O sábado chegou como um sopro quente de primavera. O céu estava limpo, com nuvens finas flutuando como algodão. Esther passou a manhã tentando escolher uma roupa. Nada muito chamativo, nada muito casual. Depois de quatro trocas e três xícaras de chá, optou por um vestido floral simples, sandálias baixas e um batom discreto. Olhou-se no espelho uma última vez e disse a si mesma: “É só uma feira gastronômica. Só isso.”
Mas seu coração sabia que não era. Filipe já a esperava na entrada do parque, onde a feira havia sido montada com barracas coloridas, estandes com pratos fumegantes, e música instrumental suave ao fundo. Usava uma camisa branca com as mangas dobradas e jeans escuros. Simples. Mas Esther notou como ele parecia diferente sem o uniforme da escola. Mais próximo. Mais… real. — Você veio — disse ele, sorrindo ao vê-la se aproximar. — Claro. Prometi, não foi? — E está… linda. Ela riu, baixando os olhos. — Obrigada. Você também está diferente sem o avental. — Espero que melhor. — Com certeza — disse, corando. Caminharam lado a lado entre as barracas. O cheiro de carne grelhada, massas, doces caramelizados e especiarias se misturava ao som das conversas. Filipe a guiava com segurança, apontando barracas de chefs que ele conhecia, explicando a origem de certos pratos, contando pequenas histórias de cada sabor. — Essa barraca vende pão de alho feito com fermentação natural e manteiga de missô. Parece estranho, mas é maravilhoso. — Eu quero provar! — disse Esther, já estendendo a carteira. — Deixa que eu pago — disse Filipe, rápido. — Não, não precisa… — Considere como parte do passeio. Ela cedeu, mas ficou observando os gestos dele com atenção. Ele sempre tinha algo gentil no jeito de olhar, como se se importasse de verdade com cada reação dela. E, ao mesmo tempo, era discreto. Um homem que parecia esconder muito mais do que mostrava. Após o quinto petisco compartilhado, encontraram um espaço vazio sob uma árvore e sentaram-se. Havia ali uma paz diferente, mesmo com o burburinho ao redor. — Você vem aqui sempre? — perguntou ela, mordendo um bolinho de arroz doce. — Sempre que preciso respirar. A comida me conecta com algo mais antigo. Com minha infância, com minha avó. Ela dizia que todo prato tinha que ter um pouco de saudade. Acho que ela estava certa. — Que bonito… — Esther olhou para ele com sinceridade. — Você tem esse jeito de tornar tudo mais poético. Mesmo falando de bolinhos. — E você tem esse jeito de me ouvir como se estivesse lendo um livro. Ela sorriu, surpresa com a observação. — Talvez porque eu goste de histórias. De pessoas que contam com o coração. — E você? — perguntou ele. — Qual sua história? Esther respirou fundo. Não estava acostumada a falar sobre si mesma. Mas algo na maneira como ele perguntou a fazia querer contar. — Eu fui criada pela minha mãe. Meu pai foi embora quando eu era pequena. Cresci tentando não dar trabalho, sabe? Me tornei aquela garota que tira boas notas, que não reclama, que ajuda todo mundo… mas que às vezes se sente invisível. Acho que, por isso, escrevo tanto. Porque nas palavras, eu existo. Filipe a olhou com um silêncio respeitoso. Depois disse: — Você não é invisível, Esther. Eu vejo você. Ela piscou, sentindo os olhos marejarem, mas disfarçou com um sorriso tímido. — Obrigada… por isso. Ficaram ali por alguns minutos, apenas ouvindo a música suave e sentindo o vento balançar as folhas. Não havia urgência. Apenas presença. E, no silêncio, algo se firmava entre os dois: um sentimento tênue, mas profundo. Um tipo de conexão que dispensava pressa. Quando o sol começou a baixar, Filipe se levantou e estendeu a mão para ela. — Vamos? Quero te mostrar uma última coisa. Esther aceitou a mão e levantou-se. Andaram até uma pequena barraca escondida entre as árvores. Um senhor idoso vendia doces tradicionais coreanos, hwa-jeon, feitos com pétalas de flores prensadas em panquecas de arroz. — Minha avó fazia esses — disse Filipe, comprando dois. — Ela dizia que era como comer poesia. Ele entregou um a Esther, e ela, com cuidado, mordeu. Era doce, suave, com um leve toque floral. Realmente, parecia poesia. — Obrigada por me trazer aqui — disse ela. — Eu que agradeço por ter vindo. Você fez esse dia ser diferente. Especial. Esther sentiu a respiração prender por um instante. Havia algo nos olhos dele que transbordava do profissionalismo, do casual. Era sincero, intenso — e estava ali, esperando por uma resposta silenciosa. Ela não disse nada. Apenas sorriu. E nesse sorriso, Filipe soube: estava no caminho certo.