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Capítulo 7: Não é Fácil Criar um Filho

A tempestade do lado de fora parecia ter silenciado até os pensamentos de Amara. Enquanto a chuva castigava as janelas e o vento assobiava pelas frestas, dentro de casa tudo estava... inesperadamente calmo.

No fundo do armário, entre caixas e lembranças antigas, ela encontrou um pijama infantil em forma de Pikachu — algo que havia comprado anos atrás, durante um trabalho temporário numa loja de brinquedos. O tecido ainda estava macio e, ao que parecia, serviria perfeitamente para Théo.

Já para Pitter, a solução foi prática: Amara pegou as roupas do irmão adotivo, que havia deixado algumas peças numa das últimas visitas. Ela separou uma camiseta básica e um moletom escuro. Seriam suficientes para uma noite.

Enquanto dobrava as roupas, uma lembrança veio sem pedir licença: seus pais adotivos. E Lorenzo... o irmão caçula adotivo que a chamava de "bela princesa" com tanto carinho. Desde que se reconectou com seus pais biológicos, o contato com a família que a criou havia se tornado raro — não por mágoa, mas por distância e novas realidades.

Ela balançou a cabeça, afastando a melancolia.

Com os lençóis novos nos braços, Amara voltou à sala. O sofá não era grande o bastante para Pitter — seu corpo alto simplesmente não caberia ali com conforto. Com um pouco de improviso, ela usou um banquinho acolchoado para prolongar o assento, formando uma espécie de leito improvisado.

Théo, por sua vez, parecia perfeitamente à vontade. Tomou banho sozinho, vestiu o pijama de Pikachu com um orgulho silencioso, e se deitou na cama como se aquele lugar sempre tivesse sido seu. Enrolado nas cobertas, parecia um coelhinho adormecido, prestes a sonhar.

Amara também tomou banho e optou por um pijama discreto. Prendeu os cabelos num coque rápido e, antes de sair do quarto, olhou-se no espelho com certo cuidado. Não sabia bem por quê, mas queria parecer… apresentável.

Ao chegar à sala, encontrou Pitter sentado, analisando o espaço com aquele olhar atento de sempre. Ela estendeu as roupas que havia separado para ele, e disse com a voz baixa, quase formal:

— Sr. Pitter, estou indo me deitar. Qualquer coisa, é só me chamar.

— Claro — respondeu ele, os olhos demorando um pouco mais do que deveriam sobre ela. Por um instante, um traço de emoção cruzou seu rosto.

Havia algo desconcertante na simplicidade de Amara. Com o rosto fresco do banho, os cabelos presos de forma despretensiosa e aquele pijama comum, ela parecia... real. Diferente de tudo o que ele conhecia.

Pitter desviou o olhar, como se quisesse afastar pensamentos inoportunos.

Amara voltou ao quarto e encontrou Théo ainda acordado, com os olhinhos brilhando no escuro, fitando o teto. Ela sorriu com ternura.

— Não está com sono ainda?

Ele negou com a cabeça, esperando por algo.

— Hm... eu não sou boa contando histórias. Mas que tal uma música?

O menino se animou na mesma hora, balançando a cabeça com entusiasmo.

Amara puxou do fundo da memória uma canção suave, quase esquecida, que costumava cantar quando era mais jovem:

"Nos dias quentes e frios do outono,

Ficar perto de você,

Observando o tempo passar silenciosamente..."

De repente, ela parou. O próximo verso era... impróprio para uma criança. Tossiu discretamente, procurando uma saída rápida.

— Esqueci o resto da letra! Vou cantar outra, ok?

Théo assentiu, compreensivo como sempre.

Dessa vez, ela escolheu algo mais infantil:

"João e Maria subiram a colina

Observando a imensa floresta, feliz.

Maria avistou um belo passarinho,

Enquanto João a assistia sorrrir..."

Ela repetiu a música algumas vezes, até que os olhos de Théo começaram a pesar. Logo, ele respirava de forma lenta e constante, entregue ao sono.

Amara ficou ali, observando-o por um tempo, com um sorriso calmo nos lábios.

— Não é fácil criar filhos... — murmurou, sem perceber que pensava alto.

Sua mente, agora silenciosa, começou a questionar tudo. Quem era a mãe de Théo? Por que não estava com ele? Por que Pitter — tão reservado, tão controlado — estava criando o filho sozinho?

Seria apenas uma questão de status, um acordo? Ou havia segredos mais profundos enterrados por trás daquele sobrenome tão poderoso?

As perguntas se acumulavam em sua mente como a chuva batendo no telhado. E, pela primeira vez em muito tempo, Amara sentiu que sua vida havia virado de cabeça para baixo — não por tragédia, mas por algo... diferente.

Algo que ainda não sabia nomear.

Fechou os olhos e deixou-se levar pelo som da chuva e pelos pensamentos que a embalavam. Naquela casa modesta, naquela cama compartilhada com um menino que já a cativava de forma doce, ela sentia que algo novo havia começado. Mesmo que não soubesse exatamente o quê.

