As sombras se moviam sob a luz das velas. Tecidos esvoaçantes, risadas abafadas e o som ritmado dos sapatos contra o chão de mármore enchiam o grande salão. A sede da matilha nunca estivera tão viva – ou tão perigosamente quieta sob a falsa euforia do evento.Dominic observava tudo de um ponto estratégico, encostado em uma das colunas centrais. Seu olhar varria a multidão, avaliando os movimentos, os olhares trocados, os gestos que se prolongavam além do necessário. Cada convidado estava mascarado, tornando qualquer reconhecimento imediato impossível – exceto para aqueles cujos corpos e presenças ele já conhecia de cor.Incluindo a de Serena.Ela estava radiante, vestindo um vestido preto com detalhes prateados, o tecido delicado como um véu de luar, cobrindo-a até os pés, mas fluindo ao menor movimento. A máscara que usava era um misto de mistério e encanto, adornada com pequenos cristais que refletiam a luz da festa. Seus cabelos foram trançados parcialmente, deixando fios soltos mol
A escuridão tinha peso.Serena sentia isso no ar estagnado ao seu redor, no silêncio denso que fazia seu coração martelar contra as costelas, no frio que parecia emanar das paredes de pedra. Não sabia quanto tempo havia passado desde o baile — ou desde o momento em que seu corpo cedeu ao efeito daquela erva maldita que agora fazia sentido. Noctis Amara. Esse era o nome que Phill havia sussurrado casualmente dias antes em uma conversa com Cristopher, como quem falava de algo raro e inofensivo. Agora, ela entendia: aquela planta era um veneno disfarçado de remédio, e Phill, o curandeiro em quem todos confiavam, era um traidor.Seus pulsos estavam presos por correntes frias e grossas, fixadas à parede atrás de si. A pedra irregular mordia suas costas, e seus tornozelos também estavam amarrados, impedindo qualquer movimento brusco. Uma dor insistente latejava em sua cabeça — resquício da substância que havia a derrubado como se fosse frágil. Indefesa. Uma palavra que ela odiava, mas que a
A raiva tinha gosto de ferro.Dominic sentia o gosto metálico na boca desde que acordara em meio aos cacos da própria festa. Seus sentidos estavam turvos, o corpo pesado, os batimentos acelerados como se estivesse voltando de uma transformação forçada. A substância ainda circulava por suas veias, retardando sua percepção, mas ele já sabia. Sabia antes mesmo de Seth tropeçar até ele, a boca suja de sangue, os olhos confusos.Serena não estava mais no castelo.E alguém tinha mentido para ele.— DESGRAÇADOS, EU MATO VOCÊS! — O rugido de Dominic ecoou pelas paredes de pedra da antiga fortaleza, fazendo dois lobos próximos se encolherem.Ele esmagou uma taça em uma das mãos, os cacos se cravando nos dedos, mas ele não sentiu dor. O curandeiro da matilha havia usado uma planta extinta para dopá-los — e o pior: Dominic lembrava perfeitamente da conversa em que Phill mencionara a Noctis Amara como um composto antigo e instável. Ele confiara, como todos.Agora Phill estava desaparecido. Leah t
A escuridão envolvia Serena como um manto sufocante. Seus pulsos estavam marcados pelas amarras que a prendiam a uma estrutura de pedra úmida, enraizada no chão de uma câmara ancestral. O cheiro de terra molhada, musgo e sangue impregnava o ar — a essência do templo oculto dos D’Argent.Ela não sabia exatamente onde estava, mas já entendia que não era um local comum. Aquela caverna cravada nas entranhas das Montanhas Negras carregava séculos de energia antiga, poderosa e doentia. Ali, o tempo parecia dobrar, e os sussurros dos mortos eram tão altos quanto as respirações dos vivos.Vincent surgira horas antes, os olhos negros ofuscando a luz fraca das tochas. Trazia nas mãos um grimório de couro escuro e nas palavras, a arrogância de quem acreditava estar no controle.— A Lua escolheu você, Serena — Ele dissera, a voz macia como veneno diluído. — E eu escolhi a Lua.Serena se debatia, mas as correntes estavam entalhadas com runas. Símbolos primordiais que drenavam sua energia, impossib
