Uma Proposta de Amor
Uma Proposta de Amor
Por: Taize Dantas
A TRANSIÇÃO

Charlotte

Olhei as pessoas na rua, a incerteza me dominando. Mãos geladas, eu não tenho ideia do que esperar lá fora, agora que a minha vida mudaria totalmente. Estava partindo do orfanato onde cresci, o único lar que conheci. 

Fui deixada quando criança, tinha apenas quatro anos, e nunca adotada. Não lembro da minha família de antes. A minha mãe me deixou com um bilhete dizendo que seria melhor para mim estar naquele lugar. Agora, com dezoito anos, chegou o momento de seguir um novo caminho, fazer escolhas e enfrentar consequências. 

Ajeitei a mochila sobre o ombro, com cuidado. Todos os meus pertences estavam naquela bolsa. Caminhei até a estação de metrô próxima, confiante por já conhecer o caminho. As freiras tinham me ajudado nesse momento de transição, arranjaram um emprego de babá na casa de um poderoso advogado.

Fui ao endereço indicado com temor, não conhecia Manhattan, sempre fiquei no Bronx, onde morava e estudava, não costumava sair para outros lugares. Cheguei ao endereço que as freiras me deram, toquei a campainha da casa elegante na Park Avenue e fui atendida por uma funcionária séria. 

Abigail, a governanta, apresentou a outra babá e explicou que nos revezaríamos para cuidar de Eloá e dar suporte quando necessário. À noite, seria responsável pelos cuidados da menina de seis anos. No começo da noite, já já em meu uniforme, fui chamada para substituir Nicole que estava de saída.

— Já cuidei da higiene da Eloá, você só precisa dar o jantar. – Nicole me orientou, simpática. 

— Quero comer agora, Nicky. – Eloá pediu, abraçando a babá. 

— Ainda não, Eloá. – Nicole respondeu, acariciando os cabelos da criança. – Está quase na hora certa. 

Franzi o cenho, lembrando do orfanato com suas regras rígidas. 

— Tem um quadro com todos os horários da Eloá ali – apontou para um canto do quarto – e você precisa seguir à risca esse cronograma! 

— Entendido. 

Fui até o quadro e vi que havia um horário específico para cada coisa, até mesmo a duração do banho da criança. Eloá parecia tranquila e notei o apego dela por Nicole, que correspondia com carinho.

De pé, aguardava instruções de Nicole quando uma mulher alta, magra, loira de olhos azuis, assim como Eloá, entrou no quarto e olhou desaprovadoramente para Nicole, que segurava a menina em seu colo enquanto conversava comigo. 

— O que está fazendo? – ela perguntou com rudeza, fazendo uma careta desaprovadora que não entendi. 

— Desculpe, senhora Martina – Nicole se desculpou imediatamente, levantando-se da poltrona e colocando Eloá no chão. 

— Não permito que coloque minha filha no colo! Ela não é mais um bebê e não deve ser tratada como tal – ela reclamou quase gritando. – Vocês não deveriam estar fazendo alguma atividade agora? – Ela cruzou os braços, visivelmente chateada. 

— Estava apenas repassando algumas coisas com Charlotte e ia deixar que ela desse o jantar para Eloá – Nicole explicou. 

— Então pode ir embora – ela apontou para a porta. – Vou cuidar da garota eu mesma. 

Nicole assentiu, baixou a cabeça e saiu do quarto sem se despedir. 

— Você é a indicada pelas freiras? – ela se voltou para mim, com uma expressão de desgosto. 

— Sim, senhora.

— A lista de horários está no quadro, siga tudo à risca. Nada de improvisar achando que sabe o que é certo — Martina falou rude, rolando os olhos. 

— Ok. 

— Não é "Ok" comigo — ela me repreendeu. — Responda apenas com "sim, senhora". 

— Sim, senhora — respondi nervosa. 

Não podia perder aquele emprego de jeito nenhum. Ouvia atentamente enquanto ela explicava novamente a lista de horários, reforçando o que já tinha ouvido da governanta e da outra babá. Martina parecia severa e rígida, apesar de aparentar menos de trinta anos. Sentia-me pressionada pelas suas exigências. 

Enquanto ela falava, Eloá aguardava em silêncio até a mãe terminar suas explicações. Sem afeto, Martina saiu do quarto. 

Suspirei aliviada e Eloá fez o mesmo, trazendo um sorriso aos meus lábios, mas não comentei. Aquele trabalho era importante e faria tudo conforme a dona da casa queria. 

