O segundo dia foi ainda mais frio que o primeiro. Londres amanhecia debaixo de uma névoa espessa, e Isabela, já vestida com o uniforme da padaria e um gorro bordado com flores pequenas, chegou antes do horário. Havia algo que a fazia querer estar ali — mais do que o emprego, mais do que o cheiro de café sendo passado. Era ele.
Lorenzo.
O homem que parecia carregar o mundo nos ombros, mas que mexia com algo dentro dela que nem ela entendia.
Ele já estava lá, como sempre. Sozinho, concentrado, preparando a massa de pão com a intensidade de quem moldava pecados com as próprias mãos.
— Bom dia — disse ela, com um tom leve.
— Achei que tinha fugido — ele respondeu, sem tirar os olhos da massa, mas com um leve sorrisinho no canto dos lábios.
— E perder o cheiro dos seus pães? Nunca.
Ele ergueu os olhos. Havia ali um brilho diferente. Um tipo de provocação que fazia o sangue dela correr mais rápido.
Ao longo da manhã, trabalharam mais próximos. Isabela havia aprendido rápido — e Lorenzo notava isso, mesmo sem elogiar diretamente. Durante um intervalo, sentaram-se nos fundos, com canecas de chá quente. Ele, como sempre, falava pouco. Mas naquele dia, pela primeira vez, contou algo.
— Eu vim da Itália. Cresci em Nápoles. Família grande… complicada.
— Complicada como?
Ele a olhou. Um silêncio pesado caiu.
— Melhor não saber.
Ela mordeu o lábio, entendendo o recado. Mas havia algo naquele silêncio que dizia mais do que qualquer palavra.
— Eu gosto de gente complicada — ela disse, encarando-o. — Gente que já sofreu. Que não finge perfeição.
Ele a fitou por um longo tempo. Depois, murmurou:
— Isso pode ser perigoso.
Nos dias que se seguiram, a relação entre eles foi ficando mais carregada. Olhares demorados. Toques sutis. Conversas que diziam pouco, mas diziam tudo. Isabela sentia o corpo estremecer sempre que Lorenzo passava perto. E ele… ele parecia lutar contra alguma coisa dentro de si.
Uma noite, a padaria já fechada, ficaram apenas os dois. A chuva caía fina lá fora, e o rádio tocava uma música antiga em francês. Ela limpava os últimos copos, ele organizava as prateleiras.
Quando seus dedos se encontraram ao pegar o mesmo pano, os olhos se cruzaram. Longamente. Sem palavras.
— Lorenzo…
Ele se aproximou, devagar. Como quem não sabia se devia. Mas queria.
— Não faz isso se não for real — ela sussurrou, a respiração já acelerada.
— Você acha que eu não sinto? — ele respondeu, rouco, e antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, sua boca estava na dela.
O beijo foi intenso, quente, cheio de urgência. Ele a encostou contra o balcão, as mãos firmes em sua cintura. Por um instante, o mundo lá fora desapareceu — não havia chuva, Londres, máfia, passado. Apenas os dois.
Mas ele se afastou de repente, como se tivesse sido queimado.
— Isso… não devia ter acontecido.
— Por quê?
— Porque eu sou escuridão, Isabela. E você é luz demais.
Ela não disse nada. Apenas observou enquanto ele saía pelos fundos, deixando o cheiro do cigarro e o gosto do beijo pairando no ar como fumaça.
Naquela noite, deitada em sua cama, Isabela tocou uma música country baixinho no celular. Os lábios ainda ardiam. O coração batia como um tambor.
Ela sabia: aquilo não era um simples flerte de trabalho.
Era o começo de algo perigoso. E inevitável.