Na manhã seguinte, acordei no sofá com o pescoço dolorido de tão duro que estava. Me estiquei com força e percebi que Romeu me observava, desviando o olhar logo em seguida e voltando a ler o jornal. Ele estava sem camisa. Olhei para o relógio: eram 7h30 da manhã. Fui até o closet e peguei uma camisa social azul, um terno preto e uma gravata cinza. Deixei tudo disposto em cima da cama. Abri a gaveta para pegar um de seus relógios importados. Fiquei parada em frente ao espelho e pensei: Como alguém pode ser tão rude consigo mesmo? Ele não me pareceu tão ruim assim. Eu, como mulher, preciso de mais do que brincar de casinha. Romeu, com aquele hábito de levar a mão à boca para morder os lábios, me deixou confusa. Nunca vai me enxergar como mulher. Fui boba por aceitar esse casamento. Fui infantil. Veja onde ele está… e eu aqui, prestes a...
— Está a ponto de quê, Anny? — perguntou ele por trás de mim, sussurrando com o bafo quente no meu pescoço.
Me virei, assustada, revirando os olhos. Minha respiração ficou presa. Falei baixinho:
— O que você disse, Romeu?
— Quero saber até que ponto você é capaz de chegar. Eu perguntei, então me responda.
— Não é nada. Só estava falando comigo mesma. Preciso ir para o meu quarto.
— Volte aqui, Anny. Ainda não terminei.
Romeu segurou meu braço para me impedir de sair. Parei, olhei para ele e disse:
— Não foi nada, estava apenas falando alto, só isso.
Suas mãos tocavam as minhas. Meu coração estava prestes a sair pela boca, disparado. Minha boca secou. Eu estava a ponto de abraçá-lo. Mesmo sem sentir uma paixão avassaladora, aquele sentimento era novo. Não entendia o que meu coração queria dizer.
— Vamos até a sala. Preciso te mostrar algo — disse ele.
Achei estranho. O que poderia ser? Ele não iria trabalhar?
— Não, eu sou o chefe. Esqueceu? Você pergunta demais, garota.
Revirei os olhos e o acompanhei até a sala, em silêncio, como forma de protesto. Já que, segundo ele, eu perguntava demais... Ai, meu Deus, até quando vou aguentar esse mau humor infernal?
Romeu mandou que eu me sentasse no sofá. Obedeci. Sugeriu que assistíssemos a uma série. Quando li o nome, Paixão Sem Limites, surtei: era minha favorita. Não entendi suas atitudes repentinas, nem como descobriu esse meu gosto. Ele abriu uma garrafa de gim enquanto preparava o filme. Estava ansiosa — era a primeira vez que assistiria acompanhada por um homem. Afinal, meu esposo. Para mim, foi um bom começo para uma boa relação.
A manhã estava tensa. Romeu assistia à série vidrado. Meu corpo reagia estranhamente quando ele repetiu, em voz baixa, um trecho palavra por palavra:
— “E é aí, bem nesse momento, que você percebe que tudo só acontece uma vez.” (Paixão Sem Limites)
Engoli em seco. Romeu sorriu, percebendo meu nervosismo. Olhei para ele, com os olhos vermelhos. Não entendi sua risada repentina. Por Deus, devo estar maluca, só pode... Levantei do sofá, mas ouvi sua voz rouca:
— Não se vá. Espere até a série acabar. Não me deixe aqui sozinho.
— Por que não? Você está acostumado a ficar sozinho. Olhe à sua volta: grande e espaçoso, só pra você.
— Não seja malcriada. Sente-se, por favor.
Sentei de novo, sem opções. Peguei a taça de gim sobre a mesa e bebi tudo de uma vez. Revirei os olhos, cruzei os braços e continuei assistindo. Ele riu novamente. Levantei e perguntei:
— O que você tem, hein? Essas suas risadas estão me incomodando.
