhou por um segundo, como se não esperasse por aquela resposta direta. Voltou a atenção para o trânsito sem dizer
Ethan Narrando O olhar dela me matou. Desde o momento em que entramos no elevador, Sophie manteve aquele silêncio cortante, frio, distante. Eu sentia cada centímetro da distância que ela impôs entre nós como se fosse uma barreira invisível. E, mesmo assim, lá estava ela, ao meu lado, cumprindo o trabalho com toda a competência que sempre demonstrou. Mas aquilo... aquilo não era só trabalho. Era mágoa. Era dor.No carro, tentei puxar assunto. Queria qualquer abertura para consertar as coisas, nem que fosse com meia dúzia de palavras mal colocadas. Mas, antes mesmo de eu concluir a frase, ela me cortou.— Senhor Ferraz, por favor, se for algum assunto profissional, estou aberta a discutir. Fora isso, gostaria que o senhor respeitasse. Esse é o meu horário de trabalho — disse ela, séria, sem hesitação.Fiquei em silêncio, engolindo seco. Não era a resposta que eu queria, mas era a que eu merecia. Ela estava magoada, e a culpa era minha.O silêncio voltou a preencher o carro, até que o n
Ethan Narrando O evento terminou com aquela formalidade forçada que eu já estava acostumado. Discurso daqui, elogio dali, fotos, mais fotos, e apertos de mão vazios. Mas o que realmente me incomodava era o olhar insistente de Lorenzo em cima da Sophie. Ele sequer disfarçava. Sophie estava ao meu lado o tempo todo, cumprindo seu papel com perfeição, profissional como sempre. Mas aquilo não me acalmava. Pelo contrário, me irritava ainda mais. A forma como ele a observava me fazia querer arrancar aqueles olhos do rosto dele.Seguimos para o almoço em um restaurante renomado, reservado com semanas de antecedência para essa ocasião. O tipo de lugar onde só se entra com sobrenome e conta bancária recheada. A mesa ficava em uma sala privativa com vista para a Avenida Paulista. Tudo escolhido pela minha Construtora, como sempre. Sentei na cabeceira, como devia ser. Sophie se posicionou ao meu lado direito, como deve ser. Mas Lorenzo... Lorenzo se sentou bem em frente a ela. Claro.O almoço c
Sophie Narrando Essa viagem foi uma verdadeira tortura. Como se não bastasse lidar com Ethan e seu ar controlador o tempo inteiro, ainda tive que aturar um cliente milionário da construtora — daqueles que acham que o mundo gira ao redor do próprio umbigo. Prepotente, fútil e, sinceramente, cansativo.Tudo bem, o homem chegou longe, não posso negar que inteligência ele deve ter, mas a forma como falava dava pra sentir a pitada de vaidade escondida no fundo de cada palavra. Como se estivesse mais preocupado em ser notado do que em realmente fechar negócios. E pra completar o pacote, ele ainda achou de bom tom comentar que eu "parecia mais uma modelo do que uma secretária". Olha o nível da abordagem.Não que eu esteja menosprezando modelos, longe disso. Mas nunca desejei seguir esse caminho. Sempre preferi usar o meu cérebro. Sempre me senti melhor atrás de uma mesa, coordenando, organizando, planejando. Sempre escolhi fazer meu trabalho de forma impecável, mesmo que ninguém aplaudisse.
Ethan Narrando Depois de um dia exaustivo, tudo que eu queria era um bom banho, uma dose generosa de uísque duplo e o silêncio absoluto da minha casa. Mas é claro, nada na minha vida acontece como eu planejo.Assim que virei a esquina do condomínio, lá estava o carro da Savana. Parado, como se fosse dona do lugar. Suspirei, já sentindo a dor de cabeça se formar. Emparelhei do lado e abaixei o vidro.— O que você tá fazendo aqui? — perguntei seco.— A gente precisa conversar.— Tem que ser agora? Outro dia, outra hora. Acabei de chegar de viagem. Tô um caco.Mas ela insistiu. Claro que insistiu. Sempre acha que o mundo gira em torno dela. Revirei os olhos, entrei com o carro e liberei a entrada pra ela também.Assim que desci, ela estacionou o dela. Nem esperei.— O que é tão importante assim, hein? — perguntei, já sem paciência.— Posso entrar? Tem alguém aí que eu não possa ver?Detesto esse tipo de joguinho. Não respondi nada. Só virei as costas e fui andando, ouvindo os saltos del
Sophie Narrando Não consegui dormir direito. Me revirava de um lado pro outro, com aquele peso no estômago e um enjoo chato que não passava. Quando o sol começou a clarear o quarto, levantei e fui direto ao banheiro, achando que vomitaria. Mas não saiu nada. Só o mal-estar crescendo.Saí do banheiro e fui até o quarto da Lili. Abri a porta devagar e vi ela dormindo toda enrolada no lençol. Me aproximei.— Lili — toquei no ombro dela — tô passando mal. Acho que vou na emergência.Ela sentou na cama num pulo.— Que foi? Tá doendo muito?— É enjoo. Desde ontem. Tô com a barriga estranha, sei lá.— Eu vou com vocês.Sem discutir, fui pro quarto me trocar. Coloquei uma calça legging preta, um moletom cinza claro e um tênis branco. Prendi o cabelo num coque bagunçado e peguei meus documentos e celular. Lili vestiu um short jeans, blusa larga e casaco.Pedimos um carro por aplicativo e descemos. No caminho, Lili tentava me tranquilizar.— Deve ter sido alguma coisa que você comeu, amiga. Po
Sophie Narrando Assim que cheguei em casa, me joguei no sofá. Nem tirei os tênis. Fiquei ali, olhando pro teto, com a barriga dando voltas e o coração pesando no peito. Grávida.Essa palavra martelava na, minha cabeça desde que o médico falou. Era surreal. Ainda parecia um pesadelo, ou um sonho confuso demais pra ter fim.Lizandra foi até a cozinha, voltou com um copo de suco e um pão com queijo, insistindo pra eu comer alguma coisa. Eu tentei, mas tudo parecia sem gosto.— Você vai precisar se alimentar bem agora — ela disse, sentando ao meu lado. — Tem um bebê crescendo aí dentro.Passei a mão pela barriga, como se já pudesse sentir alguma coisa. Ainda era cedo, eu sabia. Mas só o fato de saber que tem uma vida ali muda tudo. Muda a forma de respirar, de pensar, até de existir.— E o pai? — ela perguntou de leve, olhando pra mim com cuidado. — Vai contar?Fechei os olhos e respirei fundo.— Não sei, Lili. Não sei mesmo.Ela não respondeu nada, só ficou ali, do meu lado, respeitando