Os dias seguintes à festa foram... estranhos.
Paolo estava diferente.
Mais quieto, mais sombrio. Ele passava longos períodos trancado no escritório, e quando me olhava, seus olhos carregavam algo que eu não conseguia decifrar. Uma mistura de medo e fúria.A segurança aumentou, e eu percebi.
Homens que antes ficavam discretos, agora me seguiam por todos os lados.
Cecilia dizia que era apenas "prevenção". Paolo dizia que era "protocolo". Mas eu sentia. Algo tinha mudado.À noite, o luar parecia mais frio.
O vento mais denso. Como se até a casa soubesse que algo se aproximava.Eu estava no jardim dos fundos, lendo um livro sob a luz quente do pôr do sol. Duas seguranças femininas estavam próximas, conversando em voz baixa, como sempre. Tudo parecia normal. Tranquilo demais.
Foi então que ouvi o farfalhar seco entre os arbustos.
Rápido. Preciso. Calculado.
Antes que eu pudesse me levantar, um vulto negro saltou da escuridão — mas os seguranças reagiram na mesma hora. Um deles pulou sobre mim, me protegendo com o corpo, enquanto a outra disparava dois tiros para o alto, como alerta.
Outros homens surgiram como sombras armadas e silenciosas, cercando o invasor.
Mas ele já fugia.
Rápido. Treinado.
Deixando para trás apenas o som de seus próprios passos... e um aviso.Um pedaço de papel foi encontrado onde ele esteve. Grampeado em uma flecha cravada no chão.
“Ela é minha.”
Paolo encarava o bilhete com os olhos em brasa. A mão tremia. De raiva. De culpa.
— Eu o avisei... — sussurrou.
Mateus estava ao seu lado, de braços cruzados, a expressão fechada.
— Ele foi longe demais.
— Ele quer provocar. Me desestabilizar. — Quer que você perca a cabeça.Paolo ergueu os olhos.
— Já perdi.
Jogou o bilhete na lareira. O papel se contorceu em meio às chamas, a tinta se dissolvendo como sangue queimado.
— A partir de agora — disse, virando-se para Mateus —, não estamos mais apenas nos defendendo.
— Estamos indo à caça.
Era isso. Não era só proteção — era uma prisão elegante, vigiada, silenciosa.
Nos últimos dias, eu mal podia andar pela casa sem sentir olhos em mim. Meu quarto parecia menor, as janelas pareciam mais distantes. A segurança tinha se tornado tão opressora que até o simples ato de respirar me custava paciência.
Eu queria entender. Precisava.
Foi por isso que, naquela manhã, fui direto ao escritório de Paolo.
— Quero falar com você. Agora. — minha voz soou firme, surpreendendo até a mim mesma.
Paolo ergueu os olhos de uma pilha de papéis. Ao seu lado, Mateus — o braço direito dele, sempre calado, sempre observando — também me olhou, mas permaneceu imóvel.
— Isadora… — ele começou.
— Não. Sem rodeios. Sem “isso é por sua segurança”. Sem desculpas. Você vai me dizer o que está acontecendo.
Ele suspirou, deixou a caneta de lado e se recostou na cadeira. Olhos de Dom, mas também de irmão.
— Arturo. — disse, por fim. — É sobre ele.
Meu estômago revirou.
— O que ele fez?— Ele te ameaçou. — Paolo falou sem suavizar. — Tentou te alcançar duas vezes. E ainda acredita que você... pertence a ele.
Mateus se mexeu pela primeira vez.
— Dom Paolo tentou resolver da forma mais direta possível. Mas esse tipo de verme não recua tão fácil.— Então é por isso que agora mal posso andar sozinha? Porque um idiota acha que tem algum tipo de direito sobre mim?
— Ele não é só um idiota, Isadora. — Paolo se levantou, a voz firme. — Ele é um animal perigoso. E eu não vou permitir que ele te toque nem com o olhar.
— Eu entendo isso. Mas você precisa me deixar respirar, Paolo. Preciso retomar minha vida. Sair. Estudar. Dançar. Me sentir eu de novo. Você me prometeu isso. Lembra?
