Mundo de ficçãoIniciar sessão
Atrasada.
Pela quinta vez nesta semana, estou vinte minutos atrasada para o treino da manhã. Graças ao meu adorável vizinho, Sr. Malone, que de novo estacionou o lindo Impala 67 dele atrás do meu carro. Eu juro que não entendo o que se passa na cabeça desse homem — ele sabe que eu saio às cinco e meia em ponto. Sou a primeira a sair desse maldito condomínio todos os dias. Parece que faz de propósito.É claro que faz de propósito. Ou você acha que o vazamento no apartamento dele ia sair barato?, diz minha voz interior.
Como se a infiltração do meu apartamento descendo pro dele fosse culpa minha. Não tenho culpa de o prédio ser mal construído e agora ter mais mofo do que parede
Ao entrar no estacionamento do ginásio de patinação e hóquei da Universidade de Hastings, avisto a Mercedes do Nicolás ao lado da Hilux da treinadora Moreau. Ótimo. Sermão duplo.
Estaciono meu Mini Cooper, pego a bolsa e corro pra dentro. Mal passo pela porta principal e já sou recebida com a mais pura mistura de raiva e decepção estampada no rosto da treinadora.
— Sério, Quinn? Vinte e cinco minutos atrasada de novo! — esbraveja ela, cruzando os braços sobre o peito.
— Veja pelo lado bom, Sra. Moreau, pelo menos ela veio — provoca Nicolás, com aquele sorriso irônico. Claramente lembrando que ontem eu nem consegui sair de casa, já que o carro do Sr. Malone só foi movido às oito da manhã.
— Desculpa, treinadora, o carro do meu vizinho... — começo.
— Não quero saber das suas desculpas, Quinn. Quero comprometimento e disciplina. Como espera chegar às finais do regional desse jeito? Quer repetir o fiasco do ano passado?
— Nem ferrando! Desculpa mesmo, não vai se repetir. Vou chegar no horário na segunda, eu prometo.
— Assim espero. Você tem muito talento, Ellie. Não deixe nada te atrapalhar — ela suaviza o tom. — Nem mesmo um vizinho maluco.
Abaixo a cabeça e respiro fundo. Ela está certa. Stanley Malone é a minha pedra no sapato e eu preciso dar um jeito nisso logo.
— Anda, coloca os patins e vai pro gelo. Só temos mais uma hora de treino.
O resto da manhã correu bem. Modéstia à parte, hoje eu estava excepcional. Todos os saltos perfeitos, as viradas suaves. Nicolás, por outro lado, errou várias vezes a coreografia — o que é curioso, vindo de quem me criticou por chegar atrasada.
Nic é meu parceiro de patinação há quase cinco anos. Começamos no início do ensino médio e conseguimos uma bolsa juntos na prestigiada Universidade de Hastings — uma das principais da Ivy League e referência em Patinação Artística no Gelo. Nossa treinadora, Vivianne Moreau, dispensa apresentações: sete vezes medalhista nacional, cinco vezes campeã mundial, quatro medalhas olímpicas e dona de seis troféus regionais só pela UH.
Ela é a melhor — e, de acordo com ela mesma, nos escolheu pessoalmente porque éramos os melhores.
Éramos.Perder o regional do ano passado destruiu nossa confiança — e a dela na gente.— Se você continuar chegando atrasada, não vamos nem pras oitavas esse ano — diz Nic, entre irritado e desanimado.
— Cara, às vezes parece que você nem gosta de mim. Eu te expliquei o que aconteceu e, mesmo assim, você age como se eu estivesse tentando te sabotar. Quando nós dois sabemos que o único que se sabota aqui…é você!
— O que você quer dizer com isso? — ele rebate, já nervoso.
— Ah, por favor, Nic. Está escancarado “RESSACA” na sua testa, com letras maiúsculas e brilhantes — digo, desenhando o letreiro imaginário no ar.
— Você acha que a treinadora percebeu? — pergunta ele, com cara de pânico.
— Claro que percebeu. Principalmente depois daquele tropeço ridículo no meio do forward gliding. Sério, o que foi aquilo?
— Foi mal... os caras da aula de economia me chamaram para um after depois da aula e... acabou saindo do controle — confessa, indo se sentar no banco de reservas.
— Tudo bem, só não age feito um babaca comigo porque tá com dor de cabeça.
Ele sorri de lado, exibindo a covinha na bochecha esquerda. Apesar do jeito passivo-agressivo, nos damos bem. Nossa parceria e sintonia no gelo sempre falam mais alto do que qualquer briga.
De repente, o som de vozes e risadas começa a ecoar do portão. Ótimo. O time de hóquei chegou. Sempre saímos antes deles, mas hoje parece que o universo quis testar minha paciência.
O primeiro a passar pela porta é o goleiro do time, Adam Keller. Diferente da maioria, esse eu gosto. Sentamos juntos em Psicologia Social e ele é um fofo — sempre me cumprimenta no campus.
Atrás dele vem o resto da defesa, rindo e se empurrando, como se socos fossem demonstrações de afeto.
— Olha só, os trogloditas. Tão brutos e lindos — comenta Nic, com tom teatral.
— Às vezes eu esqueço que você é bi. Eles até podem ser lindos...
— E gostosos — completa ele, sorrindo.
Reviro os olhos.
— Mas são extremamente arrogantes e metidos.
E como se o universo adorasse ironias, quem aparece na porta logo em seguida é o próprio rei da arrogância: Asher DeLuca. Capitão do time, astro da faculdade, galinha de carteirinha e, pra piorar, irritantemente bonito.
Mesmo sem gostar dele, não dá pra negar — o cara é um deus grego. Uns 1,90 de altura, olhos verdes, cabelo castanho levemente ondulado, barba por fazer, pele bronzeada e um corpo de capa de revista.
— Esse cara é um deus grego, sério. Deus tem mesmo seus preferidos — diz Nic, praticamente babando.
— Ele é superestimado. Um cara desses ou é burro, ou tem o pinto pequeno — digo, rindo.
— Agora eu entendi por que tiro nota baixa em anatomia: meu pau é o problema — escuto uma voz atrás de mim.
Reviro os olhos e me viro. Óbvio. Ele.
— Ou talvez seja o seu ego tão grande que não sobra espaço pra mais nada, DeLuca.
— Da próxima vez que quiser saber o tamanho do meu pau, Quinn, é só pedir. Te mostro com o maior prazer. Pode escolher: ao vivo ou por foto — diz ele, com aquele sorriso presunçoso.
— Só nos seus sonhos. — Me viro pra Nic. — Valeu pelo treino de hoje, mas tenho coisa mais importante pra fazer do que ouvir delírios de um idiota.
Pego minha bolsa, jogo no ombro e caminho até a porta.
— Me manda mensagem mais tarde que eu te mando aquela foto, linda! Só não explana — ele grita, rindo.
Levanto o dedo do meio sem olhar pra trás.
Babaca.







