Era uma noite escura, sem lua, e uma energia densa pairava na floresta. A névoa cinzenta se arrastava entre as copas das árvores, como dedos gelados acariciando o ambiente. No centro de uma clareira, erguia-se um grande círculo de pedras negras, gravadas com símbolos de caveiras e roseiras espinhosas, cada pilar manchado com sangue fresco. Dez figuras encapuzadas, envoltas em véus negros que ocultavam seus rostos, estavam dispostas em torno do círculo. Suas vestes eram da mesma cor, seus braços erguidos revelando o mesmo símbolo entalhado nas pedras, gravado na carne de seus braços esquerdos. Aquele era um momento de devoção profana.
O cântico que eles entoavam reverberava pelo ar, sombrio e hipnotizante. — Évora, Senhora da Morte, Guardiã do Abismo, a ti oferecemos esta alma, para teus domínios! — bradaram em uníssono. No centro do círculo, sobre a grama morta, jazia um homem nu amarrado. Suas pernas e braços estavam firmemente presos por cordas, e sua boca vedada. Seu corpo magro e definido estava marcado pela sujeira e por pequenos cortes. Os cabelos castanhos claros, bagunçados e molhados de suor, emolduravam um rosto desesperado. Seus olhos verdes imploravam por misericórdia. Acima dele, montado sobre seu abdômen, estava outro homem. Este tinha cabelos longos e pretos como ébano e olhos dourados que reluziam com intensidade frenética. Sua respiração era pesada, e o peito, definido, subia e descia em ritmo acelerado, acompanhando as batidas violentas de seu coração. Sua pele branca adquiria um brilho alaranjado à luz das velas vermelhas que cercavam o círculo, lançando sombras dançantes sobre as pedras. Com um movimento decidido, o homem de olhos dourados — Velkan Stoker — ergueu uma adaga de prata, cujo cabo de ébano estava entalhado com o nome de Évora. A lâmina brilhava com o estandarte da deusa gravado nela, refletindo a luz das velas que agora se misturava com a névoa que preenchia o ar, junto do cheiro forte da cera queimando. O homem amarrado, Ádrian Belford, se contorcia, tentando escapar de seu destino. Seus gritos abafados pela mordaça eram inúteis. Seu desespero vibrava no brilho de seus olhos verdes. Velkan respirou fundo, como se por um breve segundo fosse hesitar e desistir de seu ato, mas logo se concentrou novamente e se lembrou de seu objetivo, e bradou com firmeza, a voz carregada de poder: — Eu, Velkan Stoker, ofereço à Évora, a Senhora da Morte e Guardiã do Abismo, este sacrifício! — Sua voz ecoou na clareira. — Com o sacrifício de Ádrian Belford, interrompo a linhagem dele com minha irmã, Clorinda Stoker, e peço à Évora uma linhagem longa, rica e poderosa! Num golpe firme e preciso, ele cravou a adaga no peito de Ádrian. O sangue jorrou, manchando o corpo nu de Velkan, que retirou a lâmina e lambeu o sangue que escorria pela prata. O sacrifício estava feito. O corpo de Ádrian estremeceu e, pouco a pouco, sua vida se esvaiu. No entanto, enquanto seu corpo morria, algo extraordinário acontecia: uma forma translúcida e brilhante emergiu do cadáver. Tentou se elevar, mas foi contida pela névoa e pela fumaça das velas, que a mantinham presa dentro do círculo, tentando desesperadamente se libertar. O grupo encapuzado começou um novo cântico, ainda mais sombrio, em uma língua antiga e esquecida. Uma das figuras, então, se desfez de seu manto, revelando uma mulher alta e esguia. Seus cabelos loiros e curtos reluziam sob o brilho das velas, e seus olhos azuis vibravam com uma intensidade sobrenatural. Sua pele pálida quase brilhava à luz difusa. Velkan se levantou, entregando a adaga à mulher, que a lambeu do mesmo jeito, absorvendo o sangue, com gosto metálico que ainda escorria. Então, sem palavras, eles se uniram ali, manchados com o sangue de Ádrian, sobre o corpo morto do sacrifício. O ritual atingia seu ápice, e à medida que se entregavam àquele ato primal, a forma translúcida — a alma de Ádrian — parecia ser puxada por correntes invisíveis, forçada a entrar no ventre da mulher. Uma das figuras encapuzadas se aproximou, erguendo os braços em direção ao céu. — Velkan e Tisbe, o preço de sangue foi pago, e Évora o aceitou. Através desta união, vossa linhagem será fortalecida e enriquecida, como desejado. O vosso primogênito será a chave para tudo o que foi prometido. Assim é e assim será! O restante do grupo repetiu a última frase em uníssono, suas vozes ecoando pela floresta. Mas, escondida entre as árvores, uma figura observava tudo. Ela tremia, paralisada, lágrimas escorrendo de seus olhos, que tinham a mesma tonalidade dourada dos de Velkan. Clorinda Stoker testemunhava o horror que seu irmão havia realizado. Suas mãos estavam cerradas em punhos, e seu corpo inteiro vibrava de ódio. Ela não podia ver a alma de Ádrian entrar no ventre de Tisbe, mas sentia que algo terrível havia acontecido. Com a voz trêmula, murmurou: — Velkan, seu desgraçado... Você e sua maldita linhagem vão pagar por isso. Eu mesma farei com que paguem... Assim é e assim será! — Em sua mente um turbilhão de pensamentos corriam de forma destrutiva como uma correnteza. Ela se lembrava da infância tranquila que tivera com Velkan, em como seu irmão sempre foi seu refúgio nos momentos mais difíceis da família. Em como brincavam juntos. Clorinda se lembrou também em quando Velkan conheceu Ádrian e sua amizade floresceu, quando ela foi apresentada a Ádrian através do seu irmão, se tornaram um trio inseparável. Suas memórias vagaram então para quando ela e Ádrian perceberem ter sentimentos além da amizade, se lembrou do primeiro beijo que tiveram sob a sombra do velho salgueiro no jardim da mansão de sua família. Nas promessas de amor eterno, e em tudo que mais desejou desde do momento em que conheceu Ádrian era ter uma vida para dividir com ele. Agora todos esses sonhos foram tirados dela da mesma forma que areia escorre pelas mãos. Com essas palavras carregadas de vingança, Clorinda virou-se e desapareceu na escuridão da floresta, marcada pelo cheiro forte das velas do ritual, além do sangue fresco de Ádrian na grama e terra úmida do círculo de pedras, caminhando em direção à Mansão Stoker, que se erguia imponente na encosta, nas proximidades.