Ele fechou os olhos por um instante.
Mateus cruzou os braços, como quem tenta conter uma verdade amarga.— Não posso quebrar minha promessa — disse Paolo, mais calmo. — Mas preciso adaptar ela à realidade.
— Adapte. Mas não me apague.
Silêncio.
Foi Mateus quem falou dessa vez, com a voz baixa e grave.
— Ela não é uma prisioneira, Dom. E a coragem dela… pode ser nossa arma.
Paolo olhou de um para o outro. Irmã e braço direito.
E ali, mesmo entre tantos perigos, uma decisão foi feita.— Você terá sua liberdade, Isadora. Mas com ela, virá responsabilidade. E riscos. Está disposta?
Eu assenti, sentindo algo que há muito não sentia:
Vontade de lutar.O chão frio do estúdio de dança despertava algo em mim que eu pensei ter perdido.
Liberdade. Controle. Aquela sensação mágica de quando o corpo se move antes mesmo do pensamento.Eu estava ali, outra vez.
Depois de tanto tempo, depois de tanto medo... ali estava eu.
Com uma calça leve, um top simples, os cabelos presos, o suor na pele — e um sorriso tímido no rosto.A professora, uma brasileira chamada Clara, olhou para mim com uma energia leve e acolhedora.
— Primeira aula?
— Primeira vida. — respondi, com um sorriso verdadeiro.Claro que eu não estava sozinha. Mateus tinha designado uma escolta — mas dessa vez, disfarçada. A doce Sofia, que fingia ser minha amiga de infância, me acompanhava a cada passo. Ela era ágil, sutil, e mesmo armada até os dentes, sorria como se fôssemos duas garotas comuns indo tomar café depois da aula.
E era isso que eu queria. Ser comum, nem que fosse por algumas horas.
A sala estava escura. Apenas o brilho dos monitores iluminava os rostos dos homens ali reunidos.
Paolo observava a planta da mansão de Arturo, as câmeras de vigilância captadas por drones escondidos, os horários de entrada e saída.
— Ele reforçou o arsenal. — disse Fellipo, apontando para os guardas com armamento pesado.
— Porque sabe que a qualquer momento pode virar alvo. — murmurou Paolo.— E vai. — completou Mateus, surgindo com uma pasta nas mãos. — Chegou. As provas.
Paolo a abriu em silêncio.
Fotos. Gravações. Relatos. Arturo havia feito muito mais do que ameaçar Isadora. Mulheres desaparecidas. Cicatrizes escondidas. Gritos gravados. A herança maldita da “tradição” que ele tanto defendia.O Dom da máfia espanhola não apenas tinha um motivo — agora, tinha o respaldo para o ataque.
— Quando? — perguntou Fellipo.
Paolo ficou em silêncio por um instante. Depois respondeu:— Em breve. Mas primeiro… quero que ele saiba que estou chegando.
— Como? — Do jeito que mais odeia: com calma.Isadora se olhava no espelho, ofegante após uma sequência de giros.
O peito arfava. Os olhos brilhavam. O coração batia forte.Sofia, a escolta, se aproximou com uma garrafa de água e um sorriso cúmplice.
— Você dança como se tivesse se libertado.
— Porque me libertei. Nem que seja só aqui.Mas, ao longe, na rua atrás do estúdio…
Um carro escuro estacionava devagar. Luzes apagadas. Vidros fumê.Observando.
