A jovem Bellamina Montenegro é tragada por um ciclo de terrores noturnos e segredos ancestrais ocultos sob a fachada aristocrática de sua família. Atormentada por sonhos intensos com uma mulher sobrenatural e marcada por visões e mudanças em seu corpo, Bellamina começa a descobrir que sua linhagem está profundamente ligada a rituais sombrios e pactos antigos. Enquanto luta para entender o que é real ou alucinação, ela se vê presa entre desejos proibidos, heranças malditas e um destino que ameaça consumi-la por completo. No coração da narrativa, se entrelaçam desejo, culpa, vingança e maldição, com passagens que remontam a um passado ritualístico marcado por sangue, invocações e possessões espirituais. Cada personagem, inclusive seu pai Alaric, carrega cicatrizes do mesmo véu que agora ameaça engolir Bellamina — uma linhagem corroída por entidades obscuras e segredos abafados pela moralidade da alta sociedade. Quando a empregada da mansão decide romper o silêncio, dois investigadores — Genevieve Hester e Graham Sullivan — são chamados para ajudar a desvendar os mistérios que cercam a jovem. Especialistas em fenômenos ocultos e tragédias familiares, eles mergulham em arquivos esquecidos, inscrições de sangue e verdades enterradas, buscando romper o ciclo antes que seja tarde demais. Porque algumas verdades estão escondidas justamente onde a luz não alcança.
Leer másEra uma noite escura, sem lua, e uma energia densa pairava na floresta. A névoa cinzenta se arrastava entre as copas das árvores, como dedos gelados acariciando o ambiente. No centro de uma clareira, erguia-se um grande círculo de pedras negras, gravadas com símbolos de caveiras e roseiras espinhosas, cada pilar manchado com sangue fresco. Dez figuras encapuzadas, envoltas em véus negros que ocultavam seus rostos, estavam dispostas em torno do círculo. Suas vestes eram da mesma cor, seus braços erguidos revelando o mesmo símbolo entalhado nas pedras, gravado na carne de seus braços esquerdos. Aquele era um momento de devoção profana.
O cântico que eles entoavam reverberava pelo ar, sombrio e hipnotizante. — Évora, Senhora da Morte, Guardiã do Abismo, a ti oferecemos esta alma, para teus domínios! — bradaram em uníssono. No centro do círculo, sobre a grama morta, jazia um homem nu amarrado. Suas pernas e braços estavam firmemente presos por cordas, e sua boca vedada. Seu corpo magro e definido estava marcado pela sujeira e por pequenos cortes. Os cabelos castanhos claros, bagunçados e molhados de suor, emolduravam um rosto desesperado. Seus olhos verdes imploravam por misericórdia. Acima dele, montado sobre seu abdômen, estava outro homem. Este tinha cabelos longos e pretos como ébano e olhos dourados que reluziam com intensidade frenética. Sua respiração era pesada, e o peito, definido, subia e descia em ritmo acelerado, acompanhando as batidas violentas de seu coração. Sua pele branca adquiria um brilho alaranjado à luz das velas vermelhas que cercavam o círculo, lançando sombras dançantes sobre as pedras. Com um movimento decidido, o homem de olhos dourados — Velkan Stoker — ergueu uma adaga de prata, cujo cabo de ébano estava entalhado com o nome de Évora. A lâmina brilhava com o estandarte da deusa gravado nela, refletindo a luz das velas que agora se misturava com a névoa que preenchia o ar, junto do cheiro forte da cera queimando. O homem amarrado, Ádrian Belford, se contorcia, tentando escapar de seu destino. Seus gritos abafados pela mordaça eram inúteis. Seu desespero vibrava no brilho de seus olhos verdes. Velkan respirou fundo, como se por um breve segundo fosse hesitar e desistir de seu ato, mas logo se concentrou novamente e se lembrou de seu objetivo, e bradou com firmeza, a voz carregada de poder: — Eu, Velkan Stoker, ofereço à Évora, a Senhora da Morte e Guardiã do Abismo, este sacrifício! — Sua voz ecoou na clareira. — Com o sacrifício de Ádrian Belford, interrompo a linhagem dele com minha irmã, Clorinda Stoker, e peço à Évora uma linhagem longa, rica e poderosa! Num golpe firme e preciso, ele cravou a adaga no peito de Ádrian. O sangue jorrou, manchando o corpo nu de Velkan, que retirou a lâmina e lambeu o sangue que escorria pela prata. O sacrifício estava feito. O corpo de Ádrian estremeceu e, pouco a pouco, sua vida se esvaiu. No entanto, enquanto seu corpo morria, algo extraordinário acontecia: uma forma translúcida e brilhante emergiu do cadáver. Tentou se elevar, mas foi contida pela névoa e pela fumaça das velas, que a mantinham presa dentro do