— Esse trecho... achei engraçado.
— Qual trecho?
— “Quer ser o meu primeiro.”
Engoli em seco.
— O que tem ser o primeiro de alguém?
Ele não demorou a responder:
— Todos já estão com suas flores abertas e com galhos... Então, são contadas aquelas flores que ficam abertas e depois murcham.
Falou olhando nos meus olhos. Encarei firme:
— Você está enganado. Eu sou uma delas. Uma flor fechada e com galhos.
Corada, deixei ele sozinho e subi para o quarto. Aquele quarto ainda era estranho para mim. Não era meu estilo. Fazia dias que dormia lá, mas ainda parecia alheio. Abri o guarda-roupa, senti o cheiro de novo. As gavetas estavam organizadas com peças íntimas. Comecei a olhar tudo, ver o que havia ganhado do meu marido. Peguei uma roupa de dormir e me preparei para descansar. Era de manhã, mas precisava recuperar o sono mal dormido no sofá.
Era tudo tão diferente do meu apartamento, do meu quarto, da minha cama. Sentia falta do cheiro da simplicidade. Suspirei. Não conseguia dormir. Lembrei do filme, da primeira noite, do meu falso marido... Romeu foi duro comigo. Aquela série era de arrepiar. Algo que, certamente, nunca viverei. Eu, Anny, nunca tive sorte no amor.
Na manhã seguinte, acordei cedo para ir ao jornal. Romeu ainda dormia. Preparei algo nutritivo para o café da manhã: torradas com geleia e morango, acompanhadas de um cappuccino com leite. Era uma manhã friamente congelante. Meu corpo pedia minha cama, meu cobertor. Deixei a mesa posta e, na geladeira, um bilhete:
“Voltarei tarde esta noite. Terei uma cerimônia e entrevistarei o presidente da Inglaterra. Não me espere para o jantar.”
Pensei: Estou dando satisfação para o homem errado. Ele não me esperaria, mesmo que eu voltasse cedo.
Saí de casa e peguei um táxi. Ao descer na congregação, corri para não me molhar na tempestade. Estava atrasada. Esbarrei em um estranho. Levantei a cabeça com cara de poucos amigos — meu peito doía.
O senhor pediu desculpas gentilmente. Já ia indo embora quando voltou e se apresentou formalmente:
— Desculpe-me novamente. Me chamo Oscar Leweek, dono daquela empresa de Marketing. E a senhorita, qual é o nome?
— Anny Beltron Goz. — Falei meu sobrenome. Era esse que usaria de agora em diante.
---Ouvi uma voz familiar: — O que faz na chuva, minha esposa?Romeu chegou naquele lugar me assustando — não esperava pela presença dele. Respondi sem rodeios: — Esbarrei em Oscar. Estava distraída, ele estava apenas pedindo desculpas pelo esbarrão. Vamos, Romeu.Ele me levou até o jornal. Pedi suavemente: — Pode ajeitar o guarda-chuva?Ele se ajeitou, colocando sua mão na minha cintura. Olhou para mim com um jeito delicado e doce. Arrumou o meu xale, que estava em volta do meu pescoço, e sussurrou: — Não quero que você se aproxime daquele idiota, está me entendendo, Anny?Fiquei surpresa com aquele pedido. Não conhecia bem aquele homem e não entendia o motivo de tanta aversão ao senhor Oscar.— Sim, Romeu. Como você quiser. Mas… o que ele fez pra você?— Ele é meu inimigo desde a faculdade. Trabalhamos juntos num evento para uma empresa de telefonia. O pai dele o colocou como encarregado, e eu tenho que aturá-lo até o fim do contrato — mais dois anos. O que eu pedi é uma ordem!— Est
