Capítulo 8
Alexandra Cardi A dor era insuportável. Não por algum apego real ao bebê se é que eu poderia chamá-lo assim. Não me envolvi, não nutri amor, sequer cuidei de mim mesma como deveria. Nos últimos meses, mergulhei no luxo que essa gravidez me proporcionou. Aproveitei o conforto que bancavam para mim, enquanto fechava os olhos para a responsabilidade que carregava no ventre. Mas agora... agora parecia que meu corpo estava cobrando tudo de uma só vez. Sentia algo quente me rasgando por dentro, como se minha alma estivesse sendo arrancada com garras invisíveis. A dor vinha em ondas, me consumindo, me dominando. Não era só física. Era um grito silencioso de desespero. E se... se eu perdesse essa criança, perderia junto tudo o que construí até aqui. Minha vida boa, meu lugar, minha segurança. Caio me pegou no colo sem dizer uma palavra, desesperado. Enquanto me levava até o carro, vi o pânico no rosto dele e de Willian. A tal babá, que sempre se fazia de coitada, agora parecia tão perdida quanto eles. Mas tudo era embaçado. Eu só via flashes, luzes, rostos borrados, vozes abafadas. Quando chegamos ao hospital, fui levada às pressas para uma ala para ser examinada. Eles ficaram para trás, impotentes, barrados por portas que se fecharam entre nós. E eu? Eu virei apenas um corpo, uma hospedeira. Ninguém me tratava como mãe. Eu não era a mãe. Era só um receptáculo. Depois de horas de exames, máquinas apitando e médicos murmurando termos que não compreendia, Caio e Willian foram chamados. Entraram no quarto em silêncio, com o rosto pálido e olhos arregalados, como se estivessem prestes a ouvir a sentença de um crime. — O que está acontecendo? Como está nossa filha? — Willian foi o primeiro a falar, a voz trêmula. O médico respirou fundo antes de responder. — Infelizmente, senhores... não temos boas notícias. O feto parou de se desenvolver há algumas semanas. O que está acontecendo agora é o processo natural do corpo expulsar... Senti o peso do mundo cair sobre mim. Os olhares deles queimavam minha pele. Me vi exposta, e eu não tinha qualquer desculpa ou justificativa. — Como isso não foi visto antes?! — Caio quase gritou, a dor dele vazando pelas palavras. — A senhorita Alexandra não compareceu a nenhuma das consultas nas últimas semanas. Isso poderia ter sido evitado, ou ao menos diagnosticado mais cedo... — Alexandra! — o nome saiu como um rugido da garganta de Willian. Virei o rosto, tentando conter as lágrimas que ameaçavam escorrer. Eu sabia. No fundo, sempre soube que estava empurrando tudo com a barriga. E agora, não restava mais nada. Acabou. Perdi tudo. Assim que o médico saiu, vieram para cima de mim. Caio estava visivelmente abalado, olhos vermelhos, maxilar tenso. — Como você pôde fazer isso, Alex? — Eu... eu não sabia, Caio... juro! Achei que estava tudo bem, eu não senti nada. Podemos tentar de novo... — a frase saiu antes que eu pudesse pensar. Foi como jogar gasolina em uma fogueira. — Você fez de propósito! — Willian disparou. — Nunca se importou de verdade. Nunca se cuidou! Achava mesmo que iríamos arriscar tudo de novo com alguém tão irresponsável? Você matou nossas esperanças, Alexandra! Ele saiu sem olhar para trás. Ouvi o som de algo se quebrando do lado de fora, um vaso? Uma cadeira? Não sei. Logo depois, Caio também se foi. Fiquei ali. Sozinha. Abandonada com o silêncio que gritava. Acabou. Tudo acabou... Willian O som do vaso se estilhaçando ainda gritava na minha mente. Era só isso que eu queria fazer: destruir. Quebrar cada pedaço da dor que carregava no peito. Queria gritar, sumir, fugir de mim mesmo. Minha filha. Nossa filha. Ela se foi antes mesmo de eu ter a chance de vê-la, de sentir seu cheiro, de segurá-la em meus braços. Um sonho arrancado pelas mãos de alguém negligente. Pela frieza de alguém que nunca se importou. Ouvi passos atrás de mim. — Eu não quero falar com ninguém! — minha voz saiu rouca, quase um rosnado. — Willian... o que houve? Milena. Claro que era ela. Doce, suave... e eu não conseguia ser cruel com ela, mesmo que tudo dentro de mim estivesse em chamas. — Ela se foi, Milena... nossa filha se foi. A Alexandra não cuidou da gestação, e o nosso bebê morreu há semanas... só agora o corpo começou a expulsar... Ela não disse nada. Apenas se aproximou e me envolveu num abraço. E por alguns segundos, foi como se eu pudesse