A escuridão da floresta era densa e opressiva, com o luar mal penetrando através das copas das árvores centenárias. Serena cambaleava entre as raízes retorcidas e arbustos espinhosos, cada passo uma luta contra a exaustão que pesava em seus membros. Seus pulsos ainda ardiam das amarras que os haviam prendido durante o ritual interrompido, e sua mente estava enevoada pela dor e pelo medo. Vincent a puxava pelo braço, seu aperto firme, mas impaciente, enquanto a guiava por um labirinto de vegetação densa.— Precisamos continuar — Sussurrou Vincent, seus olhos constantemente vasculhando a escuridão ao redor. — Lucian não desistirá tão facilmente.Serena não respondeu. Sua respiração era irregular, e cada inspiração parecia um esforço monumental. Ela sabia que não podia confiar em Vincent, mas, naquele momento, ele era sua única chance de sobrevivência. O ritual que ele tentara realizar a deixara debilitada, sua conexão com sua própria essência lupina enfraquecida e instável.Eles avanç
A escuridão era densa. Mais do que a ausência de luz, era uma sombra viva, pulsante, como se tivesse vontade própria. Serena caminhava descalça pela floresta silenciosa, mas cada passo afundava em algo frio e úmido. Quando olhou para baixo, o chão estava encharcado de sangue.No centro da clareira, o lobo negro. Dominic.Ou o que um dia foi Dominic.Seus olhos prateados estavam embaçados, como vidro rachado. Sua pelagem, antes imponente e reluzente, jazia suja, tingida de sangue seco e lama. Correntes negras envolviam suas patas, garras e focinho. Ele a fitava, mas não havia reconhecimento. Apenas dor.— Dominic? — Serena chamou, a voz vacilante.O lobo se contorceu, tentando se soltar, mas as correntes se apertaram ainda mais, rangendo como metal vivo. Uma sombra serpenteava entre os galhos acima, sussurrando em vozes que não eram humanas. "Traidora. Fraca. Quebrada."Serena correu até ele, mas cada passo a fazia afundar mais no chão encharcado. Quando finalmente se aproximou, estend
A lua cheia se erguia alta no céu, banhando as montanhas com sua luz prateada, enquanto Serena permanecia sentada no centro do antigo círculo de pedras. Ao seu redor, símbolos lunares brilhavam com tinta prateada, ativados pelo feitiço ancestral que Vincent entoava com voz firme e baixa. A loba do clã Blackwood, Alyra, mantinha as mãos espalmadas sobre os ombros de Serena, murmurando orações em uma língua antiga, carregada de energia.O vento rodopiava, trazendo o cheiro úmido da floresta, da terra e… de algo mais. Algo antigo. Familiar e estranho ao mesmo tempo.Serena sentia sua respiração acelerar. Um calor estranho começou a brotar em seu peito, pulsando em sincronia com as palavras sussurradas à sua volta. A energia da terra subia por suas pernas, queimando como brasas sob sua pele. Seu corpo arqueou involuntariamente, e seus olhos se reviraram.E então… tudo desapareceu.☽❂☾Ela estava em um campo florido, o céu limpo e estrelado acima dela. O perfume doce das flores silvestres
O silêncio era opressor.Serena acordou com uma pontada aguda na base da nuca, como se tivesse levado um golpe forte demais. Seu corpo inteiro pesava, a mente embaralhada entre lembranças fragmentadas e um vazio incômodo. Tentou mover os braços, mas não conseguiu. Correntes, frias como gelo, envolviam seus pulsos, ligadas a um anel metálico fincado em uma parede de pedra bruta.Ela estava deitada sobre uma superfície áspera, dura. O chão era feito de pedras negras, ligeiramente úmidas. O ar tinha cheiro de mofo antigo, com um leve traço de incenso queimado — ou algo muito próximo disso, como se alguém tentasse mascarar o odor da podridão com rituais.Quando conseguiu abrir os olhos, a luz fraca de tochas nas paredes revelou o interior de uma câmara subterrânea. O teto era abobadado, sustentado por colunas grossas com inscrições antigas, e as sombras dançavam nas paredes como fantasmas silenciosos. Havia símbolos lunares invertidos pintados em vermelho escuro — sangue seco? — ao redor