Murilo sempre acreditou que Estelle, a mulher que amava, e Pablo, o filho que pensava ser seu, haviam morrido em um incêndio anos atrás. Consumido pela culpa, ele se afastou de tudo, até que Marta, irmã de Estelle, revela que ambos estão vivos. Determinado a descobrir a verdade, Murilo descobre que Paulo, seu próprio irmão, foi o responsável pelo afastamento. Manipulador e obcecado por controle, Paulo casou-se com Estelle logo após a separação dela com Murilo, mantendo-a isolada e sem memória do passado devido a traumas do incêndio. Quando Murilo confronta Paulo, Estelle, percebendo que algo está errado, tenta fugir com os filhos, mas sofre um grave acidente. Murilo, então, toma uma decisão extrema: sequestra Estelle enquanto ela está ferida, levando-a para um local isolado. No cativeiro, Estelle se vê dividida entre o medo e a necessidade de compreender a verdade. Ela não sabe se Murilo realmente a salvou ou se caiu nas mãos de um homem ainda mais perigoso. Fragmentos de memória começam a retornar, revelando que sua vida foi construída sobre mentiras. Paulo, por sua vez, não aceita perder Estelle e fará de tudo para encontrá-la, espalhando a narrativa de que Murilo é instável e perigoso. No cativeiro, Murilo tenta fazê-la enxergar a realidade, mas sua obsessão por tê-la de volta gera dúvidas sobre suas intenções. Estelle precisa decidir: confiar em Murilo e tentar reconstruir seu passado ou encontrar uma maneira de escapar e descobrir a verdade sozinha. Com reviravoltas intensas, jogos psicológicos e segredos do passado, a trama se desenrola até um desfecho onde apenas a verdade poderá libertá-los – ou destruí-los para sempre.
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Logo após a comissária de bordo informar que o avião pousaria em alguns minutos, e o piloto anunciar a temperatura de treze graus, bem como a chuva que caía sobre a cidade, Murilo fechou seu computador e o guardou na mochila que estava sob a poltrona à frente. Ele olhou pela pequena janela, onde a cidade iluminada se apresentou como um quadro vivo. De cima, a beleza da ilha era de tirar o fôlego; mas, dentro dele, tudo era cinza, um contraste gritante entre o espetáculo vibrante da paisagem e o peso sombrio de suas lembranças. Sentiu as mãos úmidas, as secou no jeans que usava, esfregando com força, batendo as pontas dos dedos na coxa em seu estado de melancolia.
Mesmo após três anos morando e trabalhando em Manaus, tentando esquecer o passado, não imaginava que estaria tão tenso ao retornar à sua cidade natal. A mesma pergunta não saía de sua cabeça. Por que voltara? Para procurar seu irmão e tentar uma reaproximação? Talvez. A última vez que o tinha visto, a tensão era muito grande entre eles. Voltara para se aproximar de suas sobrinhas? Ser um tio presente? Ao lembrar das meninas, a visão de Pablo surgiu na sua mente e rapidamente lágrimas surgiram em seus olhos juntamente com uma pontada de dor que a imagem do menino provocava nele. Balançou a cabeça espantando as tristes lembranças. Mas se suas tentativas frustrassem, por essa razão, trouxera apenas uma pequena mala. Caso não conseguisse se readaptar ou se a situação se tornasse insustentável, poderia voltar sem grandes inconvenientes.
Ao pisar fora do aeroporto, o vento frio cortou seu rosto, arrancando um estremecimento involuntário. Ajustou a gola do casaco, puxando-a para cima numa tentativa inútil de se proteger do frio que parecia penetrar até os ossos. O tempo passado em Manaus, cercado pelo calor úmido e sufocante, quase o fez esquecer o frio intenso de Florianópolis.
Com um suspiro profundo que revelava seu estado emocional, decidido a chegar logo ao seu destino, entrou no táxi e informou o novo endereço ao motorista. Enquanto o carro avançava pelas ruas, a umidade na janela embaçada fazia a cidade parecer um borrão — distante e distorcida, como se ele a observasse através de uma bolha de vidro. Ao passarem por uma floricultura, Murilo pediu ao motorista que parasse. Poucos minutos depois, voltou segurando um buquê de rosas vermelhas. Seus dedos apertavam os caules com reverência, refletindo o peso daquele momento.
