05

TARYN

Ronan me encarou com uma calma terrível, e então, para meu espanto, Kalinda deu um passo à frente, com um sorriso torto.

— Sim — admitiu sem pestanejar. — Fui eu quem ofereceu a erva. Ele só colocou junto à comida dela.

O chão pareceu fugir debaixo dos meus pés.

— Vocês são monstros. — sussurrei, as palavras escapando antes que eu pudesse contê-las.

Ronan desviou o olhar para Kalinda e murmurou, como se eu não estivesse ali.

— Precisamos ir antes do amanhecer. Já acertei tudo com o capitão. Mas não podemos deixá-la para trás. — Seu dedo apontou diretamente para mim. — Se ela voltar e contar a Caius, ele nos encontrará antes que estejamos em segurança.

Senti meu coração falhar dentro do peito. Kalinda me observou em silêncio por um instante que pareceu eterno.

— Então vamos prendê-la.

— Não! — gritei, mas Ronan foi mais rápido.

Ele me agarrou com a força de um lobo, meus braços contorcendo-se inutilmente contra o aperto dele. Eu não tinha chance contra um alfa. Fui arrastada até um poste de madeira, a dor queimando nos pulsos quando ele amarrou minhas mãos com uma corda áspera. A seguir, um pano sufocante tapou minha boca, roubando-me o fôlego e a voz.

Minha mente fervia em desespero, as lágrimas turvando minha visão. Eu queria gritar, implorar, mas tudo o que restava era o som abafado da minha respiração acelerada.

Antes que Ronan pudesse se afastar, algo estalou no ar.

O som metálico ecoou na noite quando um bastão atingiu a lateral da cabeça dele. Tudo aconteceu tão rápido que mal pude acompanhar. Vi seus olhos se revirarem, e então seu corpo tombar pesado ao chão, sangue escorrendo pela têmpora.

Meu peito se ergueu em espanto, os olhos arregalados, quando percebi quem segurava o bastão.

Kalinda.

Minha irmã.

O rosto dela estava transtornado, mas a decisão em seus olhos era inquebrável. Sem hesitar, ergueu o bastão novamente e desceu-o contra Ronan mais uma vez. O som seco da pancada reverberou no cais, e o corpo dele se sacudiu antes de ficar imóvel. 

— O que você fez?

Os olhos de Kalinda encontraram os meus, e naquele instante eu não soube mais quem estava diante de mim. O sorriso que ela exibia era desfocado, vazio, como se algo dentro dela tivesse se quebrado há muito tempo, e eu me perguntei se algum dia conheci de verdade a minha irmã.

Ela deixou o bastão cair com um estrondo seco ao lado do corpo de Ronan. Morto. Definitivamente morto. O sangue se espalhava pelo cais, escorrendo entre as tábuas, e o silêncio pesado da noite parecia nos engolir.

— Eu estava cansada dele — disse, com uma naturalidade que me gelou a espinha. — Ele era apenas mais um obstáculo. Para fugir, eu precisava dele… porque nós, mulheres, nunca temos poder algum. Sempre são os homens que decidem, que comandam. — Ela ergueu o queixo, os olhos brilhando de uma convicção estranha. — Mas agora que já tenho a passagem garantida e joias o suficiente, não preciso de homem nenhum.

Eu mal conseguia respirar, observando o corpo imóvel no chão e a mulher que eu deveria chamar de irmã.

— O quê? — ela se inclinou na minha direção, sorrindo com escárnio. — Você realmente achou que eu gostasse desse paspalho arrogante? — Seu riso soou como vidro se partindo. — Homens devem ser usados, irmazinha. Apenas isso.

Meu estômago se revirou. Eu queria negar, dizer que aquela não era Kalinda, que eu estava presa em um pesadelo, mas a cada palavra dela, o véu da ilusão se rasgava mais.

Ela então se virou com desdém, ajeitou a bolsa no ombro e começou a caminhar pelo cais como se o sangue atrás dela fosse apenas uma poça de vinho derramado.