— Tem muito. Eu não dei permissão para você me chamar pelo meu segundo nome. Vá se trocar, está me tirando do sério!— Seu babaca, me solta! Você não sabe o que é sentir prazer!Saí da sala subindo as escadas nua. Romeu me seguiu e me puxou fortemente pelo braço, me beijando com fúria e desejo. Eu sabia que ele estava lutando por tudo o que desejava. Beijei de volta, sentindo o calor do corpo dele no meu; sua boca na minha me deixava ainda mais excitada. Ele murmurou, depois de me empurrar após o beijo:— Na próxima vez, menina, não me provoque.Segurei no pescoço dele e o beijei novamente, de novo e de novo. Ele me levou até o quarto e disse:— Vista-se, Anny, como uma senhora Goz. Seja breve. Estarei esperando lá embaixo.Entrei no quarto, abri o guarda-roupa e peguei uma camisa social branca e uma saia preta. Prendi o cabelo em um coque. Antes de sair do quarto, calcei um salto preto e fechei a porta. Estava nervosa. Desci as escadas — meu marido me aguardava. Peguei na mão que ele
— Por isso que o Oscar te odeia tanto, por causa da morte da Katarina. Que babaca.— Não quero falar mais sobre isso. — Ele se levantou do sofá, ficou parado em frente à janela, com as mãos no bolso. Estava chorando. Foi a primeira vez que o vi tão vulnerável. Aproximei-me, fiquei atrás dele e o abracei fortemente, sentindo o calor do seu corpo. Me surpreendi com o toque de suas mãos sobre as minhas. Ficamos um bom tempo assim, agarrados em silêncio. Fui até a frente dele, fazendo-o sorrir. Romeu era lindo e atraente. Seu jeito frágil estava me conquistando, e isso me fazia querer ainda mais cuidar dele. Sussurrei:— Vamos até o seu quarto. Preparei um banho para você relaxar. Deixa eu cuidar de você? Uma coisa boa que aconteceu hoje foi que você me deixou te tocar, depois de meses de casados. Hoje mais cedo me deixou retribuir seu beijo...Ele pegou na minha mão, me guiando até o quarto. Me deixei levar pela emoção. Romeu abriu a porta, entrei um pouco assustada — nunca tinha ficado s
— Anny?— Vai ver se eu estou na esquina. Você não merece que eu te ouça.Saí correndo do quarto dele, sem ao menos deixá-lo explicar. Peguei minha bolsa e resolvi sair por aí, tomar um ar. Eu precisava esquecer, pelo menos por um momento.Romeu ficou sem entender. Vestiu suas roupas rapidamente e saiu correndo atrás de mim. Estava assustado. Pela primeira vez, sentia medo. Naquela noite, a avenida estava movimentada. Romeu procurou por todos os lugares, em todos os bares. Enquanto dirigia, pensava:“Por Deus, onde está essa mulher? Se acontecer alguma coisa com ela, eu nunca me perdoarei!”O celular tocou. Era o motorista, Hugo.— Diga?— Senhor, sua esposa está na empresa HOPPY.— Ok. Não saia daí até eu chegar. Não tire os olhos dela.— Certo, patrão.— Anny, Anny... O que eu farei com você?Romeu deu meia-volta, indo direto para a empresa. A velocidade estava a 100 por hora. Os pneus deslizavam pela pista, sem dó nem piedade. Ao chegar, deu a ordem para Hugo voltar para casa — ele
— Para que o dia amanheça logo... e tudo acabe — disse, com um sorrisinho sem cor.— Falta pouco para voltarmos para casa. Descanse, você vai se sentir melhor. Ah! Ficarei ao seu lado até se recuperar — ele prometeu.— E eu não vejo a hora de estar na minha cama — disse Anny. — Fernando?— Hum?— Quero lhe fazer uma proposta. Sei que é cedo ainda... Poderia dormir ao meu lado todas as noites? Tenho medo de que este pesadelo volte a me assombrar. Me promete? — pensou ela.Romeu sorriu sem graça e perguntou insistentemente o que ela pensava. Anny olhou para ele e negou:— Não é nada, falei em voz alta, só isso.Aquele momento foi mágico. Romeu ajeitou o outro lado da cama do hospital, enxugou suas lágrimas, mordeu os lábios, tentando devolver-lhes um pouco de cor, e sussurrou:— É sério mesmo, Anny, que eu tenho que deitar aqui?— Você prometeu, Fernando.— Está bem.Romeu deitou-se ao meu lado. Senti uma sensação de promessa cumprida. Ele deixou sua timidez de lado.— Romeu?Chamei mais
