CAPÍTULO 5

A passagem estava comprada, o visto havia sido aprovado, a mala estava quase pronta.

A ideia de ir para Dubai, que antes parecia um cenário distante de novela das nove, agora era uma certeza sólida, palpável, fria.

Não havia mais espaço para fantasias, eu estava indo, e não por turismo, nem para postar fotos na frente do Burj Khalifa. Eu estava indo para vender algo que nenhuma passagem de volta poderia recuperar.

A diretora da agência, Carolina, me avisou que eu teria mais uma etapa antes do embarque. Uma aula intensiva sobre a cultura local, as leis, os costumes. Afinal, ele era um sheik. Um homem do deserto. E eu? Uma brasileira do caos urbano, dançarina de boate que usava cropped e salto alto pra ganhar gorjeta.

As realidades não podiam ser mais diferentes.

Fui até o endereço enviado por ela. Era um apartamento sofisticado na zona sul, silencioso e com vista para o parque.

Lá dentro, me esperava uma mulher elegante, de turbante dourado e olhos severos. Seu nome era Layla. Ela havia vivido por anos no Oriente Médio e agora orientava acompanhantes sobre como se comportar fora do Brasil. A aula começou de forma seca.

— Primeira regra, Júlia...Nunca toque nele primeiro. Nem sequer estenda a mão para cumprimentá-lo. Isso pode ser visto como uma ofensa.

Assenti, engolindo em seco. Eu, que sempre fui espontânea com os homens, agora precisava ser quase uma sombra silenciosa.

— Segunda, evite contato visual prolongado. Homens em posição de poder podem interpretar isso como desafio ou provocação.

Mais um golpe. Eu sempre fui o tipo de mulher que encarava quem queria. Olhar nos olhos era minha armadura, agora era um risco.

— Terceira, não use roupas curtas ou justas em público. O que acontecer em privado é uma coisa. Mas até chegar ao hotel, ou circular em espaços abertos, você precisa parecer recatada, comportada e modesta.

— Mesmo sendo brasileira? Perguntei, tentando entender se havia alguma tolerância.

— Principalmente sendo brasileira. Lá, as mulheres latinas são vistas como naturalmente sensuais. Se você for imprudente, vai atrair atenção errada. Ou pior… punição legal.

Punição. A palavra ecoou como um trovão. Eu sabia que a justiça em alguns lugares do mundo era rígida, mas não fazia ideia de que um decote errado poderia me colocar atrás das grades.

Ela continuou.

— Evite álcool em público, não tire fotos indiscretas, não fale alto e jamais mencione religião. Nem como piada. Entendeu?

— Entendi.

Respondi, mesmo sem entender nada completamente. Era como se estivesse sendo moldada em outra mulher, uma que eu não reconhecia.

No final da aula, Layla me deu uma apostila com frases básicas em árabe. Cumprimentos, respostas curtas, elogios sutis. Disse que eu não precisava usá-las, mas o sheik apreciaria se notasse algum esforço.

Me despedi dela com um nó na garganta. Caminhei de volta pra casa pensando se ainda havia alguma parte de mim que era eu. Cada aprendizado parecia apagar um traço antigo, como se eu estivesse me preparando para morrer e renascer em outra pele.

Na noite anterior à viagem, fui visitar minha mãe no hospital.

Ela estava mais frágil. Os olhos pareciam menores, mas ainda brilhavam quando me viu entrar.

— Você está linda, filha…

Disse com aquele tom que só mãe tem.

Eu sorri, tentando conter as lágrimas.

— Vim só dar um beijo rápido. Amanhã eu viajo.

— Para onde?

— É uma viagem rápida, mãe. A trabalho.

Ela me olhou com desconfiança, mas não insistiu.

— É aquela viagem que você já havia me falado?

Assenti com a cabeça, sem dar muitas explicações.

— Vai dar tudo certo, viu? Eu já autorizei o início do tratamento.

— Que bom, minha menina.

Ela apertou minha mão com o pouco de força que tinha.

— Você é luz. Sempre foi.

Eu queria dizer a verdade, que estava com medo, que eu não sabia como voltar depois, que talvez eu cruzasse uma linha que me mudaria para sempre.

Mas tudo que consegui foi beijar sua testa e sair rápido, antes que os soluços explodissem.

Cheguei em casa ainda tremendo.

Era quase meia-noite quando tocaram a campainha.

Um homem de terno, com sotaque estrangeiro, me entregou duas malas pretas grandes. Apenas disse “presente do cliente” e foi embora sem nem aceitar gorjeta.

Abri as malas com o coração martelando no peito.

Dentro, vestidos finíssimos de seda, túnicas transparentes, saltos absurdamente altos, perfumes que eu nem sabia pronunciar o nome. E lingerie de luxo. Rendas pretas, vermelhas, brancas, com detalhes dourados. Conjuntos que não pareciam roupas, mas convites explícitos.

Cada peça parecia sussurrar no meu ouvido: Você está sendo preparada para o desejo de alguém.

Fechei as malas e respirei fundo. O que mais me atormentava não era o voo de 15 horas, não era a distância, não era nem o dinheiro que estava por vir, era ele, o Sheik.

Como ele seria? Um velho de barba branca e olhar lascivo? Um homem cruel, acostumado a dar ordens e usar mulheres como utensílios? Um príncipe educado? Ou algo pior?

Quantos fetiches ele esperava realizar com uma virgem brasileira?

Fechei os olhos e pensei em todas as possibilidades. Cada uma delas me deixava mais tonta que a anterior.

Conferi os documentos mais uma vez, passaporte, carta da agência, cartão internacional, reserva do hotel de luxo. Tudo estava pronto.

Minha mala agora não era só minha. Era um baú com o peso de um segredo que eu carregava no lugar do coração.

Deitei na cama e encarei o teto, não consegui dormir. As horas passaram devagar, como se zombassem de mim. O celular apitou às 4h50 da manhã com a mensagem da agência...

“Motorista estará às 6h30. Seu voo parte às 9h em ponto. Seja impecável.”

Levantei antes do sol nascer, com o corpo gelado e a alma em combustão.

Era minha última madrugada no Brasil como a Júlia de antes.

E eu não fazia ideia de quem seria a Júlia que voltaria.

Se voltasse.

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