círculo, tentando desesperadamente se libertar. O grupo encapuzado começou um novo cântico, ainda mais sombrio, em uma língua antiga e esquecida. Uma das figuras, então, se desfez de seu manto, revelando uma mulher alta e esguia. Seus cabelos loiros e curtos reluziam sob o brilho das velas, e seus olhos azuis vibravam com uma intensidade sobrenatural. Sua pele pálida quase brilhava à luz difusa. Velkan se levantou, entregando a adaga à mulher, que a lambeu do mesmo jeito, absorvendo o sangue, com gosto metálico que ainda escorria. Então, sem palavras, eles se uniram ali, manchados com o sangue de Ádrian, sobre o corpo morto do sacrifício. O ritual atingia seu ápice, e à medida que se entregavam àquele ato primal, a forma translúcida — a alma de Ádrian — parecia ser puxada por correntes invisíveis, forçada a entrar no ventre da mulher. Uma das figuras encapuzadas se aproximou, erguendo os braços em direção ao céu. — Velkan e Tisbe, o preço de sangue foi pago, e Évora o aceitou. Através desta união, vossa linhagem será fortalecida e enriquecida, como desejado. O vosso primogênito será a chave para tudo o que foi prometido. Assim é e assim será! O restante do grupo repetiu a última frase em uníssono, suas vozes ecoando pela floresta. Mas, escondida entre as árvores, uma figura observava tudo. Ela tremia, paralisada, lágrimas escorrendo de seus olhos, que tinham a mesma tonalidade dourada dos de Velkan. Clorinda Stoker testemunhava o horror que seu irmão havia realizado. Suas mãos estavam cerradas em punhos, e seu corpo inteiro vibrava de ódio. Ela não podia ver a alma de Ádrian entrar no ventre de Tisbe, mas sentia que algo terrível havia acontecido. Com a voz trêmula, murmurou: — Velkan, seu desgraçado... Você e sua maldita linhagem vão pagar por isso. Eu mesma farei com que paguem... Assim é e assim será! — Em sua mente um turbilhão de pensamentos corriam de forma destrutiva como uma correnteza. Ela se lembrava da infância tranquila que tivera com Velkan, em como seu irmão sempre foi seu refúgio nos momentos mais difíceis da família. Em como brincavam juntos. Clorinda se lembrou também em quando Velkan conheceu Ádrian e sua amizade floresceu, quando ela foi apresentada a Ádrian através do seu irmão, se tornaram um trio inseparável. Suas memórias vagaram então para quando ela e Ádrian perceberem ter sentimentos além da amizade, se lembrou do primeiro beijo que tiveram sob a sombra do velho salgueiro no jardim da mansão de sua família. Nas promessas de amor eterno, e em tudo que mais desejou desde do momento em que conheceu Ádrian era ter uma vida para dividir com ele. Agora todos esses sonhos foram tirados dela da mesma forma que areia escorre pelas mãos. Com essas palavras carregadas de vingança, Clorinda virou-se e desapareceu na escuridão da floresta, marcada pelo cheiro forte das velas do ritual, além do sangue fresco de Ádrian na grama e terra úmida do círculo de pedras, caminhando em direção à Mansão Stoker, que se erguia imponente na encosta, nas proximidades.Isadora retornara ao quarto em choque após ter visto Alaric e Graham juntos no ato. Tropeçando nos próprios pés, com a cabeça girando e um pesar crescente, ela agarrou a maçaneta dourada em desespero, entrou apressadamente e fechou a porta atrás de si. Encostada à madeira fria, respirou fundo, lutando contra as lágrimas quentes que transbordavam por seu rosto. Seu coração, acelerado, pesava como chumbo, e aos poucos ela se sentou no chão, encostada na porta, tentando segurar as pernas por conta do vestido. Rendeu-se completamente às lágrimas de desespero.A última coluna que sustentava seu casamento havia ruído, e agora os escombros daquela união a esmagavam. Isadora era invadida por lapsos de memórias antigas, há muito enterradas. Lembrava-se dos dias mais leves, da vida na Mansão Crane, morando com a tia Honória e a prima Louise. Naquela época, a infância exalava o aroma doce da primavera, marcada por vestidos brancos bordados e fitas de cetim. O único mistério era o colar de raízes