Naquela manhã, o dia começou bem. Para muitos, sim. Para poucos, também. Não há dias ruins para quem deseja viver em paz, mesmo carregando um fardo pesado. São coisas inevitáveis — talvez sim, talvez não. Não é teoria para aqueles que têm mentes completamente diferentes.Ao chegarmos em casa, depois de um dia de reencontros, uma moça estava parada na frente da entrada principal, nos esperando.— Bom dia, senhor Goz — disse a moça.— Bom dia. Sou a senhora Goz. O que deseja? — perguntei.— Pretendo falar em particular com o senhor Goz.— O que deseja? Afinal, quem é você? — perguntou Romeu, curioso.— Me chamo Dayana Valentina. Sou a funcionária que veio cozinhar para vocês. Fui indicada pela sua mãe, dona Cecília.— Ah… Entendi. Entre, por favor.Ela entrou na sala de estar. Observei-a dos pés à cabeça. Era uma moça muito bonita. Seu olhar era vago. Por ser tão bela, parecia que sofria, ou já havia sofrido, na vida. Ainda assim, me mantive alerta. Mesmo que parecesse boa ou inocent
— Por que ele deve ir até a delegacia? Meu marido não fez nada! Você, que é advogado, prenda esse xerife! Ele sim é o criminoso. Meu marido, não!Minhas amigas me ajudaram a pegar minha bolsa. Naquele momento, eu estava tão nervosa que mal conseguia assimilar o ocorrido. Romeu olhou para mim e sussurrou:— Não quero que me acompanhe, Anny. Será muito difícil pra mim, ver você naquele lugar. Prepare-se para a imprensa... todos ficarão em cima de você. Passe um tempo na casa da minha mãe. Ficarei mais tranquilo.— Não vou te deixar sozinho. Eu vou, e ponto final.— Que mulher teimosa... — disse ele, tentando disfarçar um sorriso triste.Estava tão nervosa que até a fome tinha passado. Percebi que meu marido estava com medo, mesmo tentando esconder isso, para não me deixar ainda mais abalada. Segurei firme uma de suas mãos. Ele precisava do meu apoio. Eu não entendia o motivo daquela covardia.Peguei o celular de Romeu e procurei o contato do advogado da família. Liguei imediatamente para
— Olhe para mim, filha — pediu Cecília.Não estava com ânimo para ver ninguém, mas, pela insistência dela, olhei lentamente, como se pedisse por misericórdia.— Tenha paciência — disse ela, com voz suave. — Em breve, meu filho estará ao seu lado novamente.— Não sinto isso, minha sogra. No entanto, esperarei em nossa casa. Não entendo por que Oscar fez essa maldade com meu marido. Nunca irei perdoá-lo por essa injustiça.— Eu entendo, mas neste momento você precisa pensar em si mesma. Não pense em Oscar, ele não vale a pena. Durma um pouco, estarei aqui com você.Adormeci, exausta, com a esperança de que meu marido voltasse. Era um dos dias mais sombrios da minha vida. O que antes eram apenas palavras, agora soavam como um chamado da alma.Já era madrugada quando minha sogra me sacudiu para me despertar daquele pesadelo. Ao abrir os olhos, Cecília estava de pé com uma bandeja de jantar. Peguei a bandeja e pedi que ela trouxesse um café com leite. Menti — queria fugir do hospital e esta