respirar. Abracei de volta. Era o toque de alguém que se importava de verdade. Caio chegou e nos observou em silêncio. Quando Milena percebeu, soltou-me e o abraçou também. Ela era o equilíbrio entre nós dois. A ternura que faltava em um mundo tão cruel. — Precisa resolver as coisas com a Alexandra — murmurei, ainda sem saber como encarar aquilo. — Eu não quero ela na nossa casa nem para buscar os trapos dela — respondi, firme. — Resolva como quiser, mas não quero vê-la de novo. — Eu entendo. E vou cuidar disso — disse Caio. Ele encostou a testa na minha, e naquele instante, como tantas outras vezes, nos entendemos sem palavras. Nossos lábios se encontraram por um breve instante. Milena não se surpreendeu. Talvez já soubesse. Talvez sempre soube. Ela apenas olhou, como quem confirma uma verdade já imaginada. — Vamos pra casa. Não aguento mais ficar aqui. Peguei a mão dela e fomos embora. No apartamento, minha irmã nos esperava. Quando contei o que aconteceu, ela se entristeceu profundamente. O irmão de Milena a acolheu, e foi reconfortante ver ela finalmente sendo amada como merece. Fui para o quarto, mas antes eu pedi que tirassem tudo de Alexandra dali. Cada objeto, cada vestígio. Eu não queria mais nada que me lembrasse dela. Que Caio cuide do resto. Que a mande embora. Que suma com ela das nossas vidas. Deitei na cama, olhos fixos no teto, e enfim me permiti sentir. A dor veio como uma avalanche. Nua, crua, brutal. Meus sonhos despedaçados me sufocavam. Eu imaginei essa menina. Imaginei seu rostinho. O cabelo cacheado, como o meu. O sorriso sereno do Caio. Os olhos atentos, a pele morena. Os passos pela casa, os risos, as primeiras palavras. Nada disso vai existir. Tudo virou silêncio. Vazio. Um abismo me engolindo sem piedade.Capítulo 1Milena SilveiraNão aguento mais. Meu corpo inteiro dói, e, mais uma vez, acordo em um hospital. Isso está me destruindo...Olho para o lado ainda zonza: flores como sempre, um quarto moderno, cheio de aparelhos. Qual será a mentira no prontuário desta vez? Com dificuldade, a vista ainda turva li..."Paciente queda, caiu da escada."Moro em uma cidade do interior do Paraná. Quando conheci João, nunca imaginei que, ao assinar os papéis do casamento, estaria selando minha possível sentença de morte. Tudo mudou depois que meus pais morreram. Sem ninguém no mundo, tornei-me prisioneira dele. O filho que eu não podia lhe dar era sempre a desculpa para as surras no começo, raras, mas agora quase diárias. Mas João é o prefeito da cidade, um exemplo de cidadão de bem. Eu? Apenas uma mulher desastrada, que vive se machucando sozinha...— Ah, meu amor, você acordou. — Sua voz melosa me enoja. — Quando cheguei em casa, você estava caída aos pés da escada. Foi desesperador, meu amor, o
Capítulo 2Milena SilveiraEstava extremamente sonolenta, os remédios são fortes, queria acreditar que foi apenas um pesadelo, que meus olhos e mente me pregaram uma peça. Escutei o barulho do chuveiro e, logo depois, ele se deitou ao meu lado. Apaguei novamente...Quando acordei, ele estava em um sono pesado, me levantei, e vi que infelizmente nada daquilo, foi um pesadelo, as camisinhas abertas, e uma usada no lado do chaise me deram a certeza que aquilo não foi um pesadelo, foi real, ele realmente fez isso.Com certeza mais um dos fetiches nojentos do João, me humilhar é o hobby favorito dele...Me vesti e fui até a cozinha, eu me sentia suja só por ele ter deitado ao meu lado depois de ter feito isso, disquei o número de Ayla, que atendeu no segundo toque.— Ayla, sou eu. Preciso ser breve. Eu vou com você. Quando você vai?— Saio na sexta. Passo aí assim que ele sair para o trabalho.— Aqui não, é perigoso, te encontro na praça, da Arará, lá é mais afastado, as 10:00 estarei lá
Capítulo 3MilenaA ideia me pareceu uma loucura, mas Ayla estava certa. Era uma oportunidade que eu não podia deixar passar, liguei para ela:— Então, Mile, me fala, você aceita? É um bom recomeço para você, e não tem ninguém melhor pra esse cargo.Engoli em seco. O medo ainda me assombrava, mas eu precisava recomeçar. Respirei fundo antes de responder:— Eu aceito, Ayla. Eu aceito sim, parece realmente uma ótima idéia.— Perfeito! Vou te enviar o endereço e te espero aqui em meia hora.Com o coração acelerado, corri para me arrumar. Juntei minhas coisas e fechei minha conta no hotel. Agora era oficial. Um novo capítulo da minha vida estava começando, e vou enfim deixar o João e meu maldito casamento com ele no passado, escondido e enterrado, escrevi tudo no diário, coloquei na bolsa, e segui hora de recomeçar.Quando cheguei ao endereço enviado por Ayla, me deparei com uma mansão luxuosa. Era imponente, cercada por câmeras de segurança. Fazendo com que meu coração se acalmasse um po