A sala estava lotada. O ar carregado. Três líderes das máfias aliadas da Espanha estavam reunidos com Paolo para selar um acordo que levaria meses de articulação — e representava um avanço no cerco contra Arturo.— Estamos com você, Paolo. Mas não haverá volta. — Eu nunca quis volta. Só justiça. — respondeu ele, firme, a mandíbula tensa.Mateus se manteve calado, observando, como sempre fazia — olhos atentos a cada respiração, a cada hesitação nos rostos ali presentes.Paolo ergueu a taça de vinho. — Que esse pacto leve o nome de Arturo para o chão.E então… o telefone tocou.O som cortou o ar como uma lâmina.Ele olhou o visor. Número desconhecido.Atendeu. — Ortega.O silêncio do outro lado era como um vácuo.Até que a voz surgiu. Baixa. Arrastada. Cruel.— O tesouro da sua vida... agora é meu.Arturo.Paolo congelou. O sangue gelou por um segundo — e então ferveu. — Filho da puta. O que você fez?Uma risada. — Ela está comigo. E tão bonita quanto na festa. Uma pena que voc
O casebre era úmido. Fedia a mofo e ferrugem. Mas nada… nada se comparava ao que ela viveu ali dentro.Arturo chegou transtornado. O olhar perdido, os lábios trêmulos, rindo como um louco.— La Trinità… — ele cuspia o nome com ódio. — Eles estão vindo… A porra da Trindade! A elite italiana!Ela já ouvira esse nome nos sussurros da máfia. Sabia o que representava. Leonardo. Fellipo. E… Paolo.Sua respiração quase falhou. Eles estavam perto. Muito perto.Mas Arturo também sabia.E, como um cão encurralado, ele resolveu ser cruel.— Se não posso ter você, vou deixar sua lembrança gravada no sangue de todos eles. — Vamos ver o quanto seu irmão te ama, depois de ver o que sobrou de você.Os capangas cavaram com pás velhas no corredor. Ela ouviu tudo.— Aqui mesmo. Um túmulo. Uma lenda enterrada viva. — Nua. Fraca. Sem nome. Sem identidade.Isadora estava caída no chão de madeira, o corpo coberto de hematomas. Os joelhos ralados. O sangue escorrendo entre as pernas. Mas não gritou.
O quarto do hospital estava silencioso, exceto pelos bips do monitor cardíaco e o som baixo da televisão que ninguém realmente assistia. Isadora estava acordada, sentada na cama, envolta por um cobertor branco e macio. A noite lá fora pintava as janelas de sombras azuladas, e o cheiro de lavanda do difusor tornava o ar um pouco mais suportável.Fernando tinha saído por alguns minutos para resolver uma questão com os médicos, e ela se viu sozinha pela primeira vez em dias. E foi nesse silêncio que o celular vibrando ao lado da cama quebrou o momento de paz.“Número restrito.”Seu coração disparou. Atendeu com mãos trêmulas.— Alô...?A resposta não veio de imediato. O som abafado de uma respiração pesada preencheu a linha. Então...— Mi niña... — a voz de Paolo Ortega soou trêmula, como se cada sílaba lhe machucasse a garganta. — Mi vida...Isadora sentiu as lágrimas virem sem controle.— Paolo...? — sua voz quebrou como vidro. — É você?Do outro lado, ele chorava. — Me perdoa... Me
A casa era linda. A reforma havia transformado o lugar num lar acolhedor, com tons suaves, almofadas macias, cheiros que não assustavam. Cecília e Samara tinham criado uma varanda com vista para o jardim e um ateliê pequeno com espaço para dança ou qualquer arte que ela quisesse retomar um dia.Mas a primeira noite foi dura.Ela não dormiu. Sentou-se no sofá e ficou olhando o vazio. As mãos sobre o colo, frias. O som do relógio marcando os segundos, o silêncio pesando nos ombros. Não conseguia falar. Não conseguia comer.Cecília, sensível, pediu ajuda.Na manhã seguinte, uma mulher elegante e serena chegou. Roupas simples, olhar gentil e uma pasta discreta nas mãos.— Sou Antonella. Psicóloga da Trindade. Não vim pra te forçar a nada. Só queria que você soubesse que... quando quiser falar, ou só estar em silêncio com alguém, eu estarei por perto.Isadora não respondeu. Mas olhou para ela com olhos marejados. Naquele dia, ficaram as duas sentadas no chão do ateliê. Antonella lendo
