Gabriela tentou se convencer de que aquilo era só um pesadelo mal feito.
Mas era real.
Daniel estava de volta. Não como um arrependido do passado. Não como alguém que veio pedir perdão.
Ele voltou como noivo da mãe dela.
A mãe parecia encantada. Cega. Como se os anos tivessem apagado tudo que ele fez com Gabriela. Ou pior: como se nunca tivesse se importado.
Nos dias seguintes, os convites começaram. Almoços, jantares, reuniões, “em família”.
Gabriela recusava um por um.
— Vai ser bom pra Manu ter mais contato com a avó — dizia a mãe, insistente.
— Não quero expor minha filha a confusão — respondia Gabriela, firme. Mas por dentro, despedaçada.
Uma tarde, Gabriela saiu da escola e buscou Manu na creche. Ao chegar em casa, encontrou um bilhete em cima da mesa da cozinha.
“Levei a Manu para passear no parque com Daniel. Relaxa. Vai fazer bem pra ela. Bjs, mãe.”
O sangue de Gabriela gelou.
Sem pensar, pegou a bolsa, trancou a porta e saiu correndo. O parque ficava a três quadras dali, e o sol já começava a se esconder atrás dos prédios.
O coração dela batia no ritmo da indignação.
Como sua mãe teve coragem? Como Daniel se atrevia?
Ao avistar os dois perto dos brinquedos, Gabriela parou.
Daniel estava sentado no banco, com Manu no colo. Ele sorria, mostrando alguma coisa no celular. A menina ria alto, encantada.
Era a risada de Manu que doía mais.
Gabriela se aproximou com passos duros.
— Desce agora, Manu — disse ela, séria.
Daniel se levantou.
— Gabriela, espera. Não é o que você pensa…
— Você nunca sabe o que eu penso, Daniel. Você me deixou no altar. Sumiu. E agora aparece como se nada tivesse acontecido?
— Eu tentei… mas…
— Mas? Não ouse justificar — ela cortou, a voz firme, tremendo por dentro. — Você perdeu esse direito. E se pensa que vai brincar de ser pai agora, esqueça.
Daniel olhou para Manu, depois para Gabriela.
— Ela é minha filha, não é?
Silêncio.
Gabriela sentiu os olhos arderem.
— Vá embora, Daniel.
Ele hesitou, depois saiu. A mãe correu atrás dele alguns segundos depois, gritando o nome dele.
Gabriela pegou Manu no colo.
— Mamãe, por que você tá chorando?
Ela respirou fundo.
— Porque às vezes... desculpa filha, vamos para casa.
Naquela noite, Gabriela sentou-se sozinha na varanda. A cidade aos poucos mergulhava no silêncio da madrugada.
Ela queria entender o motivo de tudo aquilo. O Porquê de tudo aquilo, Por que Daniel reapareceu justo agora?
Mal sabia ela... que o caminho já estava a caminho.
Ela fechou os olhos.
E pediu a Deus, sem palavras, só com o pensamento:
“Me mostra o caminho certo. Mesmo que não seja o que eu imaginei.”
O vento soprou levemente, e uma folha solta pousou sobre seu colo.
Era outono.
As árvores estavam perdendo suas folhas — e, de alguma forma, Gabriela também. Perdendo certezas. Perdendo o controle. Perdendo o medo, talvez.
Ela olhou para o céu.
As estrelas estavam lá, mesmo escondidas pela luz da cidade. Invisíveis, mas presentes. Como a fé que ela se esforçava para manter.
Foi quando ouviu.
— Perdão, é aqui que mora a Dona Irene?
Gabriela se virou.
Na calçada, um homem segurava uma sacola de compras. Tinha um ar simples, camisa dobrada até os cotovelos, barba por fazer e um sorriso calmo. Ele parecia ter vindo de outro tempo. Ou de outro ritmo.
— É sim, mas ela já foi dormir — disse Gabriela, se levantando devagar.
— Ah... então acho que errei o horário. — Ele sorriu, um pouco sem graça. — Sou Miguel, vizinho novo. Vim trazer umas frutas que ela me emprestou ontem.
— Gabriela — ela respondeu, cruzando os braços, cautelosa.
— Bonito nome. — Ele ofereceu a sacola. — Pode entregar por mim?
Ela pegou sem dizer nada.
— Boa noite, Gabriela. — Ele acenou antes de descer os degraus.
Ela observou enquanto ele se afastava rua abaixo.
Algo nela estranhamente se acalmou.
Não fazia ideia de quem era aquele homem.