A luz suave da manhã entrava pelas janelas enormes da mansão quando Lilly desceu as escadas com o celular em mãos e o coração apertado. Na tela, a confirmação do protocolo de solicitação de transferência da faculdade para a modalidade a distância piscava em azul. Um passo difícil, mas necessário.Sentia-se um pouco derrotada por abrir mão das aulas presenciais — adorava o ambiente acadêmico, as conversas nos corredores, os debates em sala —, mas sabia que aquela era a escolha certa no momento. A mensalidade mais baixa significava que poderia ajudar sua mãe com as contas em casa, agora que o pai não estava mais lá para segurar tudo. E ainda que doesse, Lilly já começava a entender que crescer era mesmo uma sucessão de renúncias.Na cozinha, a governanta terminava de preparar o café da manhã. Emily ainda não havia descido, mas Lilly já ouvia o barulho da água correndo no banheiro do andar de cima. Respirou fundo, guardou o celular no bolso e sorriu, forçando leveza no rosto.— Bom dia,
O sol ainda surgia tímido no céu quando Lilly saiu do quarto, com os olhos pesados e o corpo em ritmo automático. A noite mal tinha lhe dado descanso. A ligação do dia anterior ecoava como um tambor em sua mente, relembrando a todo instante que seu pai se fora, e que agora sua mãe e sua irmã mais nova estavam completamente sozinhas.O mundo parecia o mesmo por fora, mas algo dentro dela estava diferente — mais denso, mais cansado.Desceu as escadas em silêncio, indo direto para a cozinha. Dona Marlene já estava organizando o café da manhã, com a habilidade de sempre. Ao ver Lilly entrar, sorriu com carinho.— Bom dia, minha flor. Dormiu bem?Lilly hesitou por um instante, mas assentiu.— Dormi sim… só um pouco cansada.— Você anda com essa carinha de preocupação desde ontem. Está tudo bem mesmo?Lilly pegou uma xícara e serviu café para si mesma, tentando disfarçar o tremor leve nas mãos.— Só algumas coisas da faculdade. Mas vai se resolver.Marlene não acreditou muito na resposta, m
James terminava de revisar um relatório no escritório quando a imagem de Lilly sentada no jardim mais cedo voltou à sua mente. Havia algo no modo como ela encarava o chão, como se estivesse tentando manter-se firme por dentro, mesmo que estivesse se partindo. Ele não conseguia afastar aquela imagem, nem a inquietação que o acompanhava desde então.Levantou-se da cadeira e, ao passar pelo corredor, encontrou Dona Marlene organizando os arranjos de flores da sala.— Marlene — chamou, mantendo a voz baixa, quase contida.Ela o olhou com curiosidade.— Pois não, senhor James?— A Lilly... — começou, hesitando mais do que gostaria. — Você notou algo diferente nela nos últimos dias?A governanta pareceu surpresa com a pergunta. Colocou o vaso no aparador e cruzou os braços.— Notei sim. Desde ontem ela anda com o olhar distante, mais calada. Eu perguntei, mas ela disse que era coisa da faculdade. Mas tem algo a mais, eu sinto.James assentiu lentamente, seu olhar perdido no chão de madeira
James observava pela janela do escritório enquanto o sol começava a se pôr, tingindo o céu com tons alaranjados e rosados. Lá fora, Lilly estava sentada na escadinha dos fundos da casa, rindo com Emily, que tentava fazer bolhas de sabão maiores que ela mesma. O som da risada da filha misturado à de Lilly preenchia os espaços vazios que, por tanto tempo, ele fingiu não notar.Suspirou, afastando-se da janela. Estava se permitindo sentir demais, pensar demais. Ela era doce, dedicada, gentil — e completamente fora dos limites que ele mesmo impusera. Mas quanto mais tentava manter distância, mais a presença dela o alcançava.O jeito como ela se envolvia com Emily, como conhecia seus horários, suas preferências, como a fazia sorrir… Ele não via aquilo há tanto tempo que havia esquecido como era.Tentou se concentrar nos contratos sobre a mesa, mas as palavras se embaralhavam. E foi então que ouviu a porta da cozinha se abrindo, seguida de passos leves no corredor. A voz de Marlene veio em