Antes de seguir para a recém-comprada casa, pediu mais uma parada. Ao descer no antigo endereço, suas pernas vacilaram ao avistar o terreno onde sua residência um dia estivera. Permaneceu imóvel, encarando o vazio melancólico que substituíra tudo o que um dia existira ali. O jardim vibrante e repleto de vida transformou-se em um espaço desolado. O mato seco erguia-se como uma nota final, rompendo o solo e apagando as marcas do tempo. Aproximou-se, beijou o buquê e depositou-o na terra úmida. Era como se, ao deixá-las ali, estivesse abandonando uma parte de si mesmo — aquela que ainda se agarrava ao passado.
Lentamente, virou-se e olhou a casa onde Estelle morava com a família. Nada havia mudado. A residência estava exatamente como há três anos: intacta, mas sem vida. A visão ficou embaçada e um gosto salgado na boca, e só então percebeu que as lágrimas que tentara evitar rolavam por seu rosto, tamanha era a tristeza misturada com a saudade.
Fechou os olhos por alguns segundos, secando as lágrimas, voltou ao táxi, encostou a cabeça no banco e fechou os olhos. Mas as memórias do incêndio irromperam como flashes perturbadores: os gritos abafados, o cheiro acre da fumaça, as chamas avançando como um vento furioso. Ele ouviu novamente as palavras de Paulo, cuspidas em uma acusação: "Você é o responsável pela morte deles." Tentava focar nos detalhes, mas tudo permanecia enevoado. Havia discutido com Estelle naquela noite, e as palavras trocadas estavam carregadas de dor e frustração. Contudo, o momento em que as chamas surgiram — a faísca que transformou a casa em um inferno — permanecia intocável, envolto em sombras.
E se tivesse sido um acidente? Um gesto impensado, uma distração fatal? A dúvida corroía sua mente, mas havia uma parte dele, uma sombra sussurrante, que insinuava algo mais sombrio. Talvez ele tivesse feito aquilo. Ou talvez... ela tivesse. Não. Era melhor não pensar nisso. Melhor deixar a dúvida pairar, como as lembranças daquela noite que jamais seriam apagadas.
O motorista quebrou o silêncio ao anunciar a chegada. Murilo permaneceu imóvel por um instante, segurando a maçaneta com força, como se isso pudesse conter a avalanche de sentimentos que o invadia. "Você precisa enfrentar os fantasmas, precisa controlar sua mente", pensou. Após um profundo suspiro, finalmente criou coragem e desceu do carro.
Ao entrar na casa, caminhou diretamente para a sala. Com dedos trêmulos, vasculhou o bolso do casaco até encontrar um pequeno frasco de comprimidos. Num movimento rápido e quase desesperado, engoliu dois ansiolíticos sem água. Sentou-se, deixando o peso do silêncio envolver o ambiente. O passado estava ali, pulsando nas sombras. Não importava quantas cidades morasse ou quantos comprimidos tomasse — os fantasmas sempre o encontrariam.
2
Escrever este livro foi uma jornada emocional e desafiadora. A história de Estelle, sua busca pela verdade e a luta para se libertar das mentiras que a aprisionam, não só refletiu uma narrativa de ficção, mas também me conduziu a uma profunda reflexão sobre as complexidades das relações humanas e as profundezas da mente. Foi uma experiência de autoconhecimento, na qual, a cada palavra escrita, eu me vi imersa nos dilemas de cada personagem, nas suas escolhas e nas suas fraquezas.Estelle, como protagonista, atravessa um caminho tortuoso em sua jornada pessoal. Ela busca respostas, mas é constantemente confrontada com manipulações, tanto externas quanto internas. Sua luta não é apenas contra aqueles que desejam controlá-la, mas também contra as sombras que ela carrega dentro de si. O enredo é uma metáfora de como muitas vezes buscamos a verdade em lugares onde ela está distorcida, sendo vítima de promessas vazias e de ilusões que nos afastam de nossa própria liberdade.A manipulação de
Os dias voltaram a passar. Não com pressa, mas também sem paralisar como antes. O tempo, aquele velho escultor de dores e curas, voltava a fazer seu trabalho. Silencioso. Paciente. Firme.A praia — aquela mesma onde tudo parecia ter se reiniciado — tornara-se um refúgio. Não apenas um cenário bonito, mas um espaço de reinvenção. Era ali que Estelle, aos poucos, reaprendia a respirar. Não como quem foge do passado, mas como quem aceita que certas memórias são parte de si, mesmo que doam.Pablo agora corria com os pés firmes, o riso solto, os braços livres. Já não olhava para trás com medo de sombras. Às vezes, tropeçava nos próprios passos, mas levantava sozinho. Forte. E toda vez que isso acontecia, Estelle sabia: ele estava curado daquilo que um dia tentou quebrá-lo.Com Murilo, a reconstrução era feita em silêncio. Tijolo por tijolo. Sem promessas grandiosas, apenas a certeza de que estariam ali um para o outro — ainda que em dias cinzentos. Não voltaram a ser o casal de antes, porqu
