Lia Perroni Os dias no hospital se arrastavam em uma névoa de cansaço e preocupação. Eu me recuperava lentamente no quarto, mas minha pequena guerreira precisava de mais tempo e cuidados na incubadora para ganhar peso e força. Cada visita à UTI neonatal era um misto de esperança e apreensão. A porta do meu quarto se abriu, revelando Kleber e Camila hesitantes na entrada. — Eh... nós trouxemos isso para a menina — Kleber disse sem jeito, aproximando-se e me entregando uma sacola. Abri-a com cuidado e um sorriso fraco brotou em meus lábios ao ver as minúsculas roupinhas de bebê, todas em tons delicados de rosa. Um gesto inesperado e gentil. — Obrigada — murmurei, o coração apertado de gratidão. Camila deu um passo à frente, sua postura ainda tensa, mas com um olhar que parecia suavizar um pouco da raiva anterior. Kleber apertou sua mão, oferecendo um apoio silencioso. — Desculpe, Lia. Se não fosse por mim, você não teria passado por todo esse estresse, e sua filha não esta
KairósOs dias se arrastavam em uma tortura lenta e implacável, cada amanhecer trazendo consigo a certeza de mais sofrimento. Não tinha mais noção do tempo, as horas se fundindo em uma névoa de dor e exaustão. Meu corpo implorava por descanso, mas Marcelo não me concedia trégua. Todos os dias, ele retornava com um brilho sádico nos olhos, pronto para infligir mais agonia.A porta enferrujada rangeu, revelando a silhueta de Marcelo contra a luz fraca do corredor. Ele adentrou o quarto com um sorriso largo e forçado, a máscara de normalidade que usava para o mundo exterior completamente desfeita.— Pronto para mais um dia de diversão, Kairós? — perguntou, a voz carregada de um sarcasmo venenoso que me dava ânsias. Seus olhos percorreram meu corpo debilitado, como um predador avaliando sua presa.Um calafrio percorreu meu corpo, não pelo frio do galpão empoeirado, mas pela antecipação da dor que suas palavras prenunciavam. Mantive o olhar fixo no chão, tentando esconder o medo que insis
LiaFinalmente recebi alta do hospital e voltei para casa, trazendo comigo a pequena Eva, um pacotinho de ternura que ainda precisava de muitos cuidados. Meu coração, porém, permanecia apertado pela angústia. As semanas passavam sem notícias de Kairós, e a terrível possibilidade de Marcelo ter feito algo com ele me assombrava a cada instante.— Mamãe, quando eu vou poder pegar a Eva no colo? — Esmel perguntou, seus olhinhos curiosos fixos na irmãzinha adormecida no berço.Sorri com ternura, alisando seus cabelos.— Em breve, meu amor. Ela ainda é muito pequena e precisa ficar mais forte. Seja paciente, tá bom? — pedi, tentando transmitir calma apesar da minha própria apreensão.Ela assentiu com a cabecinha, compreensiva.— Está pronta para ir para a escola? — perguntei, pegando minha bolsa e verificando se tudo estava em ordem.— Tô sim, bora! — Esmel respondeu animadamente, já pegando sua mochila e a pequena bolsa com as coisas de Eva.Descemos juntas para o térreo, encontrando Aman
Lia Camila desviou o olhar, o rosto pálido, sem conseguir sustentar o interrogatório do irmão. Seu silêncio gritava mais alto do que qualquer confissão.Kairós deu um passo para trás, como se tivesse levado um golpe físico. A traição da irmã, a pessoa que ele sempre acreditou o apoiar, era uma ferida profunda. Seus olhos voltaram para mim, carregados de uma nova intensidade, uma mistura de choque, raiva e uma crescente compreensão.— Lia... por que você não me disse nada? — sua voz era rouca, quase um sussurro, a dor da minha suposta mentira se misturando à revelação chocante sobre Camila. Ele parecia perdido, tentando processar a avalanche de informações conflitantes. A verdade sobre a maldade da irmã e a minha insistente negação da paternidade criavam um turbilhão em sua mente.— Então agora a culpa é minha? — retruquei, a defensiva subindo à tona. A acusação silenciosa em seus olhos me feria. — Foi você quem desapareceu sem dizer nada, Kairós. Depois disso, eu não te devo satisfaç
