Capítulo 4 – Oito anos antes de um coração se partir

Samuel

Antes....

A mensagem de Sarah brilha uma última vez antes de eu bloquear a tela mais uma vez. Eu não sei o que fazer.

A oportunidade que tenho nesse investimento é enorme, mas… ter que largar tudo assim…

Minha moto, já um pouco gasta, percorre as estradas bem cuidadas do centro e quando percebo já estou em frente ao hospital de Lírio.

Preciso encontrar meu pai. Ainda que eu nem tenha ideia de como abordar o assunto com ele.

Vou entristecê-lo, sei que vou. Meu pai ama que estejamos todos a sua volta, debaixo de sua proteção.

Caminho devagar, encolhendo um pouco os ombros a fim de não chamar tanto a atenção. Desde meu primeiro estirão de crescimento, eu tenho essa sensação interna de ter que curvar um pouco os ombros e não me destacar tanto.

Ser alto não é só o problema, há também toda essa massa que ganho com os exercícios severos do esporte. Faz um certo sucesso com as garotas da minha idade, mas meio que não gosto muito da atenção exagerada. Quem gosta disso é Lucas.

A única que eu gostaria que me notasse do jeito que a maioria nota, não me vê assim. Sarah foi meu calcanhar de Aquiles desde que a vi pela primeira vez. Naquela época, eu era pequeno demais para entender, mas seus olhos verdes e sorriso doces sempre me quebravam, uma vez após a outra.

Levou alguns anos e algumas ereções constrangedoras para eu entender que meu corpo a queria mais do que uma amiga, mas Sarah nunca viu isso. Para ela sou apenas o seu amigo fiel, seu confidente… Porra, talvez ela até me veja como um irmão!

Afasto o pensamento cruel de minha mente, pois só de imaginar isso, eu já me sinto enjoado.

Mando uma mensagem para meu pai e vou em direção ao refeitório do hospital pequeno, o cheiro de antisséptico que parece sempre impregnar esse ambiente me incomodando um pouco.

Sento-me em um dos bancos próximos à janela, meus pensamentos confusos e coração arredio.

Eu não quero ter que me afastar de todos, da minha vida. Dela.

Mais do que não poder estar mais sempre ao seu lado, ainda existe a constate certeza que vai me acompanhar: eu nem sequer tentei. Fiquei anos ao seu lado, com meu coração rasgando por ela dia após dia e nunca nem tentei lhe dizer isso. Nunca achei os meus colhões para tal.

— Sam, aconteceu algo? — Meu pai chega, sua mão apertando meu ombro.

Vejo ele se sentar, um copo fumegante de café em suas mãos.

— Mais ou menos. — Lhe respondo, respirando fundo — Sabe aquele projeto de um novo sistema de dados em que eu estava trabalhando e que mandei para uma startup famosa, sem compromisso?

Os olhos azuis, assim como de Lucas, vão se arregalando lentamente. Meus olhos se perdem com nostalgia por seus traços, agora com mais alguns sinais da idade. Lucas puxou todo ao meu pai, desde os olhos até os cabelos. Já eu, sou meio que uma mistura dos meus pais. Quando pequeno ele sempre brincava que meus olhos eram uma mistura deles dois e não deixa de ser verdade.

— Meu Deus, filho… não vai me dizer que… — Ele balbucia, uma expectativa alegre em seu rosto.

— Sim. Um tubarão de lá, gostou da proposta. Recebi a notícia um pouco antes do campeonato acabar. — Passo as mãos no cabelo, sabendo que terei que dizer a parte mais difícil.

— E por que você não parece feliz com isso? — Meu pai pergunta, pescando algo em minha expressão.

— Estou feliz, de verdade. Essa é uma oportunidade de uma vida. Se eu conseguir o investimento e futuramente o vender, posso ter uma vida ótima daqui para frente.

— Mas… — meu pai instiga, dando um gole em seu café.

— Terei que me mudar pai, para o outro lado do país. O período de avaliação pode levar meses e eles adicionaram a proposta que eu termine a minha graduação em uma universidade de muito renome por lá. — Revelo, vendo a melancolia preencher seus olhos.

— Entendo. — Ele expira pelos lábios, mas quando volta a me fitar, um orgulho puro brilha em seus olhos — Pode ser difícil por um tempo, mas esse é o seu futuro e oportunidades assim devem ser aproveitadas.

Assinto para ele, sabendo que tudo o que ele disse faz sentido, mas…

— É a Sarah, não é? — Meu pai indaga, os olhos astutos em mim.

— O quê? — Pergunto, sem saber como reagir.

— Eu não sou cego, filho. — Ele sorri, um pequeno rasgar de lábios de quem sabe das coisas — Sei que amizade de vocês é sincera, mas reconheço o brilho no seu olhar quando a vê.

Sentindo meu rosto se incendiar, eu balbucio uma resposta, mas paro subitamente, sabendo que é inútil. Meu pai nos acompanha de perto desde que dei os meus primeiros passos. Foi ele que me ensinou a andar, a me banhar, a falar. Foi ele que esteve comigo em cada dia feliz, em cada conquista e em cada crise minha… e foram muitas. Meu temperamento sempre me colocou em situações muito ruins e foi ele que me ensinou a colocar isso em uma rédea curta.