O som do despertador do celular ecoou no quarto de Lilly às 6h30. O céu ainda estava em tons acinzentados quando ela se levantou, colocando um moletom por cima do pijama e indo direto para a cozinha. Marlene já estava por lá, mexendo o café enquanto o cheiro quente e acolhedor preenchia o ambiente.— Bom dia, querida — disse a governanta, com o sorriso de sempre. — Café tá fresquinho.— Bom dia, Marlene. Aceito, sim. E obrigada… de novo.A mulher mais velha observou Lilly com carinho. Desde que a jovem decidira começar a vender doces, ela passara a acordar ainda mais cedo para dar conta das encomendas. Entre panelas, caixas e canetinhas coloridas para enfeitar os laços, Lilly se dividia entre o fogão e o computador, onde fazia as aulas e lia os textos da faculdade.— Hoje tem quantas encomendas? — perguntou Marlene, servindo o café nas duas xícaras.— Três caixas de brigadeiros gourmet e duas de casadinhos. Vou entregar na hora do almoço, antes de pegar firme nos estudos — disse ela,
A cozinha da mansão estava envolta em um aroma adocicado e acolhedor. O som suave da chuva do lado de fora misturava-se ao tilintar dos utensílios. Lilly mexia a massa com concentração, a playlist instrumental tocava baixinho, e Marlene havia saído para buscar Emily na escola, deixando a casa em silêncio. Era o fim da tarde, e Lilly queria adiantar os pedidos da manhã seguinte.Ela estava tão absorta no preparo de uma nova receita que nem percebeu o tempo passar. Cortou um pedaço de chocolate mais duro e, em um movimento impensado, a faca escorregou, rasgando a lateral de seu dedo. A dor foi aguda, rápida, seguida do sangue que começou a escorrer.— Droga! — exclamou, levando a mão à boca por instinto.
A manhã se anunciava dourada e serena, e a mansão Carter parecia respirar tranquilidade. Com Emily já na escola, Lilly aproveitou o silêncio para revisar uma aula da faculdade EAD e depois se dedicou aos pedidos de doces.Era um dos dias mais cheios da semana — a irmã de um cliente antigo encomendara dez kits de brownie personalizados para presentear colegas de trabalho. Lilly adorava essas pequenas produções. Cada embalagem feita com cuidado, laço de fita e etiquetas desenhadas à mão. Ela queria que as pessoas sentissem amor no primeiro olhar.Enquanto derretia chocolate e media ingredientes com precisão, cantarolava baixinho uma música qualquer. A cozinha cheirava a baunilha, açúcar e paz. Marlene a ajudaria com a entrega depois, mas uma parte do pedido seria retirada no local.A campainha tocou perto das dez e meia. Lilly, com o avental ainda sujo de farinha e chocolate, foi até o portão principal, secando as mãos no pano de prato. Um homem alto, bem-apessoado e de sorriso tranquil
A semana corria com uma tranquilidade enganosa, daquelas que precedem reviravoltas sutis, quase imperceptíveis, mas que mudam tudo com o tempo.Era uma manhã clara, e Lilly preparava a última fornada de cookies quando recebeu uma mensagem no celular. Limpou as mãos no avental e desbloqueou a tela, curiosa.Gabriel:Bom dia, Lilly. Aqueles brownies ficaram incríveis. Será que posso encomendar mais pra esse fim de semana? E, se não for muito ousado… posso te convidar pra um café também?O coração dela deu um leve salto. Seus olhos ficaram fixos na tela por um segundo a mais do que o necessário. Gabriel tinha sido gentil, educado, simpático… e agora dava um passo direto, mas respeitoso. Lilly mordeu o lábio inferior, surpresa.— Olha só… — murmurou, meio sorrindo.Mais tarde, já com Emily na escola e os doces do dia prontos para entrega, Lilly conversava com dona Madalena, que costurava uma barra de cortina sentada perto da porta da cozinha.— Sabe aquele rapaz que veio buscar os brownie