Capítulo 5
Ele entrou na sala, que se encontrava em uma penumbra assustadoramente acolhedora. Era um silêncio que, para Hector, naquele momento, era apenas mais um ponto de aconchego e serenidade, o refúgio perfeito para uma alma em conflito.
Hector seguiu em direção a sua cadeira de couro maciça. Sentou-se, o corpo afundando levemente no couro, e assumiu uma postura imponente que era pura fachada. Os cotovelos apoiaram-se nos braços da cadeira, as pontas dos dedos se unindo sob o queixo. Seus olhos, normalmente tão focados e alerta, fitavam o vazio, o retrato emoldurado de seu time de beisebol favorito na parede oposta nada mais era que uma mancha sem forma.
— O que diabos farei da minha vida? — A pergunta foi um sussurro rouco, carregado de uma angústia que o silêncio da sala pareceu absorver e amplificar. Como lidar com esse desejo que crescia como um fogo descontrolado? Como honrar a amizade de décadas com Johan enquanto sua mente aparecia a imagem de sua filha com pensamentos lascivos e pecaminosos? Ele fechou os olhos, e lá estava ela: Theresa, com seu sorriso que era ao mesmo tempo doce e desafiador, seus olhos que pareciam ver através de todas as suas defesas. Era um tormento, uma tentação, um inferno pessoal que ele mesmo havia alimentado.
***
Theresa Michaels andava com uma pressa. O relógio no alto de um prédio comercial confirmou seus piores temores: estava atrasada para a aula de Literatura Brasileira, a única matéria cujo professor era um carrasco com pontualidade.
“Quem te mandou ficar acordada até tarde na noite anterior, se remoendo por causa de um idiota?” Ela pensou, se amaldiçoando mentalmente enquanto desviava de um grupo de turistas. “Infernoooo!”
A frustração era um gosto amargo em sua boca. Ela acelerou o passo, a mochila batendo contra suas costas a cada movimento. Assim que a fachada de tijolos aparentes do prédio da faculdade surgiu à sua frente, seu coração deu um salto, mas não por causa do atraso. Lá, parado na calçada, estava Ryan. Segurava um buquê de rosas vermelhas tão enorme e artificialmente perfeito que parecia mais uma peça de cenário do que um gesto genuíno.
Theresa revirou os olhos com uma mistura de raiva e cansaço. “Não. Hoje não.” Ela determinou internamente, ajustando a alça da mochila no ombro e fixando o olhar no topo dos degraus que levavam à entrada principal. Ela seguiu seu caminho, decidida a ignorar completamente a presença do homem que um dia pensou amar, e que, na primeira oportunidade, lhe enfiara uma faca nas costas com a traição mais clichê possível.
— Amo... — a voz de Ryan, suave cortou o ar assim que ela passou por ele.
Ela parou. Então, se virou para encará-lo. Seus olhos, normalmente cheios de calor, estavam frios como gelo.
— Nunca mais me chame disso. — A voz dela era gélida e cortante. — Não sou e nunca fui isso para você. Esqueça essa palavra.
Ryan manteve o sorriso falso, mas um incômodo passou por seus olhos. Ele estendeu o buquê.
— Theresa, por favor. São para você. Você é o meu amor, sabe disso. Sempre foi.
— Não sou. — Ela cravou os olhos nele, recusando-se a olhar para as rosas. — E sabe por que não sou? Porque você não sabe o que é amar. Amor não some na primeira oportunidade, não se enfia no primeiro rabo de saia.
O rosto de Ryan perdeu um pouco da cor.
— Mas... Theresa, foi um erro. Um erro idiota, eu estava bêbado, ela não significava nada...
— Não, Ryan. — Ela interrompeu, erguendo a mão para silenciá-lo. Ela já estava com a paciência esgotada. — Não tem ‘mas’. Foi exatamente o que você fez. E isso, para mim, não tem perdão. Não existe desculpa que apague o desrespeito. Não existe bebida que justifique a quebra de confiança.
Ele abriu a boca para protestar novamente, mas Theresa já havia se virado. Ela subiu os degraus com uma determinação renovada, sentindo o peso do olhar dele em suas costas, mas também uma leveza estranha. Havia dito a verdade. Havia colocado um ponto final naquela história.
— Esquece, Ryan! — Ela jogou a frase por sobre o ombro, sem sequer olhar para trás. — Vai oferecer suas rosas para a próxima. Tenho certeza de que você vai encontrar outra trouxa disposta a acreditar na sua lábia. Eu não sou mais uma delas.
A porta de vidro da faculdade se fechou atrás dela, cortando definitivamente a cena constrangedora. Ryan ficou sozinho na calçada, o buquê grotesco agora parecendo um objeto de ridículo. Ele deixou os braços caírem, as rosas murchando simbolicamente sob o sol implacável.
Dentro do saguão fresco, Theresa parou por um momento, se encostando em uma parede fria. Respirou fundo, tentando acalmar o coração que batia acelerado no peito. A raiva dava lugar a um cansaço profundo. A conversa com Ryan a esgotara, mas também a libertara de um fardo que carregava há semanas. Um capítulo estava verdadeiramente fechado.
Enquanto se dirigia à sala de aula, já se preparando mentalmente para a desculpa que daria ao professor, sua mente, traiçoeiramente, vagou do ex-namado superficial para o homem complexo e intenso que a levara para casa na noite anterior. Hector. A lembrança de sua presença, o silêncio carregado entre eles, a maneira como seus olhos a observavam, era uma memória que a perturbava de uma forma completamente diferente. De uma maneira que, ela suspeitava, era muito mais perigosa