Não há nada sobre mim que esse velho não conheça.

— Eu não sei o que fazer. — Comento por fim, minha voz tão miserável quanto me sinto — Ela não sente o mesmo, nunca foi assim para ela, mas sei lá… eu queria que ao menos…

— Ela soubesse. — Ele completa, a voz serena.

— Porra, sim! — sibilo, muito frustrado.

— Vocês são uma bagunça cheia de hormônios. — Meu pai solta, a risada suave o acompanhando.

— O que quer dizer?

— Nada filho. — Ele balança a cabeça e volta a me encarar com seriedade — Diga a ela, então. Você pode se magoar, mas ao menos tirará isso de sua consciência e poderá seguir com a sua vida.

Fico um tempo pensando no que ele diz e um tipo diferente de determinação vai me fazendo endireitar os ombros.

Sarah tem dominado cada pensamento meu desde moleque. Aprendi a amar o jeito que ela sorri quando quer te animar, o jeito que ela se aproxima de mim quando o dia está uma merda para ela, como se a nossa mera aproximação fosse o suficiente para lhe acalentar.

Porra… amo até o jeito que ela briga comigo quando pego algo de seu prato, mas no final acaba dividindo comigo de qualquer forma.

Cada pedaço dela, desde os mais doces, até os mais sombrios, todos me fazem queimar por ela.

Olho para meu pai decidido.

— Acho que teremos uma declaração hoje hein… — ele brinca e eu sorrio.

— Com toda certeza.

A festa é barulhenta ao meu redor e o pequeno ramo de flores que seguro começa a ficar molhado em minha palma de tanto que estou nervoso. Sei que estou mais do que um par de horas atrasado, mas espero firmemente que ela ainda esteja aqui.

Merda! E se eu chegar suado e fedorento perto dela? É melhor eu ir embora.

Travo minhas pernas no lugar, não querendo recuar depois que tomei minha decisão.

Desvio de muitas tentativas de conversa bêbada do pessoal da faculdade e subo o lance de escadas da fraternidade, procurando por Sarah.

Ela me mandou mensagens o dia inteiro e nervoso como eu estava, acabei ignorando todas. Ela deve estar além de brava comigo.

Abro algumas portas e não a encontro em nenhuma delas. Já um pouco cansado da viagem e de estar nesse constante estado de tensão o dia inteiro, eu pondero ir embora e conversar com Sarah em casa, mas quando passo por uma porta a minha esquerda, eu ouço sua voz.

Pela fresta larga da porta vejo algo que me trava no lugar.

Ela não está sozinha. Lucas está com ela. O morder antigo do ciúme me faz ficar plantado no lugar, algo me dizendo que preciso ir, mas não conseguindo sair dali mesmo assim.

Eu sempre desconfiei que ela tinha uma queda por Lucas, mas a forma com que ela olha para ele agora, me diz que pode ser muito mais que isso.

O oscilar de suas pernas me faz perceber outro detalhe: ela está bêbada.

— Sarah… — Lucas a adverte, se afastando um passo, o olhar confuso.

— O que é… — Sarah retruca, se aproximando mais — Não sou tão boa como metade das vagabundas que você pega?

— Por Deus… — Lucas resmunga — O que há com você?

— Cansei de esconder isso. — Ela enlaça o pescoço de Lucas com determinação.

Tento recuar e não ver o que despedaça meu peito agora, mas acompanho os segundos mais longos da minha vida, onde os lábios dela tocam os dele, as curvas que tanto quis tocar se pressionando em Lucas com intensidade.

Isso dói… achei que a rejeição doeria, mas caralho… isso dói muito mais, pois agora tenho a certeza que nunca terei chance nenhuma com ela.

Fecho meus punhos, a vontade de quebrar tudo a minha volta me dominando. Mas de que adiantaria? Eu só estaria ainda mais furioso no final e sem ela. Sempre sem ela.

Lucas a afasta bruscamente e ela cambaleia com os olhos turvos.

— Porra, Sarah… que merda foi essa? — Lucas sibila.

Observo os lábios de Sarah se separarem para o responder, mas seus olhos me veem, ali parado na porta e com um ridículo ramo de flores na mão.

— Samuel. — Meu nome sai de sua boca, como um sopro, seus olhos se arregalando.

Deixo cair o ramo de flores no chão e ela acompanha o movimento. Algo em sua expressão muda, quando volta a mirar meus olhos, talvez encaixando tudo e percebendo que talvez eu quisesse ser algo mais do que um amigo.

Pro inferno com tudo isso! Viro as costas, algo em meu peito se endurecendo a cada passo que dou.

Eu queria que ela soubesse dos meus sentimentos, antes de eu sair de sua vida… pois bem… agora ambos sabemos muito mais que isso.

Ouço ela me chamar da porta, o indício do choro reverberando em seu timbre, mas não olho para trás e prometo a mim mesmo nunca mais fazer isso.

Nunca mesmo.

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