Capítulo 8

Flávia

O dia no escritório estava correndo bem. Desde cedo, eu e Ricardo revisamos relatórios, ajustamos dados e conferimos informações. Tudo fluía de maneira natural, sem pressa, sem pressão.

Até que seu fone desconectou do computador.

A música, antes restrita a ele, preencheu o silêncio do ambiente. E foi aí que eu reconheci a melodia.

— Essa música… — comentei, sem conseguir disfarçar a surpresa. — Eu adoro essa banda.

Ele levantou os olhos, surpreso.

— Sério? Achei que ninguém aqui conhecesse. Eu escuto sempre quando quero me concentrar.

A conversa tomou outro rumo. Falamos sobre álbuns, letras e momentos marcantes. Pela primeira vez, Ricardo parecia realmente envolvido em um assunto fora do trabalho, e eu me peguei sorrindo mais do que o normal. Ele não estava tão sério como de costume—havia algo diferente em sua postura, um jeito mais relaxado, quase despreocupado. A tensão habitual, aquela rigidez profissional que ele sempre mantinha, parecia ter diminuído.

Mas então, algo mudou.

No meio da conversa, notei que ele desviou o olhar rapidamente. Seus gestos, antes descontraídos, ficaram mais contidos.

Foi sutil, mas perceptível.

Olhei para minha mão e senti o metal frio da aliança contra minha pele.

Ah.

Ele tinha visto.

Ricardo passou a evitar qualquer troca de olhares mais prolongada. Aos poucos, seu tom voltou a ser apenas profissional, como se estivesse relembrando os limites que não deveriam ser ultrapassados.

E, por algum motivo, aquilo me incomodou.

Eu gostava de trabalhar com ele. Sua companhia tornava os dias menos mecânicos. Mas talvez, sem querer, eu tivesse permitido que a conexão entre nós se tornasse algo que ele agora tentava conter.

E eu entendia.

Talvez fosse melhor assim.

Talvez fosse mais fácil manter as coisas onde estavam.

Mas então, por que essa sensação estranha não passava?

Com aquela aliança, todos achavam que eu era casada. E eu nunca me preocupava em corrigir essa impressão. Não costumava falar da minha vida pessoal com ninguém—era mais fácil assim. Menos perguntas, menos necessidade de revisitar memórias que ainda doíam.

Talvez Ricardo pensasse o mesmo. Talvez, ao perceber a aliança, tenha concluído que aquela conversa não era apropriada. Mas não estávamos fazendo nada demais, era apenas um assunto sobre música.

Mesmo assim, ele se fechou. Se afastou.

Por um instante, senti um peso estranho no peito.

Mas era melhor deixar pra lá.

Os dias seguiram dentro da mesma rotina. O tom profissional permanecia intacto, e qualquer traço da conversa leve sobre música parecia ter sido apagado. Planilhas, relatórios, números—nada além disso preenchia o espaço entre nós.

Era como se aquele instante de conexão nunca tivesse existido. Como se tivesse sido apenas um descuido, um breve desvio do que realmente importava no ambiente de trabalho.

Mas, de vez em quando, nos momentos de silêncio entre uma análise e outra, eu me pegava pensando na forma como Ricardo havia mudado naquele dia. Na maneira como sua postura relaxou, no brilho nos olhos quando falamos sobre álbuns e letras.

E, mesmo sem tocar no assunto, algo dentro de mim sabia que ele também estava evitando trazer isso de volta.

Voltamos a ser apenas colegas.

Ou pelo menos era isso que tentávamos ser.

Já faz seis meses que eu trabalhava na empresa. As pessoas pareciam gostar do meu trabalho, e Ricardo sempre fazia elogios pontuais—diretos, precisos, sem exageros. Isso me dava uma sensação de que estava indo bem.

Quando cheguei em casa, Aline estava lá, pois tinha pego Caio na escola, estava animada como sempre.

— E então, amiga, o que vai fazer amanhã à noite?

Pensei por um instante e respondi sem muita empolgação.

— Não sei… Acho que pedir uma pizza, assistir a uma série.

— E sair, Flávia? Podíamos sair para dançar.

Revirei os olhos, soltando um suspiro.

— Você sabe que não saio para dançar.

— Mas podia começar agora! Vamos, por favor! Podemos nos distrair, dançar um pouco e depois voltamos para casa.

Fiquei em silêncio por alguns segundos. A ideia parecia estranha, desconfortável. Mas também… Talvez fosse só uma noite. O Caio estaria com os avós, e eu não teria que me preocupar com nada.

Aceitei.

Mas a verdade é que eu nem lembrava mais como dançar.

A sexta-feira chegou e, com ela, a inevitável dúvida: o que vestir?

Abri o guarda-roupa e percorri os cabides com um olhar desanimado. Blusas casuais, calças confortáveis, roupas de trabalho—nada parecia adequado para sair à noite.

Suspirei, afastando algumas peças, e com dificuldade encontrei um vestido mais justo, escondido no fundo do armário. Peguei o tecido entre os dedos, hesitando. Não me lembrava da última vez que usara algo assim, mas era a opção mais próxima do que precisava.

Vesti-me e fui até o espelho. Ainda estranhava a ideia de sair, mas ao menos podia tentar me sentir bem comigo mesma.

Decidi deixar os cabelos soltos. 

Na penteadeira, escolhi uma maquiagem básica—um corretivo leve, um toque de blush, máscara nos cílios. Tudo discreto, como sempre fazia. Mas, ao pegar o batom, hesitei por um instante antes de optar por um tom mais intenso.

Passei a cor nos lábios, observando o contraste no espelho.

Por um momento, parecia alguém diferente. Ou talvez apenas alguém que estava tentando se reencontrar.

Depois de muito tempo, eu realmente estava me achando bonita. Até um pouco sensual, para falar a verdade.

Passei as mãos pelo tecido do vestido, ajustando-o, e observei meu próprio reflexo com mais atenção. O batom intenso, os cabelos soltos, a forma como a roupa moldava meu corpo. Não era só sobre aparência, era sobre sentir algo que há muito tempo não permitia sentir.

Eu ainda não sabia se estava pronta para aquilo. Mas, por um instante, só por um instante, gostei do que via.

Assim que atravessamos a entrada, o som da música me envolveu por completo. O ritmo pulsante das batidas reverberava no peito, misturando-se às vozes animadas das pessoas ao redor. O lugar estava lotado—grupos conversavam perto do bar, outros se moviam pela pista de dança, rindo e se deixando levar pelo fluxo da música.

Aline estava animada, já puxando minha mão para irmos mais para dentro. Eu, por outro lado, ainda tentava me acostumar à energia do ambiente. Era muito barulho, muita gente. Fazia tempo que eu não me via em um lugar assim.

Respirei fundo, ajustando o vestido e deixando o olhar percorrer o espaço. Luzes coloridas piscavam, refletindo nos copos e garrafas do balcão. O calor das pessoas próximas tornava tudo mais intenso, quase sufocante, mas, ao mesmo tempo, havia algo estimulante naquela atmosfera.

Eu precisava relaxar. Precisava me permitir estar ali.

Pelo menos por essa noite.

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