A REALIDADE

Charlotte

Eloá era uma criança tranquila. Eu a ajudava no orfanato e cuidar dela agora era mais fácil, pois era apenas uma criança. Eu trabalhava como babá dela há seis meses. No orfanato, também tínhamos horários rigorosos. Martina tratava Eloá com desprezo, o que me incomodava, pois também cresci sem o amor de uma mãe. 

Eloá tinha um pai carinhoso e Nicole a amava como se fosse sua mãe. Eu era tímida e o ambiente opressor me fazia sentir que pouco havia mudado em minha vida. Nicole perguntou se eu gostava de ficar na casa o tempo todo, pois nunca saía. Estávamos à beira da piscina, observando Eloá na aula de natação. Nicole era simpática, mas os outros empregados eram distantes e rudes. Eu tentava ser invisível, pois era isso que Martina esperava de mim, pois ela não parecia gostar quando era incomodada e muito menos quando ela se sentia pressionada a dar atenção para a própria filha.

Isso acontecia principalmente quando o senhor Mackenzie estava em casa. Eu percebi que Martina agia de forma diferente na frente dele, mostrando um carinho falso por Eloá para agradá-lo. Ao contrário do marido, que dedicava seu tempo livre à filha e até saía para passear com ela, levando-me junto apenas quando necessário.

Nicole frequentemente me convidava para passar minha folga com sua família, mas eu recusava porque não os conhecia. Ela insistia, mencionando sua irmã Emily e seus sobrinhos, dizendo que já tinha falado sobre mim para eles. Mesmo assim, eu recusava novamente.

Nicole tentava me aproximar de sua família, já que eu não tinha ninguém. No entanto, não era possível conciliar nossos horários de folga para fazer algo juntas. Nesse momento, o senhor Mackenzie chegou ao terraço e nos cumprimentou. Ele olhava diretamente para Nicole de uma maneira que não parecia apropriada. 

— Boa tarde, senhoritas - ele nos cumprimentou. 

Ele se aproximou de onde estávamos, mas olhava diretamente para Nicole, como sempre fazia e até mesmo eu, que não possuía experiência alguma sobre relações entre homem e mulher, já havia notado que eles sempre se olhavam de uma maneira que não poderia ser considerada apropriada. 

— Boa tarde, senhor Mackenzie — nós duas respondemos simultaneamente. 

— Olha, papai! Eu tô nadando! – Eloá gritou de onde estava, chamando nossa atenção para si. 

— Está muito linda, a pequena do papai! 

Ele correspondeu a alegria da pequena, exibindo um sorriso contagiante. Quando Eloá voltou a prestar atenção às orientações de seu professor, ele voltou em nossa direção novamente. 

— Está tudo bem com vocês? 

O senhor Mackenzie sempre se preocupava em saber o que acontecia quando ele não estava presente e suas perguntas não pareciam apenas por educação, mas também um genuíno interesse em como eu e Nicole estávamos. Nicole confirmou que estávamos bem, olhando para mim em busca de confirmação. Eu apenas concordei que estava tudo bem.

— E a Eloá? Algo que eu precise saber? 

— Ela nunca dá trabalho – Nicole falou aquilo que eu pensei. – É sempre uma criança obediente e tranquila. Os meus dois sobrinhos são bem mais trabalhosos que a Eloá. 

— E como estão todos? A sua irmã e os seus sobrinhos? — ele perguntou, bastante interessado. 

— Estamos todos ansiosos, pois meu cunhado está voltando de sua viagem na próxima semana. 

— Faz bastante tempo que ele está viajando, não é mesmo, Nicole? – O senhor Mackenzie parecia conhecer bastante sobre a família da Nicole. 

Era evidente que eles conversavam bastante, e quando era necessário sair com Eloá, Nicole era sempre a escolhida para acompanhá-los.

Nós estávamos todos olhando para os movimentos da criança, que estava sendo orientada pelo professor de natação na piscina coberta que ficava no terraço superior da residência. 

— Ele já está há seis meses na Itália – Nicole confirmou. 

— Veja, eu tô nadando! – Eloá chamou a nossa atenção novamente, feliz por estar nadando de um lado para o outro da enorme piscina. 

