Antes - Logo de manhã

Parte 1...

Valentina

O cheiro de café queimado e pão fresco invadia o corredor do internato, abafado pelo eco distante do sino anunciando a troca de aula.

Apertei os livros contra o peito, tentando ignorar a sensação de que algo estava errado desde que acordei. Talvez fosse paranoia… Ou talvez fosse a forma como Madame Collier, a diretora, evitou olhar nos meus olhos no café da manhã.

— Valentina, vamos – Kira me chamou, saindo do banheiro.

— Eu já estou pronta – peguei a chave da sala — É você quem está atrasada.

— Se eu não tomasse um banho, não ia conseguir levantar e ir para a aula. Estou morrendo de sono.

— A culpa foi sua – parei ao lado dela e falei baixo como se as paredes tivessem ouvidos — Eu avisei que estava tarde, mas você insistiu em ficar mais um pouco.

— Ah, mas você viu bem o motivo? – fez uma cara descarada — Você viu o tamanho daqueles músculos? – fez o gesto com as mãos — Eu tinha que ficar, né!

— Kira, você é muito maluca, amiga – abri a porta — Vamos logo porque temos que tomar o café e depois abrir a sala para o pessoal.

— Não sei porque você inventou de ficar responsável por isso – ela torceu a boca — A gente já tem tanta coisa pra fazer e você ainda me inventa mais – balançou a cabeça — Quase não deu tempo de ir para a boate.

— Fala baixo – disse apertando o braço dela e olhando em volta — Você quer que alguém ouça isso e saia fofocando por aí?

— Ah, não tem ninguém por perto – olhou para trás — E você acha que os outros também não fazem o mesmo?

— Eu acho que as malucas somos nós. Os outros seguem as regras.

— Que seguem, nada – abanou a mão — O Silas e a Bianca vivem quebrando as regras.

— Os dois não contam – ri e ajeitei o cabelo que escapava do coque — São iguais a gente.

— E por falar neles – indicou com o queixo.

— Oi! – Silas parou e deu uma olhada na gente — Por que as duas bonecas estão com cara de sono ainda? – fez um gesto com o dedo apontando até nossos pés.

— E por que você está tão fresquinho de manhã logo cedo? – Kira colocou a mão no quadril.

— Porque eu tive uma boa noite de sono, meu amor. E você?

— Eu? – ela virou os olhos com uma cara de suspense — Eu tive alguns bons momentos, por isso demorei a dormir.

— Hum... O que a senhorinha está insinuando?

— Ela não está insinuando nada – peguei a mão dele — Essa maluca ficou até tarde na boate ontem, se pegando com um cara novo e eu tive que ficar de resguardo.

A cara de Silas foi cômica. Ele arregalou os olhos e abriu a boca, cobrindo com as mãos, olhando de Kira para mim.

— Mentira!

— Verdade! – ela se balançou — Eu ontem tive um pouco de diversão fora desses muros altos, cheios de proibições.

— Garota, me conta tudo... Agora! – ele se agarrou ao braço dela — Conta!

Bianca ia passando pelo outro corredor e quando nos viu, veio correndo até mim, com uma cara de susto.

— Valentina... Valentina... – parecia sem ar.

— Calma... O que foi? – eu franzi a testa.

— A diretora quer falar com você – ela parou e respirou fundo para recuperar o ar — Agora!

— Comigo? – franzi os olhos — E por que?

— Eu não sei, mas a cara dela não estava lá muito boa, não.

— Ixi... Será que ela descobriu que vocês saíram ontem à noite? – Silas se inclinou pra mim.

— Vocês saíram ontem? – Bianca colocou as mãos na cintura — E por que não me chamaram?

— Porque você estava estudando com a Lucile, esqueceu? – Kira respondeu — A gente saiu depois que o pessoal foi para os quartos.

— Poderiam ter me avisado antes.

— Eu não tenho culpa – ergui a mão — Foi a Kira quem teve a ideia.

— Claro, tinha que ser ela – Silas apertou os lábios com um sorrisinho.

— Até parece que você também não inventa das suas, sempre que pode.

— Gente... Foco aqui em mim, por favor – estalei os dedos — O que será que a Madame Collier quer comigo agora tão cedo?

Bianca abriu as mãos, balançando a cabeça com cara de perdida.

— Ela não me disse nada. Só mandou te avisar. Acho melhor você ir logo.

— Mas eu nem tomei o café da manhã.

— Ih... Problema seu, querida. Vai logo – Silas me empurrou na direção do corredor — Vai logo e depois volta pra contar pra gente.

— Toma – entreguei pra ele a chave — Já que eu vou estar ocupada com a diretora, então vocês vão abrir a sala.

— Por que você pegou essa responsabilidade?

— Isso, foi o que eu perguntei a ela – Kira me cutucou no ombro — Agora a gente é que vai ter que comer rápido para abrir essa sala. Saco!

— Saco digo eu – cocei a cabeça — Será que a Madame Collier descobriu que a gente saiu ontem?

— Não tem como – Kira abriu os braços — A gente saiu pelos fundos. Ninguém viu a gente, tenho certeza disso.

— Verdade – Bianca assentiu — Se alguém tivesse visto, vocês iam ter uma surpresa quando voltassem.

Eu puxei o ar fundo e soltei devagar. Então o que será que a diretora queria comigo?

— Tudo bem, eu tô indo. Depois a gente se fala. – apertei os livros contra o peito.

— Coragem, amiga – Silas me empurrou de novo — Vai... Vai indo...

Fui andando para a sala da diretora, tentando adivinhar o que seria para ela me chamar tão cedo. O “agora” foi que me gelou. Ninguém era chamado tão cedo assim, se não fosse por algo muito sério. Fiquei preocupada.

O corredor estava silencioso. Meus passos ecoavam no piso encerado. Bati duas vezes na porta e ela mandou que entrasse.

Ao entrar, Madame Collier estava lá, rígida como sempre, mas havia outra pessoa na sala com quem ela conversava. Um homem alto, de terno preto impecável, postura militar, olhar frio. Reconheci o sotaque italiano antes mesmo que ele falasse comigo.

— Menina Moretti, sente-se aqui – a diretora apontou uma cadeira.

Sentei com uma curiosidade grande e olhei para o homem à minha frente.

— Senhorita Moretti - ele se inclinou levemente. — Sou Carlo Mancini. Venho em nome de seu pai.

Meu estômago se contraiu. Fazia anos que não via meu pai pessoalmente, desde que ele me deixou aqui, aos onze anos, sem qualquer explicação além de “é para o seu bem”.

— O que houve? - perguntei, tentando controlar a voz. — Meu pai está doente?

— Seu pai está muito bem de saúde, senhorita. Minha vinda até aqui foi por outro motivo.

— E que motivo seria?

— O seu futuro!

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