Ponto de vista da Jo
Na noite em que decidi acabar com meu casamento, Nova York dormia do lado de fora das janelas da cobertura. Só o cursor do meu laptop permanecia acordado — piscando ao lado das palavras Acordo de Divórcio. Eu estava prestes a digitar meu nome quando a porta se abriu com força. Giovanni Romano — Herdeiro da família mafiosa mais temida de Nova York — entrou cambaleando, cheirando a uísque e ao perfume de outra mulher. Mas, pela primeira vez, ele estava sorrindo. E não para mim. Para o nosso filho.
— Vem cá, garoto. — Ele disse, a voz rouca, instável.
Leo ficou paralisado, segurando o pequeno avião que eu tinha encontrado num brechó na semana passada. Depois correu até ele — porque as crianças sempre correm em direção às pessoas que mais as machucam. Giovanni o levantou nos braços. Foi a primeira vez em sete anos que eu o vi segurar o próprio filho. A voz de Leo tremeu.
— Mamãe… por que o tio Gio tá sorrindo?
Tio. Sempre tio. Nunca pai. Forcei um sorriso que queimou meus lábios.
— Porque, meu amor — eu disse baixinho — a mulher que ele ama acabou de voltar. Ele piscou, confuso.
— Então… a gente devia ir embora, né? Pra não atrapalhar ele?
Minha garganta se fechou.
— É, querido. Devíamos.
Naquela noite, depois que Leo adormeceu no quarto de hóspedes, eu fiquei no escuro, olhando para a tela iluminada. Sete anos casados só no papel, separados na prática, dividindo o mesmo teto como estranhos, enquanto o silêncio e os homens da família dele faziam a guarda. Casei com um herdeiro da Máfia. — Não por poder, nem por proteção, mas por amor. Um amor que apodreceu muito antes de as alianças perderem o brilho.
Eu estava prestes a digitar meu nome quando a porta se abriu de novo. Leo estava ali, descalço, segurando o pequeno avião.
— Mamãe… a gente vai mesmo embora? Porque… o tio Gio me deu isso. Isso não quer dizer que ele gosta de mim agora?
Eu congelei.
O mesmo homem que se recusava a segurá-lo em público — com medo de alguém descobrir que ele tinha uma família — Tinha dado aquele brinquedo, provavelmente para aliviar a própria culpa.
— Meu amor…
Comecei, mas parei. O que eu podia dizer? Que o presente não era dele, mas da mulher que acabara de voltar de Paris? Que o pai dele sorriu naquela noite porque ela voltou, porque a felicidade finalmente tinha voltado pra casa, só que não pra nós?
Então eu menti. Como sempre fazia.
O cobri, beijei sua testa e sussurrei:
— Dorme agora, querido. Vai ficar tudo bem.
Fiquei ao lado dele até sua respiração se acalmar. Quando as lágrimas vieram, eu não as contive. Não porque ainda amasse Giovanni, mas porque eu não sabia como dizer ao meu filho de sete anos que o coração do pai dele nunca teve espaço pra ele. Aprendi essa verdade da pior maneira. Leo tinha dois anos quando aconteceu pela primeira vez…
A gente andava pelo mercado lotado em Little Italy quando ele gritou "Papai!" por engano — Suave, inocente, sem entender o peso daquela palavra no nosso mundo. Giovanni congelou. Depois, sem dizer uma palavra, soltou a mão de Leo e continuou andando, fingindo não ouvir. Quando um estranho trouxe Leo de volta até mim, as mãozinhas dele tremiam. Ele nunca mais o chamou de pai. Quando fez quatro anos, implorou para ir ao parque de diversões. Giovanni concordou — mas desapareceu em uma ligação assim que chegamos. Uma hora depois, encontrei Leo sentado sozinho na calçada, abraçando os joelhos, com medo até de chorar. Aquele foi o dia em que algo dentro de mim ficou em silêncio. — E nunca mais voltou. Agora, anos depois, Leo já era grande o suficiente pra sentir a verdade, mas ainda gentil demais para enfrentá-la. Ele segurou o aviãozinho com força, a voz quase num sussurro:
— Mamãe… a gente pode dar três chances pra ele? Se ele ainda não gostar da gente depois disso… a gente vai embora pra sempre.
Meu peito se partiu.
"Três chances" o mesmo número de vezes que eu perdoei Giovanni antes de parar de esperar que ele mudasse.
Enxuguei uma lágrima no rosto dele.
— Tá bem, meu amor. — Eu disse baixinho — Três chances.
Por dentro, eu já sabia, ele falharia em todas.