Capítulo 4

Capítulo 4

— Porra, Salvior! — Hector esbravejou, as mãos apertadas em punhos ao lado do corpo, sua voz ecoando no salão agora quase vazio. — Se tudo já estava resolvido, porque cargas d’água me chamou aqui? Eu estava no meio do meu único dia de descanso da semana!

Salvior, que já se afastava do capitão dos bombeiros, voltou-se com um sorriso despreocupado que só aumentou a irritação do amigo. Ele encostou-se na borda de uma mesa, cruzando os braços.

— Calma, tempestade. Está tão nervosinho que até esqueceu que é meio-dono deste lugar. E para responder sua pergunta, te chamei por dois motivos. Primeiro, para o capitão Breed ver que o proprietário leva a segurança do estabelecimento a sério, mesmo que seja um alarme falso. Imagem é tudo. E segundo... — Seu sorriso se tornou amplo e curiosamente juvenil. — Para você me contar como foi a noite de ontem. Em detalhes.

Hector ficou paralisado por um segundo, a fúria dando lugar a uma desconfiança aguda. Ele seguiu Salvior, que agora se dirigia com passos leves para o escritório no andar superior.

— Para você me contar como foi a noite de ontem. — Salvior confessou, e pela primeira vez Hector percebeu um tom ligeiramente envergonhado sob a fachada de descontração. Era um tom raro, que só aparecia quando Salvior estava realmente ansioso por uma informação.

Hector o seguiu pela escada de metal, sua indignação e raiva se transformando em uma sensação de desconforto. Ele sentiu as tábuas de madeira do corredor superior rangirem sob seus pés, um som familiar que hoje parecia acusador.

— Agora conta tudo. — Insistiu Salvior, abrindo a porta do seu próprio escritório e entrando, deixando a porta aberta para Hector.

— Meu Deus! Como ele é fofoqueiro. — Hector pensou, balançando a cabeça negativamente enquanto atravessava a soleira. — Mas não tem nada pra eu te contar. Apenas a levei para casa, como qualquer cavalheiro faria.

— Ahh, Hector, conta outra! — Salvior esbravejou, caindo pesadamente em sua cadeira de couro. — Você acha que eu não conheço aquela sua cara de ‘acordei com o travesseiro do lado errado’? É a mesma cara de quando você fica remoendo algo. Ou alguém.

— Não comece, Salvior. — A voz de Hector soou mais cansada do que ele gostaria.

— Vejo que está estressadinho. — A boca de Salvior curvou-se em um sorriso travesso. — A cama ficou muito quente para dormir? A noite foi... longa demais?

“Filho de uma mãe.” Hector pensou, amaldiçoando um de seus melhores amigos. Ele sabia. Claro que sabia. Hector havia deixado a boate com Theresa, não era segredo. Mas o que Salvior não podia imaginar, o que Hector mal conseguia admitir para si mesmo, era que ele tinha ficado de pau duro a noite toda, deitado na cama fria, o corpo tenso, a mente invadida por imagens vívidas e proibitivas. Imagens de como ele foderia a filha de seu melhor amigo, se as barreiras do dever e da honra não existissem. A memória do perfume dela no carro, o som suave de sua respiração, a curva de seu pescoço sob a luz do luar, tudo se transformara em uma tortura deliciosa e incessante.

— Vai, anda logo, desembucha, homem. — Salvior implorou, inclinando-se para a frente com o olhar brilhante de expectativa, feito uma criança diante de uma guloseima proibida. — Só um detalhe. Um mísero detalhe. Ela estava bem? Conversaram no caminho?

— Não. — Hector respondeu secamente, virando-se para olhar pela janela envidraçada que dava para o salão vazio. A negativa soou oca, até para seus próprios ouvidos.

— Ahhh, inferno! — Salvior praguejou, batendo a mão aberta na mesa. A expressão era de insatisfação genuína, a frustração de quem teve uma história saborosa negada. — Mas se você não quer me contar é porque aí tem coisa. Algo aconteceu. Ela disse algo? Você disse algo?

— Não tem nada não, você pode ir parando de ficar pensando demais. A sua imaginação é mais fértil que o solo da Amazônia. — Hector tentou disfarçar com um tom de brincadeira, mas sua voz soou tensa.

— Que nada. Só estou analisando o que está na cara. — Salvior insistiu, o olhar perspicaz percorrendo o rosto do amigo, buscando uma fenda na armadura. — Você está diferente. Tenso. E é uma tensão específica, do tipo que dá quando a gente vê algo que quer muito mas não pode ter.

A frase atingiu Hector como um golpe físico. Ele se virou de repente, a sombra da janela cobrindo parcialmente seu rosto.

— Vou para o meu escritório. — Declarou, a voz um comando baixo. — Se tiver mais alguma coisa importante — ele enfatizou a palavra — relacionada à boate — outra ênfase — só me chamar.

Ele saiu sem esperar por uma resposta, fechando a porta do escritório de Salvior com um clique suave que era mais definitivo que um golpe. No corredor, a respiração falhou por um segundo. Sua mente, um turbilhão, repetia as palavras de Salvior: “o que está na cara”. Se estava assim tão óbvio para Salvior, que era como um irmão, mas também um dos homens mais perceptivos que conhecia, será que outros notariam? Será que o próprio Johan, seu amigo de infância, o pai dela, perceberia o olhar pecaminoso que ele não conseguia mais controlar quando via Theresa?

Caminhou até a porta de seu próprio escritório, no final do corredor. A chave girou na fechadura com um som metálico que ecoou no lugar.

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