Melô
Estava focada em três coisas: manter a compostura, impressionar na entrevista e, por favor, não derrubar café na blusa branca — nessa ordem. Caminhei até a recepção com a postura tão rígida que parecia ensaiada. Talvez fosse mesmo. Afinal, repassei o trajeto da entrada até a sala de entrevista três vezes ontem à noite.
A recepcionista sorriu, e eu tentei retribuir sem parecer que avisava: “não me toque, sou antissocial”. Provavelmente falhei.
— Bom dia, meu nome é Melô Cross . Vim para a entrevista — falei com voz firme, tão controlada quanto o look que escolhi para hoje.Recebi o crachá provisório. O elevador subiu e, com ele, minha frequência cardíaca. Não porque eu estivesse nervosa — não fico nervosa — mas porque gosto de estar cem por cento no controle. O tempo todo. Sempre.
Cheguei à sala indicada, empurrei a porta devagar — e lá estava ele. Ethan Gonzales, de costas, falando ao celular. Encostei a porta com cuidado. Ele se virou. Meus olhos avaliaram cada detalhe: terno sob medida, barba por fazer, aquele sorriso de canto de boca — o sorriso do homem cafajeste que tem tudo e todos aos seus pés, que não aceita ser contrariado; charmoso demais para seu próprio bem. Provavelmente o motivo de várias arquitetas perderem o foco por aí.
Meu coração deu uma leve acelerada. Ele desligou o celular e veio até mim.
— Você deve ser Melô — disse, estendendo a mão. Encarei-a por um instante, pensando se deveria apertar ou não. Hesitei só um segundo, mas segurei firme.
— Sim. Prazer — falei, ajeitando os óculos.
— Já ouvi muito sobre você — ele disse, apontando para a cadeira. — Dizem que tem um QI fora do comum. Será que isso vem junto com uma personalidade tão… metódica quanto suas planilhas?
Sentei-me, mantendo o olhar fixo no dele.
— Talvez. Mas inteligência não significa rigidez. Só foco.
— Foco é ótimo. Desde que saiba lidar com o imprevisível. Nosso ambiente é… digamos, pouco linear — ele arqueou a sobrancelha.
— Sou boa com variáveis. Desde que sejam previsíveis — provoquei.
Ele soltou uma risada baixa e se inclinou um pouco para a frente.
— E quando a variável não se deixa prever, Melô? Quando ela insiste em fugir de qualquer lógica?
Notei que ele não falava só de trabalho. Senti a garganta secar, mas mantive a postura.
— Nesse caso, recalculo. Sempre existe uma fórmula que funciona. Até para CEOs imprevisíveis.
Ethan sorriu, satisfeito.
— Gosto de como você pensa. Vamos ver se continua tão segura até o fim desta entrevista.
Folheou meu currículo como se já soubesse tudo — e, de certa forma, sabia mesmo. Mas não era isso que me deixava apreensiva. Era o jeito como ele me olhava, como se enxergasse além das palavras no papel.
— Sua trajetória é impressionante para alguém tão jovem — disse com voz firme, desafiadora e curiosa ao mesmo tempo. — Prêmios, reconhecimento, projetos inovadores… Me diga: trabalha melhor sob pressão ou no controle absoluto?
Sorri, erguendo um pouco o queixo, sentindo o peso do olhar dele.
— Pressão é só mais um dado a ser calculado. O que importa é o resultado.
Ele se aproximou, encostando-se à mesa com uma leveza que não parecia tão casual. A distância entre nós diminuiu, e senti o calor do momento sem poder evitar.
— E se o resultado for… imprevisível? Algo que não possa controlar com fórmulas ou cronogramas?
Por um instante, senti um frio na barriga — mas não deixei transparecer. Controle era meu lema. Não daria esse gostinho a ele.
— Eu me adapto. Mas não gosto disso.
Ele inclinou a cabeça, me avaliando como se eu fosse uma equação difícil — e, de certa forma, eu era.
— Gosto de gente que sabe se adaptar. Mas tem uma coisa que você precisa aprender aqui, Melô.
Engoli em seco, curiosa e nervosa.
— Nem tudo aqui segue regras — continuou. — Às vezes, as melhores ideias surgem do caos. Do inesperado.
Respirei fundo. Ele estava me testando, e eu sabia que tinha que mostrar que não me deixaria abalar.
— Caos só vale se alguém souber organizar depois. E essa pessoa sou eu.
Ele sorriu de um jeito que fez meu coração acelerar mais uma vez — por dentro, claro. Não era hora de perder o controle.
— Talvez seja exatamente isso que precisamos. Alguém que saiba trazer ordem… e que não tenha medo de se perder um pouco no processo.
Meu peito apertou. Eu não era fã de me perder. Nem mesmo um pouco.
— Não me perco facilmente, Sr. Gonzales.
Ele recostou-se na cadeira, mantendo os olhos fixos em mim, como se já soubesse que essa entrevista era só o começo de algo muito maior.
— Ainda bem. Porque acho que você vai precisar de todo esse foco… trabalhando ao meu lado.
O ar na sala ficou denso, o silêncio carregado de um desafio silencioso.
Segurei o olhar dele até o fim, sem piscar. Jogo jogado, Sr. Gonzales. E se havia uma coisa que eu sabia fazer bem… era vencer.