Ricardo
Eu tinha muitas coisas para resolver, então decidi que essa semana trabalharia de casa. Enviei um e-mail para Flávia informando sobre a decisão e passando as tarefas que precisaria dela. Estaria disponível no chat caso precisasse de algo.
Além do trabalho, minha vida pessoal também estava uma verdadeira bagunça—estava mudando de casa, organizando documentos, caixas, móveis. Ir até o escritório tomaria um tempo precioso, e, sinceramente, trabalhar remotamente seria a melhor opção no momento.
O apartamento novo era grande, espaçoso, uma cobertura bem projetada. Por vezes me perguntava por que um lugar tão grande, já que eu morava sozinho. Mas a verdade é que queria mais. Queria namorar, casar, ter filhos. Para isso, era essencial ter um bom lugar para morar, um espaço que oferecesse conforto e estabilidade.
Não gastava meu dinheiro com muitas coisas supérfluas, então nada melhor do que investir em um lar que representasse o futuro que eu desejava.
A semana passou voando, e na sexta-feira, me mudei oficialmente. Passei o dia todo focado nisso—caixas para todos os lados, móveis sendo montados, documentos para organizar. Ainda havia muito trabalho pela frente, mas com o essencial no lugar, sabia que logo tudo estaria pronto.
No fim da tarde, abri o chat da empresa para verificar se havia algo urgente. A única mensagem era de Flávia, informando que os documentos que eu havia pedido estavam prontos. Ela realmente era muito competente… e bonita.
Tentei afastar esse pensamento. Sim, ela era bonita, mas não era algo que eu deveria reparar.
No sábado pela manhã, fui ao mercado para comprar algumas coisas para a casa. Enquanto caminhava pelos corredores, algo chamou minha atenção—Flávia andando de mãos dadas com um garotinho, provavelmente seu filho.
Não quis me aproximar. Não éramos amigos, e não sabia como ela ou o marido se sentiriam com uma interação fora do ambiente profissional.
Peguei o que precisava, paguei e voltei para casa. Mas um pensamento persiste: será que ela morava perto de mim?
O novo apartamento era bonito e bastante confortável, embora ainda faltassem alguns detalhes. Para deixar tudo mais completo, comprei alguns móveis novos que chegariam na próxima semana. A moça que cuida da limpeza para mim continuaria trabalhando comigo, e as compras da semana já estavam feitas. Restava apenas organizar tudo, o que eu acreditava não ser uma tarefa tão difícil.
Era segunda-feira e o telefone tocou bem no meio de uma tarefa importante. Eu já sabia que não era coisa boa. Suspirei antes mesmo de atender.
"Senhor, infelizmente houve um problema com a entrega dos seus móveis. Precisaremos remarcar para a próxima semana."
Ótimo. Lá se vai minha tentativa de finalmente organizar esse apartamento. Eu já tinha planejado tudo: o espaço novo, a mesa que me permitiria trabalhar sem me contorcer na cadeira improvisada, o sofá onde eu poderia relaxar depois de um dia corrido. Mas não. Agora, mais uma semana lidando com essa bagunça.
Voltei para a tela do notebook, tentando retomar o fluxo de trabalho. Mas eu já estava irritado. E o vizinho parecia ter escolhido aquele exato momento para testar uma furadeira.
Recebi uma notificação no chat do trabalho: era Flávia, solicitando algo. Minha cabeça estava tão cheia que, sem pensar muito, apenas respondi que estava ocupado.
Passaram-se dez minutos, e o peso daquela resposta começou a me incomodar. Ela não tinha culpa do caos que estava acontecendo comigo. Olhei novamente o chat—nenhuma nova mensagem dela.
Abri o chat e, sem hesitar, digitei:
"Oi, Flávia, me desculpe. Já te auxilio com isso, só me dá dez minutos, por favor."
Peguei um copo de água, respirei fundo e tentei me acalmar antes de voltar ao trabalho. Flávia ainda não havia respondido. Para não deixar a conversa morrer, enviei outra mensagem:
"Oi, Flávia, o que precisa? Quando quiser, pode me ligar."
Os minutos passaram, vinte para ser exato, e nada. O status dela seguia como disponível, mas minha mensagem continuava sem visualização. O tempo correu até o horário do almoço. Comi algo rápido, sem dar muita atenção, e logo voltei ao trabalho.
Já eram duas da tarde quando finalmente recebi sua resposta:
"Oi, desculpa incomodar, mas eu poderia te ligar agora?"
"Claro que sim," respondi sem hesitar.
Assim que sua imagem apareceu na tela, ela se apressou em se desculpar.
— Ricardo, desculpa o incômodo… tem umas coisas que ainda não estou familiarizada, então precisava de um auxílio.
Sorri, tentando transmitir tranquilidade.
— Eu que peço desculpas, Flávia. Estava resolvendo algumas coisas aqui e acabei ficando sem tempo. Mas pode me chamar sempre que precisar.
Flávia compartilhou os pontos em que ainda tinha dúvidas, e eu fui explicando com calma, tentando tornar tudo o mais claro possível. Ela me escutava atentamente, fazendo pequenas anotações e confirmando alguns detalhes.
Quando terminou, me mostrou tudo o que havia feito pela manhã. Para minha surpresa, estava impecável. Cada detalhe bem organizado, cada etapa cumprida com precisão.
— Está perfeito, Flávia! — comentei, genuinamente impressionado.
Ela sorriu, aliviada.
— Ah, que bom! Estava preocupada se tinha deixado passar algo.
— Não, você fez um ótimo trabalho. Pode sempre me chamar se precisar de qualquer coisa.
Ela assentiu, agradecendo, e encerramos a chamada. Por um momento, senti um pouco da tensão do dia se dissipar. Pelo menos algo havia saído conforme o esperado.
O dia seguinte chegou mais rápido do que esperado, então fui trabalhar na empresa.
O ritmo no escritório era o de sempre. Eu e Flávia estávamos focados nos relatórios, ajustando detalhes e conferindo informações.
Enquanto digitava, senti um pequeno silêncio estranho no ambiente. Olhei para a tela, tentando entender o motivo, e foi então que percebi—meu fone tinha desconectado do computador.
A música que eu estava ouvindo, antes restrita apenas a mim, agora ecoava pelo escritório.
Antes que eu pudesse ajustar o cabo, Flávia ergueu os olhos, curiosa.
— Essa música… — disse ela, com um tom de surpresa. — Eu adoro essa banda.
Eu congelei por um segundo e soltei um sorriso.
— Sério? Achei que ninguém aqui conhecesse. Eu escuto sempre quando quero me concentrar.
Ela riu, apoiando o queixo na mão por um instante.
— Eu também! Esse álbum tem algumas das minhas músicas favoritas. Você tem uma faixa preferida?
Puxei o cabo do fone com calma, sem mais pressa para reconectar.
— Difícil escolher uma só… Mas acho que seria aquela do segundo álbum, sabe?
Os olhos de Flávia brilharam.
— Eu sabia! Essa é incrível.
A partir dali, os relatórios ficaram em segundo plano por alguns minutos. A conversa mudou completamente—falamos sobre álbuns, letras e momentos em que aquelas músicas fizeram diferença na vida de cada um.
Descobrir que tínhamos esse gosto em comum transformou a interação. Não era mais apenas sobre trabalho.
E, pela primeira vez desde que começamos a trabalhar juntos, eu senti que conhecia a Flávia um pouco mais.