Capítulo 4Milena Silveira Quando cheguei no meu quarto eu ainda sentia o coração acelerado depois do encontro inesperado com o senhor Caio na cozinha. A forma como ele me olhou, como se pudesse ver através de mim, me deixou um pouco inquieta. Não estava acostumada a ser notada, aliás a menos que fosse para apanhar depois. Tento manter a minha aparência discreta sempre, exatamente por medo. Mas não posso ter medo aqui, onde eu quero apenas recomeçar eu preciso esquecer meu passado a todo custo, e se tornar a melhor babá que esse anjinho pode ter.Me tranquei no quarto assim que entrei, ainda são reflexos do medo, e um modo de me proteger, mesmo sabendo que o João não vai entrar por essa porta, ainda é difícil assimilar que estou livre, que estou em paz.Peguei novamente meu diário, contando todas as sensações da minha nova vida, do meu primeiro dia aqui...O sono demorou muito a chegar, e quando veio, foi repleto de sonhos confusos, que me deixaram atordoada. No meio da madrugada, a
Capítulo 5Os dias passaram rapidamente. É estranho como se sentir em paz faz com que o tempo passe sem notarmos.Hoje viajaremos para os EUA. É hora de conhecer a barriga de aluguel e comprar o enxoval da pequena Helena.Ayla está extremamente ansiosa com a viagem, mas sei que o que realmente a inquieta é a possibilidade de ver Luan. Ela sempre foi apaixonada por ele...Vamos para Nova York, mas Nova Jersey, onde ele mora, é bem perto. Por isso, combinei um encontro para matarmos a saudade.Após horas de voo de primeira classe, finalmente chegamos ao destino. Pegamos dois táxis: um comigo, Ayla e algumas bagagens, e o outro com Caio, Willian e o restante das malas.A cidade é incrível, repleta de arranha-céus, e só agora percebi que nunca perguntei com o que os dois trabalham...— Ayla, o que eles fazem? Qual é o trabalho deles?— Sabe a C&W Segurança de Alto Padrão?— Sim.— Eles a fundaram do zero. Hoje, fazem a segurança das pessoas mais famosas e influentes do Brasil, com equipes
Capítulo 6Meu recomeço está tão carregado de paz que chega a dar medo. Estou com as duas pessoas que mais amo e que mais importam para mim no mundo: Ayla, minha melhor e única amiga, e Luan, meu irmão, meu sangue.Observo os dois jantando e conversando, e desejo, do fundo do meu coração, que eles se acertem. Eu só quero que eles sejam felizes, nada mais.— Nossa, um jantar animado na minha casa e nem fui chamada? — Alex apareceu na sala de jantar, falando alto.— Sua casa? Essa casa é nossa, minha e de Caio. Não lembro de você ser dona de algo aqui — respondeu Willian, sem disfarçar a ironia.Ela pareceu furiosa com ele, mas antes que pudesse responder, Caio se levantou da mesa, jogando o guardanapo com força e caminhando até ela.— Você está passando de todos os limites, Alex! O que está pensando que está fazendo?— Eu tô cansada... de ser um nada. Sou só uma incubadora pra vocês?— E nós apenas seu caixa eletrônico? Cada um tem seu papel, Alex — Willian disse da mesa, sem sequer le
Capítulo 7 WillianQuando decidimos que teríamos um filho, Caio disse que Alex, sua velha amiga, poderia nos ajudar. Uma aspirante a atriz, que ele conheceu quando morou em Nova York.Mas, quando a conhecemos, vi que era algo mais. O jeito que ela olhava para ele deixava claro que eles tinham tido algo a mais.Conversamos com ela, deixamos claro todos os pontos, mas apenas um não ficou exatamente como eu queria.Ela não quis passar por uma inseminação. Ela queria transar com nós dois. Ou era assim, ou nada feito.Eu resisti à ideia. Não queria esse vínculo.Mas acabei cedendo. Foram várias noites, nós três juntos, até que o positivo chegasse. Quando chegou, prometemos um ao outro que nunca mais faríamos isso. Mas, pelo jeito, só eu cumpri...— Caio!— Não é nada disso, estávamos apenas conversando.Entrei pro quarto e Caio entrou logo em seguida.— Willian, não foi nada demais. Você nunca ligou pra quantas mulheres eu fiquei, por que essa implicância com a Alex?— Com ela não. Já co