Mas o destino não lhe permitiria ir tão longe.

— Kalinda! — uma voz grave cortou a escuridão.

Segui o som, o coração disparando, e quase caí de joelhos quando reconheci. Eram vozes conhecidas, próximas, cada vez mais altas.

Meu pai e Caius.

O choque atravessou o rosto de Kalinda, deixando sua pele mais pálido que o normal. Ela parou, o corpo rígido, e lentamente se voltou para mim. O ódio em seus olhos faiscou como brasas vivas. O dedo dela se ergueu, acusador, tremendo de fúria.

— Você. — Sua voz saiu como veneno. — Você os trouxe aqui.

Kalinda começou a andar de um lado para o outro, cada passo dela ecoando. 

As vozes se aproximavam cada vez mais, agora misturadas com outros passos que eu ainda não conseguia identificar. Mais pessoas vinham, e minha garganta se fechou. Eu sabia que, se algo acontecesse, não teria para onde fugir.

Seus olhos, porém, voltaram-se para o corpo de Ronan por um instante, depois para mim. Ela apertou os lábios, murmurando um xingamento tão baixo que mal consegui ouvir. Sua carranca era puro ódio. Cada músculo do corpo dela parecia pronto para me destruir.

Meu coração disparou e meus braços se contorceram contra as cordas, a mordaça abafando meus gritos internos. Eu tinha certeza de que minha própria irmã iria me matar.

Então ela se abaixou e pegou o bastão. Mergulhou-o no sangue ainda quente de Ronan e,  aproximou-o de mim, sujando meu vestido e espalhando o vermelho pelo tecido claro. Meu estômago revirou.

— O que…? — tentei sussurrar, mas o pano na minha boca impedia qualquer som.

Ela se aproximou mais, os olhos fixos nos meus, e então colocou o bastão em minhas mãos. Meu corpo tremeu ao tentar entender, sem saber se era uma armadilha ou um teste.

Antes que pudesse reagir, sua mão agarrou minha cabeça com força, inclinando-me para trás. Ela bateu minha cabeça contra o poste de madeira com força, fazendo minha visão girar e minha mente se embaralhar. Tontura, dor, pânico.

E ela fez de novo. O impacto me fez sentir tudo começar a escurecer, cada batida na minha cabeça puxando-me para o abismo da inconsciência. Meu corpo caiu contra a madeira, as cordas queimando meus pulsos, e meu coração parecia querer saltar do peito.

E então, tão repentinamente quanto começou, tudo cessou. A mão de Kalinda se afastou, a mordaça foi arrancada da minha boca, e eu finalmente consegui gritar.

— Socorro! — minha voz ecoou pelo cais, rouca e desesperada, misturando-se ao vento frio da noite.

Minha mente girava, mas uma coisa era clara: ela ainda estava ali, minha irmã, mas agora havia algo em seus olhos que eu não reconhecia, algo que não era totalmente dela, algo perigoso, selvagem e imprevisível.

Para minha surpresa, Kalinda começou a gritar por ajuda. O som ecoou no cais e me fez congelar, cada palavra dela soando distorcida na minha mente. Ao me mexer, percebi que minha irmã estava sangrando nos lábios. O sangue, misturado à escuridão da noite e ao meu próprio terror, parecia embaçar tudo ao meu redor.

Minha cabeça latejava, cada pulsar martelando como se fosse explodir, e minha visão escurecia a cada segundo. Entre gritos e o som confuso do vento, ouvi um toque, mãos firmes segurando-me, e um calor que me fez oscilar entre o desespero e a esperança.

Quando finalmente consegui abrir os olhos, estava em uma cela fria e úmida. Meu vestido ainda estava sujo de sangue, manchado e pegajoso. Ao meu redor, as sombras pareciam se fechar, mas os rostos diante de mim me deram alívio. Meu pai, Caius e dois membros do conselho, todos olhando-me com uma mistura de desaprovação, choque e julgamento que me deixou sem fôlego.

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