O silêncio da noite foi quebrado por um som abafado vindo da sala. Amara despertou de súbito, o coração acelerado. A chuva havia diminuído, mas o vento ainda assobiava pelas frestas da janela, como se murmurasse segredos que ela não queria ouvir.

Com cuidado para não acordar Théo, que dormia encolhido ao seu lado como um pequeno filhote de gente, ela se levantou. Deslizou os pés no chão frio, ajeitou o pijama e abriu devagar a porta do quarto.

Lá fora, as luzes da cozinha estavam acesas.

Pitter estava inclinado sobre o balcão, despejando água num copo com mãos trêmulas. Sua pele estava pálida, e ele mantinha uma das mãos sobre o estômago, como se quisesse conter uma dor antiga e persistente.

— Senhor Pitter... — Amara se aproximou, a voz baixa mas carregada de preocupação. — Está tudo bem?

Ele não a olhou de imediato. Bebeu um gole de água, respirou fundo, e disse apenas:

— Nada demais.

Mas o tom de sua voz era forçado demais para convencê-la.

— Seu estômago está doendo, não é?

O silêncio dele confirmou mais do que palavras. Amara cruzou os braços, observando-o com mais atenção. Em sua mente, lembrou-se de um comentário sobre dores abdominais.

— Espere aqui — disse ela, girando nos calcanhares. — Vou pegar algo pra dor.

Minutos depois, voltou com dois comprimidos e um copo de água nas mãos.

Pitter aceitou o remédio, mas ao pegar o copo, seus dedos frios tocaram de leve a palma da mão de Amara. O toque simples foi o bastante para aquecer suas bochechas. Ela desviou o olhar, tentando se recompor.

“Pi... 3,14159...” — pensou, como fazia quando precisava acalmar a mente.

— Quer que eu o leve ao hospital? — perguntou, tentando parecer prática. — Me desculpe... eu não fazia ideia de que você não podia comer nada picante.

— Não foi culpa sua — disse ele, com uma voz mais branda. — Já estou acostumado.

Por alguns segundos, apenas o vento se fazia ouvir. Então, Pitter quebrou o silêncio.

— Théo queria vê-la esta noite. Foi por isso que viemos.

Amara arregalou os olhos, surpresa.

— Ele... queria me ver?

Pitter assentiu devagar, e ao falar de Théo, sua postura rígida parecia suavizar.

— Desde o dia no armazém, ele tem dormido mal. Ficou assustado, e de alguma forma... você o acalma.

Sobre o armazém, Amara ficou pensativa, mas logo desfez o pensamento ao saber que é a calmaria de Théo, essas palavras aqueceram o coração de Amara mais do que ela gostaria de admitir. Havia algo em Pitter que a confundia. Um homem frio, reservado, mas que transbordava humanidade quando o assunto era o filho.

— Entendo... — disse ela, num sussurro.

O clima da noite tornava tudo mais íntimo, como se o mundo lá fora tivesse cessado, restando apenas os dois e suas verdades não ditas.

Então, talvez guiada pelo momento, Amara fez a pergunta que há muito queria fazer.

— Posso perguntar algo? Por que Théo não fala?

Pitter hesitou, como se pesasse as palavras antes de oferecê-las.

— Ele sabe falar. Só... escolheu não fazer isso.

— Então é algo emocional?

— Sim. Théo é fechado. Ele se protege assim.

Amara assentiu, compreendendo mais do que demonstrava. Sabia que aquele assunto envolvia dores profundas, possivelmente segredos que nem ela deveria tocar. Não insistiu.

Porém, antes que pudesse se despedir, Pitter a surpreendeu:

— Senhorita Amara...

Ela ergueu o olhar. A expressão dele era difícil de decifrar — séria, sim, mas havia algo mais. Seus olhos, sempre frios como aço, pareciam agora esconder um vazio antigo.

— Já nos conhecemos antes?

A pergunta a pegou desprevenida.

— Acredito que não... — respondeu, franzindo levemente a testa. — Se tivesse conhecido o senhor antes, tenho certeza de que lembraria.

— Talvez — murmurou ele, desviando o olhar para a janela, onde a lua recortava sua silhueta com um brilho solitário.

Um silêncio estranho caiu entre eles. Amara sentia o peso das palavras não ditas, dos olhares cruzados, do passado que talvez não fosse tão distante quanto ela pensava.

— Bom... se o senhor não precisar de mais nada, acho melhor eu...

Pitter ergueu a mão, interrompendo-a.

— Sem pressa. Sente-se.

Sem pressa? Ela estava em alerta total, com o coração batendo alto demais dentro do peito. Mas ainda assim, obedeceu.

Sentou-se devagar, diante dele. Ali estavam, no meio da madrugada, com a cidade dormindo lá fora, enquanto dentro daquele pequeno apartamento, dois mundos colidiam — o dela, simples e recente, e o dele, cercado por um sobrenome poderoso e cheio de sombras.

E sem saber explicar por quê, Amara sentiu que aquela noite estava prestes a marcar algo definitivo em sua vida.

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