Bellamina acordou na manhã seguinte com seu corpo dolorido. Seus pensamentos ainda ecoavam à noite anterior. — Teria sido apenas um sonho? — A jovem pensava, enquanto uma mistura inebriante de vertigem e prazer tomava conta de seu corpo e alma.
O quarto era vasto, mas opressivo em sua opulência. As cortinas de veludo azul escuro estavam sempre entreabertas, permitindo que apenas feixes da luz do sol atravessassem o tecido pesado, banhando o chão com um brilho espectral. O teto era decorado com afrescos de noites estreladas, onde figuras mitológicas pareciam dançar entre as nuvens e as constelações. No centro, uma cama de dossel dominava o espaço. Suas colunas de madeira talhada subiam como árvores ancestrais, sustentando véus diáfanos que envolviam o leito. A colcha de cetim prateado reluzia à luz fraca, enquanto travesseiros de renda repousavam delicadamente. No entanto, apesar da beleza imponente, havia uma aura de tristeza persistente, como se o quarto carregasse os ecos dos sonhos e pesadelos de Bellamina. A jovem se levantou sonolenta e bem devagar, e então e encarou o espelho antigo, de moldura dourada e detalhadamente esculpida, refletia não apenas a imagem física, mas parecia capturar algo mais. A menina pareceu despertar subitamente ao perceber que estava despida, virou se rapidamente e não encontrou sua camisola rosa claro em cima da cama. Além do mais Bellamina ao se aproximar mais de seu reflexo percebeu que sua pele branca estava marcada por mordidas e arranhões por todo corpo. Como se o espelho fosse um lembrete vivido de forma brusca da presença que a visitou na noite passada. A inquietude que rondava o coração de Bellamina, que batia freneticamente, fazendo a jovem questionar a natureza daquela criatura, da misteriosa mulher esteve em seu quarto na noite passada. A voz sedutora da mulher ecoava em seus ouvidos, como se a criatura estivesse ainda junto de si. “Você pertence a mim, Bellamina.” A jovem encarava a penteadeira de madeira escura, adornada com frascos de perfume antigos e pentes de marfim. “Eu serei seu despertar... e sua ruína.” A voz ecoava, então Bellamina percebeu que seu diário estava aberto, suas páginas cobertas de anotações que, à primeira vista, pareciam ser rabiscos, mas ao olhar mais atento, revelavam-se palavras cifradas,escritas com sangue, em uma língua que Bellamina desconhecia. Seu coração batia freneticamente, ela se virou para sua cama, e percebeu que sua camisola estava jogada no chão, abaixo da cama, ela logo o pegou e sentiu uma brisa gélida vinda da janela, como se a mulher misteriosa tivesse retornado, e percebeu que um cheiro forte de sangue fresco e cera de vela queimando. Assustada olhou ao redor, se perguntando se havia deixado alguma vela acesa na noite passada, porém não encontrou nada em seu quarto silencioso, como se tudo estivesse parado no tempo. Quando olhou novamente para o espelho, com as mãos trêmulas deixou sua camisola cair. O espelho refletindo perfeitamente sua imagem, mas dessa vez não havia nenhuma marca sequer em seu corpo. A menina com suas mãos ainda trêmulas percorreu com suas mãos por todo seu corpo, procurando vestígios das marcas que acabará de ver no espelho. Quanto mais procurava uma dor começou a surgir sob suas têmporas. A menina olhando no espelho novamente percebeu uma mudança, seus cabelos longos e ondulados, que antes eram castanha claro, agora caiam em cascata de trevas, de um preto tão profundo que parecia absorver os feixes de luz solar que vinham da janela. Além de que seus olhos estavam maiores e mais vibrantes, com um profundo cinza azulado, como se estivesse em um frenesi, diferentes de seus verdes como as folhas das árvores no verão, contrastando com sua pele pálida. Seus lábios finos e rosados, que antes sempre estavam desenhados em uma expressão de controle, agora se contrariam ao perceber que estavam mais carnudos e dominados de um vermelho tão vívido quanto os olhos da mulher misteriosa da noite passada. A mente de Bellamina vaganava e a dor nas têmporas se intensificava. — O que aquela mulher fez comigo? — Ela pensava. Seu coração pensava e então começou a vagar pelo quarto. Quando Bellamina estava de frente para porta de ébano esculpido, a dor nas têmporas foi tão intensa que a jovem soltou um grito de dor estridente, como se tivesse sido atingida por algo pesado no meio da testa, e então desmaiou. Seus cabelos escuros se espalharam pelo chão, com mexas cobrindo seus seios. Como se Bellamina tivesse partido em meio a um suspiro, deixando para trás um espaço que ainda aguardava seu retorno.