— Não se diz "tô nadando", Eloá! – Martina a repreendeu, aparecendo de surpresa e acredito que até mesmo o senhor Mackenzie tenha se assustado com a sua chegada inesperada. – Você precisa falar: "Eu estou nadando!" 

— Desculpe, Martina. – Eloá pediu, encostando-se na borda da piscina e eu cheguei a pensar haver lágrimas em seus olhos, mas como ela estava toda molhada, não pude ter certeza. 

Martina não aceitava que a sua filha a chamasse de mamãe e Eloá tinha que a chamar sempre por seu nome. 

— Espero que tenha mais atenção da próxima vez – ela falou para a filha, e se virando na direção do marido, continuou: - O que está fazendo ao lado dos empregados? 

— Não estou conseguindo entender o que está acontecendo, Martina – Ele fingiu não compreender, pois a pergunta havia sido bem clara. – Isso não são modos de tratar a Eloá. 

— Por que está lado a lado com as babás da sua filha? Por acaso estava de conversinha com os serviçais? 

Ela não se deu ao trabalho de responder à pergunta do marido, se atendo apenas ao fato de que ele estava conversando comigo e a Nicole, algo extremamente normal, dado sermos babás da filha dele. Mas não para a sua esposa, ao que tudo indicava. 

Uma coisa que ele não sabia, e eu já havia percebido há algum tempo, era que a Martina era bastante arrogante e que além de não demonstrar carinho algum pela própria filha e não aceitar que as babás o fizessem, ela sempre fingia na presença do marido.  

O fato de agora ela ter agido daquela forma foi algo fora do normal 

— Estava apenas acompanhando a aula de natação da nossa filha, Martina - ele justificou e seu tom era apaziguador. 

O pai da Eloá é sempre uma pessoa atenciosa e gentil com todos e com a sua esposa não seria diferente. 

— Não é necessário. Ela tem duas babás para fazerem esse serviço. 

— Podemos conversar em casa? 

— Pode ir na frente – Ela fez um gesto indicando a porta que dava para a escada que levava ao piso inferior.

— Espero por você em nosso quarto. 

O jeito como falou foi bem tranquilo, mas dava para perceber que ele estava bastante chateado com a atitude incomum da esposa. Ele apenas não sabia que aquele era, na verdade, o comportamento normal dela. 

Depois que o marido saiu, Martina nos olhou de uma forma que parecia estar nos reduzindo a pó, apenas com seu olhar. 

— Vocês duas estão proibidas de falar com meu marido – suas palavras conseguiram me surpreender. 

— Mas nós... – Nicole tentou se defender. 

— Não estou perguntando nada para você, garota oferecida! – Martina interrompeu a fala da jovem. – Caso não sigam as minhas ordens, serão demitidas sem nem mesmo pensar duas vezes. 

Martina saiu irritada, pisando duro, o que me deixou preocupada. Era difícil trabalhar como babá de alguém e não ter uma boa relação com essa pessoa. No entanto, eu não podia correr o risco de perder aquele emprego, pois ainda não havia passado tempo suficiente para juntar dinheiro o bastante e me sustentar por conta própria.

— Não fica assim, Charlotte – Nicole falou, tocando em meu braço de maneira delicada. – O senhor Mackenzie jamais deixaria que a dona Martina demitisse a gente. 

— Como você pode ter tanta certeza? – perguntei insegura. 

— Eu apenas sinto isso – Nicole parecia tão confiante ao dizer aquilo, que eu quase acreditei estar me equivocando. 

Apesar de Nicole trabalhar para a família há mais tempo do que eu, ela não parecia perceber que o senhor Oliver era influenciado pelas palavras da esposa e que ela poderia nos demitir se assim desejasse. Nicole expressava confiança em suas palavras, quase me fazendo duvidar de mim mesma.

No entanto, eu temia que ela estivesse enganada. Agora que saí do orfanato, não havia mais volta, e como não tinha ninguém além de mim mesma, como poderia sobreviver sem casa, emprego e sozinha? A ideia de viver nas ruas me assustava, pois o auxílio do governo não era concedido rapidamente e não seria suficiente para sustentar uma vida em uma cidade cara como Nova York.

Eu estava economizando todo o meu salário na casa dos Mackenzie, mas mesmo assim, sabia que não seria suficiente para cobrir as despesas de aluguel, comida e outros gastos ao viver sozinha.

Precisava encontrar outro emprego rapidamente.

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