Olhei para o relógio no meu pulso, presente das freiras, e percebi que era a hora do jantar de Eloá.

Rapidamente levei Eloá para a cozinha, onde ela fez sua refeição em silêncio sob minha supervisão. Em seguida, troquei sua roupa por um pijama e a coloquei na cama. Quando ia pegar um livro na prateleira, ela interrompeu meu gesto. 

— Minha mãe não quer que leiam para mim. 

— Ela mesma vem ler uma história antes de você dormir? 

— Não. Ela diz que devo dormir sozinha, pois nem sempre tem tempo para ler para mim. 

— Mas eu posso ler para você. - Ofereci-me. 

— Minha mãe não quer que leiam para mim - ela repetiu, deitada na cama, parecendo triste. 

Fiquei triste também, vendo como uma criança tão pequena, com apenas seis anos, parecia conformada com isso, lembrando-me da minha própria experiência no orfanato, onde não tínhamos sempre alguém para nos dar atenção especial, devido ao grande número de crianças. No entanto, não conseguia entender como uma criança que era filha única era tratada daquela forma. Não disse nada, afinal, não queria me indispor com minha patroa. 

Sentei-me na poltrona observando Eloá e pensando sobre isso até que Abigail, a governanta, apareceu na porta do quarto com uma expressão séria, me chamando para segui-la. 

— Está tudo bem com a criança? - Ela perguntou. 

— Sim. 

— Você pode dormir, mas precisa ficar atenta à menina - ela orientou. - Amanhã a Nicole chega às nove e você poderá descansar em seu quarto. 

Segui suas instruções e já estava deitada em uma cama em um pequeno quarto anexo ao de Eloá, mais parecido com um closet do que qualquer outra coisa, quando ouvi uma movimentação e me levantei rapidamente para verificar o que estava acontecendo. 

Levei um susto ao ver um homem bonito de terno sentado na poltrona ao lado da cama de Eloá, acariciando seus cabelos com carinho. 

— Boa noite, senhor - falei, indecisa, mas senti que precisava descobrir quem ele era. Era parte do meu trabalho. 

— Oh, olá - ele respondeu, parecendo simpático. - Parece assustada - comentou, percebendo minha surpresa por encontrar alguém sendo cortês naquela casa. 

— Assustei-me com sua presença, senhor - acabei confessando. 

— Peço desculpas, então.

Ele acariciou os cabelos da Eloá mais uma vez e se aproximou de mim. 

— Deixe-me me apresentar - Ele estendeu a mão para cumprimentar - Sou Oliver Mackenzie, pai da Eloá. 

Fiquei ainda mais surpresa com a diferença de comportamento entre os pais da Eloá, mas segurei sua mão e aceitei o cumprimento. 

— E você deve ser Charlotte - ele afirmou, meio perguntando, diante do meu silêncio. 

— Desculpe, senhor Mackenzie. Sou Charlotte, a nova babá da Eloá. 

— É um prazer conhecê-la, Charlotte. Você foi muito bem recomendada pela freira Catarina - Ele soltou minha mão e voltou para a poltrona. - Como está Eloá hoje? 

— Tranquila, senhor. 

— Gostaria que você me contasse um pouco mais do que isso - apesar de ser uma ordem velada, ele falou de maneira delicada. - Me conte mais sobre o dia da minha filha. Passei o dia todo em reuniões e não pude dar atenção à minha pequena. 

Atendi ao seu pedido, mas expliquei que havia estado com Eloá por pouco tempo e não teria muito a relatar. 

— E Nicole? Você a conheceu? - A forma como ele perguntou sobre Nicole pareceu um pouco estranha, mas não soube explicar exatamente o motivo. 

— Ela foi embora assim que a senhora Martina chegou - respondi apenas isso. 

Ele me olhou de forma analítica, mas não disse nada. 

— Ficarei um pouco com minha filha, mas sinta-se à vontade para descansar, se desejar. 

Entendi que ele queria ficar a sós com sua filha e pedi licença, dirigindo-me ao quarto anexo, mas só consegui adormecer quando percebi que o senhor Oliver havia saído do quarto de Eloá. 

Minha primeira noite em um lugar diferente, depois de catorze anos vivendo no orfanato, foi estranha e tive dificuldade em adormecer, acordando várias vezes. No entanto, aquela era minha nova vida e era muito melhor do que a incerteza das ruas, pensei para me reconfortar.

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