Gabriela segurava a mão de Manu enquanto subia as escadas do prédio onde sua mãe agora morava. A pequena pulava um degrau sim, outro não, cantarolando baixinho uma música da escola.
— Mamãe, a vovó vai ter bolo? — perguntou com os olhos brilhando.
— Vai sim, filha. — Gabriela forçou um sorriso. — A vovó sempre tem.
Era o primeiro domingo que passariam juntas desde a mudança da mãe para a cidade. Gabriela hesitou várias vezes antes de aceitar o convite. Mas achou que estava na hora de dar uma nova chance ao convívio — mesmo que o passado ainda doesse.
Ela não fazia ideia do que a esperava ao tocar a campainha.
A porta se abriu. A mãe, radiante, vestida com uma blusa de cetim lilás, a abraçou com entusiasmo.
— Gabi, querida! Que saudade! — disse, abaixando-se para abraçar Manu logo em seguida. — Olha só como essa princesa cresceu!
Gabriela entrou com a filha pela mão. O apartamento era novo, decorado com móveis caros e arranjos florais modernos. Estranhamente impessoal.
— Tem visita? — perguntou Gabriela, ao ver dois copos de vinho na mesa da sala.
— Ah, sim… — a mãe hesitou. — Quero te apresentar uma pessoa.
Gabriela virou o rosto… e parou. O coração pareceu cair no chão.
Ali, sentado no sofá de linho cinza, estava Daniel.
O mesmo.
Mais velho, mais sério, com o mesmo olhar profundo que um dia prometeu amor eterno — e depois sumiu.
— Olá, Gabriela — disse ele, com a voz grave.
Ela não conseguiu responder.
— Esse é Daniel… meu noivo — completou a mãe, sorrindo, sem notar o choque nos olhos da filha.
Noivo.
A palavra explodiu por dentro. O mundo girou.
— Desculpa, o quê? — Gabriela perguntou, encarando Daniel, que mal conseguia sustentar o olhar.
— Eu… não sabia que vocês se conheciam — disse a mãe, surpresa com a reação. — Vocês… já se viram?
Gabriela riu. Um riso seco, curto. Quase um soluço de dor contido.
— Já. Nós íamos nos casar. Mas ele não apareceu.
A taça de vinho da mãe estremeceu na mão.
Silêncio.
Manu puxou a barra da blusa de Gabriela.
— Mamãe, o moço é amigo da vovó?
Gabriela pegou a filha no colo.
— É, filha. Um velho conhecido.
Daniel continuava calado. Os olhos diziam tudo: ele sabia. Sabia quem era Manu. Sabia quem era Gabriela. Sabia que aquela coincidência não era coincidência nenhuma.
Gabriela pegou sua filha no colo e saíram as pressas da casa sem dizer mais nada!
Naquela noite, Gabriela não dormiu.
Sentada à beira da cama, com Manu já adormecida, ela revivia o olhar de Daniel, o constrangimento da mãe, a dor de sentir o passado bater à porta — com aliança nova no dedo e sorriso fingido no rosto.
“Por quê, Deus? Justo agora?”
Abriu a Bíblia que ficava ao lado da cama. Caiu em Provérbios 3.
“Confie no Senhor de todo o coração e não se apoie em seu próprio entendimento.”
Gabriela fechou os olhos.
Ela não entendia nada. Mas sabia de uma coisa: não fugiria dessa vez, ela queria respostas!
Se a vida quisesse colocar Daniel no mesmo teto, ela enfrentaria.
Mas não se renderia.