O mar se estendia em um azul profundo, calmo e infinito, como se convidasse cada pensamento, cada desejo a se perder ali, entre a espuma das ondas e o horizonte distante. As ondas quebravam na areia com suavidade, como se sussurrassem segredos antigos aos pés daquela família, como se o oceano, com toda a sua vastidão, tivesse algo a dizer sobre recomeços e sobre a coragem de continuar. Era um lugar novo, ainda sem histórias próprias, mas cheio de possibilidades. E talvez fosse isso o que Estelle buscava: um começo que não tivesse memórias do que doeu, apenas espaço para o que ainda poderia florescer. Ela respirava fundo, sentindo o sal no ar, o vento tocando-lhe a pele, como se tudo ali fosse um convite à renovação.Betriza e Marina corriam, rindo com a liberdade de quem ainda acredita que a felicidade mora nas coisas mais simples. Seus cabelos soltos voavam ao vento, leves como a manhã clara que se derramava sobre a praia, como se as duas garotas fossem parte do próprio vento, do próp
A manhã chegou encontrando Estelle acordada. O sonho que tivera com Paulo havia tirado seu sono. No sonho, ele não dizia uma palavra. Apenas a olhava com olhos reprovativos, como se a acusasse silenciosamente por suas atitudes. Tentou voltar a dormir, mas toda vez que fechava os olhos, a imagem dele surgia, vívida e incômoda.— Não vou deixar você comandar minha vida, Paulo. Você está morto — murmurou para si mesma, jogando as cobertas para o lado.Levantou-se e desceu para tomar uma xícara de café. Depois foi até a lavanderia. A vizinhança ainda estava envolta no silêncio preguiçoso de um domingo. As janelas do cômodo deixavam entrar uma luz pálida e difusa, que tornava o ambiente quase etéreo, como se o tempo estivesse suspenso.Estelle terminava de dobrar algumas roupas quando ouviu o som de passos suaves no corredor. Era Pablo.— Mãe? — A voz ainda guardava traços de infância, mas os olhos... os olhos já começavam a fazer perguntas que o coração dela não sabia respo
Era um fim de tarde dourado, iluminado por luzes pendentes e flores espalhadas por todo o jardim da casa dos Albuquerque. Balões em tons de rosa claro e dourado flutuavam graciosamente ao vento, enquanto o aroma doce de tortas, frutas frescas e flores recém-colhidas pairava no ar. Betriza completava quinze anos, e aquele não era apenas mais um aniversário — era, silenciosamente, um recomeço para toda a família.Estelle observava a filha do outro lado do jardim, com os olhos marejados de uma alegria serena. Beatriz sorria, radiante, com os cabelos soltos dançando ao vento, rodeada de amigas, rindo de algo que Pablo havia dito. O menino, como sempre, encantava a todos com seu jeito leve, espirituoso e suas piadas inocentes. Era impossível não sorrir com ele por perto. E, de certa forma, ele também parecia mais leve nos últimos dias — desde que fora apresentado, formalmente, a Murilo.Estelle se pegou pensando em como tudo mudara em tão pouco tempo. O reaparecimento de Muril
O final da tarde tingia Londres com tons dourados e frios. As luzes da cidade começavam a piscar entre as janelas, refletindo sobre as poças d’água deixadas pela chuva da manhã. Estelle observava esse reflexo da janela de casa, uma xícara de chá entre as mãos e um cansaço profundo dentro do peito. Era difícil descrever o que sentia. A confirmação da paternidade de Pablo ainda martelava em sua alma como um sino rachado: ecoava, mas não trazia paz.Murilo era o pai. Pablo tinha o sangue dele. Mas… e agora?O barulho da campainha soou alto demais para seus ouvidos atentos. Tirou-a dos pensamentos. Com passos rápidos, percorreu o corredor. Não queria acordar os filhos, que descansavam após um dia cheio. Quando olhou pelo olho mágico, viu Marta do outro lado da porta.Com um sorriso leve, abriu e a deixou entrar. As duas se abraçaram, mas Estelle sentiu o corpo da irmã rígido, quase defensivo. Marta entrou e seguiu direto para a sala. Sentou-se com uma postura tensa,
Último capítulo