As ruas silenciosas de Odessa emanavam uma calmaria quase sufocante, suas fachadas góticas e pináculos atuando como guardiões esquecidos da cidade, testemunhas de segredos enterrados sob cada uma das construções antigas. O Bulgatt Royale deslizava pelas vias sem pressa, até que, após alguns minutos, parou diante dos muros imponentes do cemitério. Os portões de ferro fundido estavam apenas semiabertos, balançando levemente pela brisa que soprava pela rua vazia.Graham desligou o carro e desceu, com Genevieve e Bellamina logo atrás, quebrando o silêncio que parecia opressivo.— Espero que encontremos alguma resposta aqui — murmurou Bellamina, apreensiva, enquanto seus olhos percorriam o ambiente sombrio.— Precisamos encontrar o túmulo de Velkan ou Tisbe Stoker — respondeu Genevieve, com a voz baixa. — Acredito que algo importante está guardado aqui.Graham assentiu, avançando em direção ao portão enferrujado, que rangeu ao ser empurrado, como se relutasse em permitir a entrada. Os três
A luz do sol atravessava suavemente as altas janelas, tingindo o corredor com um brilho dourado que contrastava com as pesadas cortinas vermelhas. O silêncio predominava, quebrado apenas pelo suave farfalhar das cortinas e pelos passos cuidadosos de Genevieve Hester sobre o mármore polido. Seus pensamentos ainda ecoavam as revelações recentes de Henry Montenegro, especialmente sobre seu envolvimento com Imogen Stoker. O pesar e a culpa de Henry eram palpáveis quando ele falou da maldição que pairava sobre sua linhagem. “Nem mesmo o amor que eu sentia por ela pôde extinguir as sombras que envolviam seu sangue”, ele dissera, com uma voz quebradiça e cheia de dor.O que mais perturbava Genevieve era a maneira como Henry falara com Bellamina, como se reconhecesse em sua jovem aparência a alma de Imogen. “Você amaldiçoou minha linhagem e nem percebeu. Quando descobri... já era tarde demais. Agora, você se esconde atrás dessa nova casca mortal”, ele dissera, olhando para Bellamina com olhos
Isadora Montenegro refugiou-se em seu quarto após o tumultuado confronto daquela manhã. O eco da discussão ainda reverberava em sua mente. A chegada inesperada dos investidores trazidos pela Sra. Gilles, a briga feroz com Bellamina e as perturbadoras revelações de Genevieve sobre Alaric a deixaram à beira do colapso. Cada pensamento latejava em suas têmporas, como um martelo invisível batendo ritmicamente.O quarto que Isadora compartilhava com Alaric era vasto e imponente, mas, naquela manhã, a luz do sol parecia suavizar sua aura melancólica. Raios dourados penetravam pela grande janela, envolvendo os pesados cortinados de veludo em um brilho suave, transformando os tons escuros do tecido em delicadas nuances de ameixa e violeta. O frescor da manhã trazia consigo o aroma das flores que desabrocharam lá fora. O lustre de cristal cintilava suavemente, como se estivesse adornado por estrelas que se recusam a desaparecer. Na lareira, o vento brincava levemente com as cinzas apagadas, en
Enquanto Genevieve, Bellamina e a Sra. Gilles seguiam em direção ao cemitério para investigar o túmulo de Imogen Stoker, Graham permanecia na biblioteca da mansão Montenegro, determinado a desvendar os mistérios que cercavam a mulher e sua conexão com a maldição da família. O ambiente, iluminado pela luz suave do lustre de cristal, refletia-se nas estantes de madeira escura, criando sombras profundas nos móveis de veludo vermelho.As prateleiras, adornadas com bustos de mármore, pareciam observar Graham em silêncio, como guardiões dos segredos ali guardados. A cada livro que ele puxava, uma sensação opressiva crescia ao seu redor, como se a biblioteca estivesse impregnada por uma presença invisível. O retrato de Imogen Stoker, pendurado sobre a lareira, parecia observar o investigador com um olhar que quase seguia seus movimentos. Seus olhos, um verde e outro âmbar, pareciam transbordar uma melancolia profunda que fez o coração de Graham acelerar.Depois de horas de busca, ele encontr
Os raios de sol filtravam-se suavemente através das altas janelas, tingindo o corredor com uma luz dourada que contrastava com as ricas cortinas vermelhas. O chão de mármore, polido e impecável, refletia o brilho do lustre de cristal que pendia majestoso do teto abobadado, seus pequenos pingentes cintilando como estrelas aprisionadas. O silêncio reinava, interrompido apenas pelo leve farfalhar das cortinas e pelos passos cautelosos de Bellamina, da Sra. Gilles e dos investigadores. Uma inquietação pairava no ar.Bellamina, que liderava o grupo, caminhava com passos pesados, lutando para controlar suas mãos trêmulas. O peso da revelação de Genevieve a sufocava. Em seus pensamentos, ainda ecoava a voz da investigadora: “O homem que você viu nos sonhos foi forçado a reencarnar em sua família. E você é a última reencarnação dele.” A jovem mal conseguia compreender como isso era possível. Afinal, o que ela era? Apenas uma alma antiga em um corpo novo, destinada a encontrar novos lares repe
Último capítulo