PÃO QUENTE, CORAÇÃO GELADO
PÃO QUENTE, CORAÇÃO GELADO
Por: C.V. romance
Cheiro de pão e olhares

O cheiro de pão recém-assado invadia as ruas ainda úmidas de Londres naquela manhã fria de outubro. A padaria "The Morning Crust", uma das mais tradicionais do bairro de Camden, abria as portas pontualmente às seis da manhã, com suas vitrines iluminadas exibindo croissants dourados, pães rústicos e bolos de frutas.

Isabela Ramos apertava o cachecol no pescoço e respirava fundo antes de empurrar a porta de vidro. Era seu primeiro dia. Vinda do Brasil há poucos meses, conseguira aquele emprego por indicação de uma amiga. A jovem de 23 anos, com longos cabelos castanhos, olhos cor de mel e um sorriso que sempre escapava quando a música tocava no rádio, sonhava com uma vida simples. Seu coração batia no ritmo de forró, rodeios e música country. Mas agora, ali, o ritmo era outro.

— Bom dia — disse ela, com um leve sotaque e um sorriso tímido.

— Está atrasada — respondeu uma voz grave, vinda do fundo do balcão.

Ela virou o rosto e o viu pela primeira vez: alto, moreno, de barba por fazer e olhos tão escuros quanto a noite sem lua. Usava uma camisa branca com as mangas dobradas e o avental já sujo de farinha. Lorenzo Ricci.

— Desculpe… o metrô…

— Só estou brincando. Relaxa, brasileira — ele disse com um meio sorriso, que desapareceu tão rápido quanto surgiu.

Isabela corou e caminhou até o balcão. Ele mostrou onde ficavam as coisas, ensinou como pesar os pães, como usar o visor da balança eletrônica e como arrumar os doces nas prateleiras. Seus dedos se encostaram brevemente quando ele lhe passou uma cesta de pães, e algo percorreu o braço dela — um arrepio involuntário. Trabalharam em silêncio por quase uma hora, com olhares furtivos cruzando vez ou outra.

O dia foi passando. Às onze, quando a clientela diminuiu, Lorenzo ligou o rádio da cozinha. Uma música instrumental suave começou a tocar. Ele cortava massa sobre uma bancada de inox, com precisão quase militar.

— Você não parece gostar muito de estar aqui — ela arriscou dizer, enquanto organizava o estoque de geleias.

Lorenzo ergueu uma sobrancelha, sem parar de trabalhar.

— E você parece gostar demais… Isso é só uma padaria.

— Pra mim é um começo — ela respondeu com leveza. — Cada lugar tem seu ritmo, seu cheiro. E o cheiro daqui… tem alguma coisa especial.

Ele parou por um instante e a observou.

— Talvez. Mas cuidado com o que parece doce demais. Pode queimar.

Ela sorriu. Ele não. Mas havia algo ali, nos olhos dele — uma faísca escondida atrás de um muro de silêncio.

À tarde, enquanto ela varria o salão principal, um cliente a elogiou pelo sotaque e lhe deixou uma gorjeta. Lorenzo observou de longe, o maxilar travado.

Quando o último pão foi vendido e o céu de Londres escurecia cedo como sempre, os dois ficaram sozinhos limpando a loja. Ao passarem pela porta da cozinha ao mesmo tempo, seus corpos se tocaram brevemente. Um choque. Silêncio. Olhares que se demoraram.

— Lorenzo… — ela murmurou, sem saber exatamente o que ia dizer.

— Vai se acostumar. Aqui é assim: frio por fora, quente por dentro.

Ele abriu a porta dos fundos e acendeu um cigarro, sem dizer mais nada. Isabela o observou de longe, o coração acelerado, como se soubesse que aquele homem, tão cheio de segredos, mudaria a sua vida.

Mas nem nos seus sonhos mais ousados ela imaginaria o quanto.

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