Do lado de fora, o silêncio foi tomando conta. Nem uma resposta fria.
O tempo foi passando devagar.
Quando eu já estava prestes a perder as esperanças, a porta se abriu com um rangido leve.
Mas quem apareceu não foi Thales. Era Vitória com um olhar difícil de decifrar.
Ao lado dela, estavam minha mala, cuidadosamente arrumada, e o celular que eu tinha deixado cair no chão.
Vitória colocou os dois nas minhas mãos.
— Achei que você só estivesse fazendo charme. Mas pelo visto, quer mesmo ir embora.
O que eu não esperava era sentir, naquele instante, um leve traço de gratidão. Logo por ela, minha rival.
Mas se não fosse por Vitória, talvez eu passasse todos os dias até o casamento trancada naquele quarto.
Olhei ao redor da sala. Nada de Thales.
A única coisa que restava era uma refeição ainda quente sobre a mesa.
Pelo jeito, ele tinha mandado Vitória me trazer comida.
Soltei um suspiro aliviado. Peguei a mala e o celular e caminhei em direção à porta.
Ao passar por Vitória, parei por um instante:
— Obrigada.
Ela soltou uma risadinha sarcástica.
— Me agradecer por quê? Eu é que tô torcendo pra você ir embora logo.
Fez uma pausa.
— Sabia que eu tô grávida?
Meu rosto ficou sério por um instante.
Ela puxou o celular e me mostrou o exame, já salvo há tempos. Estendeu o aparelho na minha direção.
— É do Thales. Eu não quero que meu filho nasça escondido. Se não fosse por você, eu já teria me casado com ele. Por isso te mandei aquela mensagem.
— Nem pensei que você fosse entender tão rápido. Mas amar o Thales desse jeito?
Ela falava com um sorriso calmo, quase doce, lembrando dos dois.
Diferente da amargura da mensagem que tinha me enviado, agora até parecia sentir pena de mim.
Olhei para a barriga levemente saliente. Não disse mais nada.
Ela provavelmente achava que eu amava tanto Thales que preferia abrir mão dele e me humilhar, só pra ver ele feliz.
Mas, se eu soubesse desde o começo que ele tinha um amor antigo, jamais teria aceitado aquele casamento.
Afinal, no leito de morte, meu pai só pediu que ele cuidasse de mim. Em nenhum momento disse que ele precisava casar comigo.
Com isso em mente, achei necessário corrigir ela:
— Foi ele quem escondeu de mim o relacionamento de vocês, tudo por causa das ações que eu tinha. Planejou cada passo. Eu não destruí amor nenhum, Vitória. Você está culpando a pessoa errada.
Vitória deu de ombros, com aquele sorriso de quem se acha vencedora. A resposta veio carregada de desdém:
— Você devolveu o dinheiro das ações e ainda diz que não gosta dele? Ah, eu entendo. De qualquer forma, depois de amanhã eu e Thales vamos nos casar. Então, por mim, está tudo perdoado.
Não quis ouvir mais uma palavra. Virei as costas e fui em direção à porta.
Mas, antes mesmo de dar o primeiro passo, ela agarrou meu braço e me puxou de volta.
Toda a breve gratidão que eu tinha sentido desapareceu na hora.
— Sai da minha frente. — Falei, fria, encarando ela nos olhos.
Se não fosse por causa da gravidez, eu já teria empurrado ela sem pensar duas vezes.
Mas Vitória continuava fingindo que nada daquilo importava.
Tirou um cartão do bolso e enfiou na minha mão.
— Você vai sair do país sem um tostão. Eu realmente fiquei preocupada com sua segurança.
— Aqui tem vinte mil. Pega esse dinheiro e nunca mais volta, entendeu?
Respirei fundo.
Levantei o olhar, cansada. Quando vi a expressão dela, aquele ar de quem se achava generosa... não aguentei.
PAF!
Levantei a mão e bati com força. Não hesitei.
Vitória soltou um grito agudo. Ia começar a me xingar, mas no canto do olho vi Thales chegando correndo pelo corredor.
Ela também viu. Na mesma hora, levou a mão ao rosto, cambaleou e caiu no chão.
— Thales! Ai, minha barriga... tá doendo! Ai, tá doendo demais! — Gritou, desesperada.
Franzi a testa, sem entender o que ela queria com aquela encenação, até ser empurrada com força.
A pancada foi tão forte que, como eu ainda segurava a mala, acabei caindo de costas, batendo em cheio a lombar.
Uma dor aguda atravessou meu corpo, e o rosto ficou pálido na hora.
Thales passou por mim às pressas, sem hesitar.
Se abaixou e pegou Vitória nos braços. Nem lançou um olhar na minha direção.
Do canto do olho, vi o rosto dele tomado pela aflição, o desespero escancarado nos olhos.
Naquele instante, tudo ficou claro.
Thales já sabia da gravidez de Vitória.
Mas aquilo não tinha mais nada a ver comigo.
Levantei com dificuldade, massageando as costas doloridas, e desci as escadas devagar, tentando não forçar muito.
Na rua, parei o primeiro táxi que vi e entrei.
Mesmo indo o mais rápido possível, a dor nas costas me atrasou.
Perdi o voo. Tive que remarcar.
Mas não fiquei frustrada.
Depois de passar um pouco de pomada na região machucada, troquei a passagem para o voo mais próximo e passei a noite no aeroporto, do jeito que deu.
Aproveitei também pra alterar o visto: de curta duração, passei para longa.
Não pretendia voltar tão cedo.
Na manhã seguinte, bem na hora de embarcar, recebi uma ligação.
— Alô? É Cecília Medeiros?
— Sou eu.
— Aqui é da central de transplantes. Encontramos um doador compatível com o seu tipo. A senhora poderia vir até Valdéria o quanto antes?
Olhei para o número desconhecido na tela, confusa.
— Mas eu não fiz cadastro em nenhum hospital em Valdéria.
Do outro lado da linha, a voz respondeu com calma:
— Henrique Medeiros. A senhora conhece, certo?
Meu corpo congelou por um instante.
— É meu pai.
— Foi ele quem nos pediu pra continuar procurando. Só agora conseguimos uma correspondência compatível com o seu caso.
Desliguei o telefone, ainda atônita.
A emoção apertou no peito, mas segurei as lágrimas.
E então, no último segundo, sem olhar pra trás, subi no avião e fui embora.