Confiança. Foco. Controle.

Essas palavras estavam gravadas na minha mente como um código inquebrável. A entrevista na UpperConstruction tinha sido apenas mais um desafio. Um que eu planejava vencer sem deixar rastros de emoção.

Até que não foi bem assim.

Estacionei o carro na minha vaga e suspirei, de volta para casa. Não gostava de sentir que algo havia saído do meu controle.

A figura do CEO pairava como uma sombra incômoda. Seguro demais. E com um sorriso provocador que eu não tinha conseguido ignorar completamente, por mais que tentasse.

Sr. Gonzales.

Eu não era do tipo que se impressionava com títulos ou cargos. Mas havia algo naquele olhar, na maneira como ele jogava as palavras como se fosse um jogo particular, que me fazia querer vencer — e rápido.

— Mantenha o foco, Melô — repeti para mim mesma.

Abri a porta do meu apartamento e fui direto para o notebook. Precisava processar tudo. Como sempre, recorri ao que me dava segurança: uma planilha.

Relatório pós-entrevista — UpperConstruction

• Entrevistador: Sr. Ethan Gonzales.
• Ambiente: controlado, com provocações sutis.
• Resposta emocional: mínima. Reação controlada.

Respirei fundo. Estava bem. Havia mantido a compostura, não tinha sorrido, não tinha recuado. Só um leve vacilo no início — nada que comprometesse meu desempenho.

Ainda assim, a lembrança daquele olhar continuava ali, persistente.

Fechei o notebook com mais força do que pretendia. Fui para a cozinha, buscando uma pausa. Camomila seria o suficiente. Meu corpo não precisava de mais cafeína — não depois daquela entrevista.

Enquanto a água esquentava, o celular vibrou sobre a bancada. Número desconhecido.

Pense racionalmente, Melô.

Era provavelmente alguma confirmação de processo seletivo. Atendi.

— Melô falando.

A voz do outro lado fez meu estômago revirar antes mesmo que eu pudesse reagir.

— Espero não estar interrompendo seu chá de camomila.

Sr. Gonzales.

Esperava que o RH me ligasse. Não o próprio Sr. Gonzales. Ignorei isso na mente. Respirei fundo. Controle.

— Presumo que o senhor tenha acesso às informações pessoais dos candidatos.

Ele soltou uma risada baixa.

— Presume corretamente. Mas fique tranquila, não é minha intenção ser invasivo.

— Então qual é, exatamente, a sua intenção, Sr. Gonzales?

Pausa. Longa o bastante para me deixar desconfortável.

— Quero contratá-la.

Meu corpo inteiro ficou em alerta. Mas minha voz permaneceu impassível.

— A decisão foi tomada tão rapidamente?

— Algumas decisões não precisam de análise prolongada. Sei o que procuro. E acredito que a senhorita tem o que esta empresa precisa.

— E quais seriam as condições desse contrato? — perguntei, com uma leve curiosidade.

— Trabalhará diretamente comigo. No projeto que estamos iniciando. Exigirá foco absoluto. Algo que, pelo que vi hoje, não lhe falta.

Diretamente com ele.

Não era a proposta mais confortável, mas também não era algo que eu recusaria sem refletir.

— Posso perguntar por que fui escolhida, Sr. Gonzales?

Outro breve silêncio.

— Porque a senhorita manteve o controle. Não se deixou afetar. E porque tenho a leve impressão de que será interessante tê-la na equipe.

Interessante. Palavra perigosa. Mas o tom dele era profissional. Mantive a frieza.

— Aceito.

— Sabia que a senhorita diria isso.

Arrogante.

— Nos vemos segunda-feira. Prepare-se. Será desafiador.

A ligação caiu.

Soltei o ar que não percebi estar prendendo. Fiquei ali, com o celular ainda na mão, o apito da chaleira soando como um alarme distante.

Voltei para a sala e abri novamente a planilha.

Agora havia um novo item destacado:

Início no projeto da UpperConstruction — trabalhar diretamente com o CEO.

Fechei o documento. Pela primeira vez em muito tempo, não consegui prever todas as variáveis dessa nova equação.

Mas uma coisa eu sabia:

Eu não perderia o controle.

Não por ele.

Não por ninguém.