Aproveito que ela segue em direção às luzes acesas e procuro um disco de vinil específico. Não é meu estilo musical favorito, mas aprendi a apreciar quando a conheci. Ao encontrá-lo, coloco o disco no tocador e volto para a cozinha.
Ando em passos lentos, querendo surpreendê-la. Assim que passo pelo batente, ela está distraída, remexendo o molho na panela. Mais perto do que antes, o aroma doce de baunilha e o toque floral de sândalo se infiltram em minhas narinas. Respiro fundo e coloco as mãos sobre os olhos dela.
— Conheço essas mãos — diz, com um leve sobressalto. Ainda assim, relaxa ao toque. — Posso ver o rosto agora?
Retiro as mãos e a viro de frente para mim.
Seus olhos azuis, delineados por longos cílios, me encaram por alguns segundos.
O aroma da comida, o perfume doce de Eva, a sonata tocando ao fundo... Por um momento, me lembrei de como éramos no começo. Nossas aventuras na cozinha, as vezes em que fizemos amor nas bancadas. A ideia do jantar parecia bem melhor agora.
— Seja bem-vindo!
Eva parece sincera. Observo atentamente seu corpo, seus olhos, suas mãos.
— Fico feliz em ouvir isso. — Paro, escolhendo bem as palavras. Não é tão fácil dizer qualquer coisa agora. — Você está linda.
Seu cabelo parece mais comprido. Ondas se formam abaixo da linha do queixo até os ombros. Algumas mechas estão mais claras.
— Continuo a mesma. — Ela abaixa os olhos, como se também procurasse o que dizer.
Não quero um clima estranho entre nós. Embora entenda os motivos, se acontecer. Tentando aliviar a tensão, pego sua mão direita e a beijo.
— Eu tentei te ver… — Eva começa, mas hesita. — Me desculpa.
Ela se refere às visitas que nunca fez. Mas não posso culpá-la. De certo modo, até me senti aliviado. Não queria que me visse daquela forma.
— Não… — coloco o dedo em seus lábios carnudos, pedindo silêncio. — Você não tem que me pedir desculpa.
Seguro seu rosto com a mão e encaro seus olhos.
— Só eu preciso me desculpar aqui. Entendeu? Me perdoa?
Eva desvia o olhar e coloca a mão em meu peito.
— Teremos muito tempo pra conversar sobre isso.
Concordo com a cabeça.
— O que você está cozinhando?
Percebo que o assunto a deixa desconfortável. Talvez seja cedo demais para tocarmos nisso, embora eu sinta urgência em me desculpar.
— Ravióli — digo, sorrindo.
Os olhos dela se iluminam.
— Você sabe que eu adoro — Ela pega outro avental na gaveta. — Posso ajudar? Parece que está precisando.
Já estou quase terminando, mas pode ser uma boa maneira de evitar tensão.
— Claro.
Eva começa a limpar a bagunça que fiz. Eu cuido do molho e da massa que termina de cozinhar. Em poucos minutos, tudo está pronto. Coloco a comida na travessa que ela me passa e, juntos, levamos a louça até a mesa de jantar.
Ao entrarmos, Eva me olha surpresa, quase animada.
— Você teve todo esse trabalho?
Meneio a cabeça em resposta.
— Eu só ia chegar tarde hoje. Por acaso, ficou de tocaia esperando por mim? — diz, sorrindo.
— Sim — tento disfarçar meu constrangimento. — Valeria a pena, quando você chegasse.
Eva não responde. Antes que se sente, puxo a cadeira para ela.
— Senhorita? — Meu cavalheirismo está mais enferrujado que meu bom senso, e não soa tão confiante quanto eu queria.
Ela se senta e eu a sirvo. Faço o mesmo para mim e sento ao seu lado.
O jantar segue bem. Eva parece relaxada: ombros baixos, respiração tranquila. Conversamos sobre o trabalho dela, depois falamos de alguns amigos em comum. Ela se esforça para manter uma conversa casual, e em nenhum momento menciona minha detenção ou o meu caso.
Não sei se isso me tranquiliza. Não sou muito paciente quando tenho urgência em um assunto. Mas também não quero arriscar tudo agora.
Depois de algumas horas num clima amistoso — e um tanto nostálgico — Eva se levanta e começa a recolher a mesa. Eu a ajudo. Depois de tudo limpo, ela segue em direção à sala. Eu a sigo.
— Vou subir, já volto — diz, com um sorriso leve, pegando a bolsa.
Me sento no sofá e acompanho com o olhar o movimento das suas nádegas dançando na saia. Não preciso de mais para sentir a resposta do meu corpo. Nem mesmo toda essa pressão atual inibe meus instintos. Mudo de posição no sofá, tentando aliviar o volume que pressiona meu quadril.
Ligo a televisão no canal do noticiário e tento tirar a imagem da saia da cabeça. Manter distância vai ser mais difícil do que imaginei.
O tempo passa devagar. Eva demora a retornar. O brilho da tela pesa nos meus olhos. Não durmo bem há tempos. Lentamente, tudo vira borrão. Minha vista escurece...
Estou em um vazio escuro. Ouço risos. Sinto cheiro de sangue. Caminho sem direção até encontrar uma luz fraca ao longe. Me aproximo. Conforme a luz se intensifica, reconheço o ambiente. É o apartamento de Kate. Sangue por toda parte. Ouço a voz de Nicolai Viena falando sobre o corte da cebola…
Acordo assustado.
Sinto o peso de algo saindo dos meus ombros.
Num instante, estou sentado no sofá. A TV está no mesmo canal de culinária daquela maldita noite. Reconheço a sala, mas ainda me sinto perdido. Um toque suave nas minhas costas me faz virar imediatamente.
Eva está sentada ao meu lado, me olha assustada.
— Está tudo bem? — Seus olhos carregam preocupação. — Você estava dormindo e eu não quis te acordar. Mudei de canal e...
— Fica calma — interrompo. Não quero que ela se preocupe. — Foi só um pesadelo.
Mesmo tentando tranquilizá-la, vejo no seu olhar que não adiantou. Coloco os cotovelos sobre os joelhos e apoio o rosto nas mãos.
— Sinto muito. Aposto que não tem dormido bem. Quer que eu te ajude?
Levanto a cabeça e me inclino em sua direção. Fico a centímetros do seu rosto. Sinto o hálito fresco de menta, o cheiro de lavanda da sua pele. Sua respiração começa a se acelerar.
— Vai ficar tudo bem — sussurro.