MarceloA fuga da polícia me deixou em uma situação ainda pior. Maldito Kairós! Aquele verme ainda pagaria caro por ter se metido na minha vida. E Lia... aquela vadia interesseira também iria sentir a minha fúria. Denunciar-me? Ela iria se arrepender amargamente.Roubei um carro estacionado na rua escura e dirigi em alta velocidade para a cidade vizinha. Precisava de um esconderijo seguro e de um plano sólido para voltar e recuperar o que era meu por direito: minha família. Lia pagaria um preço altíssimo por sua traição.— O senhor parece familiar — disse uma voz feminina assim que parei em um posto de gasolina isolado para abastecer. A noite já havia caído, e o local estava deserto, iluminado apenas pelas luzes fluorescentes.A mulher, com um olhar curioso e desconfiado, me encarava enquanto eu abria o tanque.— Ah, lembrei! Você é aquele homem que bateu na mulher grávida e agora está foragido, não é? O que está fazendo aqui? — ela continuou, a voz agora carregada de reconhecimento e
Lia Perroni — Como assim a Esmel sumiu?! Onde está a minha filha, pelo amor de Deus?! — explodi, a voz estrangulada pelo pânico, encarando a diretora da escola com os olhos marejados.Eu estava em casa, finalmente encontrando um respiro de paz ao lado da pequena Eva, quando o telefonema da escola me atingiu como um raio. A notícia de que Esmel havia simplesmente desaparecido dentro das dependências da escola me lançou em um abismo de desespero. Larguei Eva com Luz, o coração martelando no peito, e corri para cá, a mente fervilhando com as pioresPaintings possíveis. Cada segundo de silêncio era uma tortura, a imagem de Marcelo e seu ódio doentio me assombrando.— Temos imagens das câmeras de segurança que mostram... mostram o seu marido invadindo o local pela parte de trás da escola e levando a menina, Lia. Sinto muito profundamente por isso. Já tomamos todas as providências cabíveis e acionamos a polícia imediatamente — a diretora disse, sua voz embargada por um misto de profissional
Lia PerroniO clique seco do telefone ecoou em meu ouvido, reverberando o terror que se instalara em meu peito. Marcelo havia desligado, deixando para trás um vazio gelado e a certeza de que minha vida havia se tornado um pesadelo ainda pior. Suas palavras cruéis e diretas pairavam no ar, cada sílaba um prego na tampa do caixão da minha esperança. "Sozinha... sem polícia... ou nunca mais verá a Esmel." A ameaça era clara, cortante como uma lâmina.O medo paralisante começou a se dissipar, dando lugar a uma fúria fria e desesperada. Eu faria qualquer coisa pela minha filha. Qualquer coisa. A imagem do rosto assustado de Esmel apagou qualquer resquício de dúvida ou hesitação. Eu iria. Sozinha. Como ele exigiu.Com as mãos trêmulas, disquei o número de Luz. Precisava contar a ela, mesmo que Marcelo tivesse proibido. Ela era minha única amiga, minha única família ali.— Luz, preciso que venha para cá agora — minha voz saiu embargada, lutando contra as lágrimas que ameaçavam transbordar no
Lia Perroni O impacto da voz de Esmel pareceu atingir Marcelo como um raio. Sua mão afrouxou o aperto em meus cabelos, e ele se virou lentamente para encarar a figura frágil no topo da escada. A raiva em seu rosto deu lugar a uma expressão confusa, quase atordoada.— Esmel... meu amor... o que você está fazendo aí? — ele perguntou, sua voz surpreendentemente suave, quase um sussurro. Era como se a presença da filha tivesse acionado um interruptor, fazendo emergir uma faceta paterna que eu raramente via.As lágrimas escorriam livremente pelo rosto de Esmel enquanto ela descia hesitantemente alguns degraus, seus olhinhos fixos em mim, caída no chão.— Você está machucando a mamãe... por que você está fazendo isso? Ela não fez nada de ruim — sua voz infantil ecoava pelo silêncio da casa, carregada de uma tristeza inocente que era muito mais cortante do que qualquer grito.Marcelo pareceu cambalear diante das palavras da filha. Ele soltou meu cabelo completamente e se levantou, seus olho