O tempo, aquele velho e silencioso aliado dos corações feridos, começava a trabalhar com delicadeza na alma de Isadora. Já não era mais a sombra apagada que chegou à casa de Cecília. A dor ainda estava ali, aninhada nas memórias, mas já não a sufocava como antes. Agora, havia frestas de luz.As ligações de Paolo tornaram-se parte do seu novo cotidiano. Irmão e irmã falavam todos os dias — e em cada chamada, a cumplicidade deles se reafirmava. Ele, do outro lado do mundo, continuava sendo o porto seguro que ela conhecia. E ela, mesmo ainda insegura, passava a ser a esperança viva que ele precisava manter.— Hoje almocei com a Cecília e a Samara... disse ela certa tarde, ao telefone. Do outro lado da linha, Paolo a ouvia com atenção. — A Samara se atrapalhou toda com a colher de Lorenzo, e o purê foi parar no vestido da Cecília. Você precisava ver a cara dela!Ela riu. Foi um riso pequeno, mas genuíno. E naquele momento, Paolo soube que algo precioso estava retornando à sua irmã: a leve
O estúdio era silencioso, limpo, com as paredes espelhadas e o chão de madeira clara que refletia a luz suave do final da tarde. Era o mesmo local onde Antonella marcara aulas individuais para Isadora, com uma professora de sua confiança, mas hoje a professora não viria. Hoje era só dela.Isadora entrou devagar, quase pisando em memórias. Vestia um collant preto simples, uma saia fluida de tule e a velha sapatilha rosa que Antonella resgatara do armário com ela. O cabelo preso num coque improvisado. O coração disparado como se fosse uma estreia.Ela caminhou até o centro da sala e olhou seu reflexo no espelho. Por um instante, sentiu a antiga Isadora surgir — a que dançava sem medo por amor . Mas logo a lembrança da dor atravessou como uma sombra. Ela fechou os olhos e respirou fundo, tentando reencontrar seu eixo.Levantou os braços, como quem ensaia o primeiro movimento. A música suave ecoava das caixas de som. Um piano delicado, quase sussurrado. Ela deslizou o pé pelo chão, girand
Os dias seguintes à conversa com Antonella foram silenciosos demais. Isadora evitava os encontros, mesmo com Samara e Cecília. Não estava pronta para dizer que estava se escondendo dentro de si mesma — de novo. Dormia demais, ou quase nada. Começou a recusar as refeições que antes lhe traziam conforto. Andava de um lado para o outro pela casa anexa, olhando pela janela como se esperasse algo que nunca chegava.Estava afundando, e não dizia uma só palavra sobre isso.Até que numa noite, após mais um banho longo demais, Isadora se deitou no sofá da pequena sala com uma manta fina sobre os ombros, o cabelo molhado colando no rosto. A TV estava ligada em algo aleatório. Seus olhos estavam fixos, mas sem ver.A lembrança veio como uma onda violenta.As risadas de Arturo ecoando no corredor escuro. A dor. O sangue. A vergonha.Ela se encolheu, levou as mãos ao peito tentando respirar, mas o ar não vinha. Tentou se levantar, mas as pernas falharam. Desabou no chão do pequeno tapete. E ali, s
SINOPSEFernando Colombo, 40 anos, é um dos pilares da temida Máfia da Trindade Italiana. Bem resolvido, leal e implacável nos negócios, ele vive por um código inquebrantável: proteger a sua família acima de tudo. Para Fernando, família é escolha — não apenas laço de sangue — e isso inclui seus irmãos Leonardo, o Don, e Fellipo, o Subchefe, suas cunhadas Samara e Cecília, e o jovem Lorenzo, seu sobrinho já mergulhado no mundo cruel da máfia.Acostumado à liberdade da vida de solteiro e aos relacionamentos passageiros, Fernando domina o jogo da sedução com maestria. Na cama, é um dominador nato, e as mulheres que se entregam a ele experimentam um prazer que jamais esquecem. Mas ele nunca imaginou que poderia encontrar seu porto seguro... até que o destino cruza seu caminho com o de Isadora Ortega.Isadora, 20 anos, é uma jovem espanhola de beleza estonteante e alma vibrante. Criada nos bastidores da máfia, ela sempre soube que liberdade era um luxo. Treinada para ser uma esposa troféu