Mundo ficciónIniciar sesión
Nasci em meio a uma ausência. Minha mãe morreu ao me dar a vida, e meu pai… bem, ele nunca fez questão de mim conhecer —Tudo o que sei é o que minha avó, dona Marta, me contou: os dois se conheceram em uma viagem à Bahia, foi um amor de verão, desses que começa e acaba rápido e deixam profundas. Quando soube da minha existência, ele apenas disse que não queria se envolver. E desapareceu.
Fui criada pela minha avó, uma professora de alma doce e mãos firmes, que fez da nossa casa simples o lugar mais cheio de amor do mundo. Ela perdeu o marido ainda jovem, e quando eu nasci, já estava sozinha. Dizia que eu cheguei para dar novo sentido à vida dela — e, de fato, fui a razão do seu sorriso por muitos anos, nos amávamos muito. Quando completei vinte e dois anos, o coração dela começou a falhar. “Minha filha, não quero que pare de estudar”, ela me dizia com aquele olhar sereno que disfarçava o medo. “Temos essa casa e meu salário,fiz uma pequena poupança. Quero que, quando eu me for, você tenha uma profissão e fique bem.” “Vó, não fala assim... eu só tenho a senhora”, implorei, tentando segurar o choro. “Eu sei, minha querida, mas há coisas que não estão ao nosso alcance. A vida… é uma delas.” Deitei no colo dela na varanda, como fazia quando era criança. As lágrimas caíam, e ela passava a mão nos meus cabelos cacheados, dizendo o quanto os achava lindos. Dizia que eles lembravam o cabelo do meu avô Leonardo, o grande amor da vida dela. Havia tanta saudade no peito dela… e um silêncio que eu já temia ser de despedida. Minha vó sempre fez o possível para me dar o melhor. Graças a ela, estudei num bom colégio particular, onde tive bolsa por ela ser professora,aprendi inglês e me apaixonei pela Itália , através dos livros— tanto que acabei aprendendo a língua sozinha. Ela se orgulhava tanto de mim… “Minha Aninha vai longe”, repetia sempre. Os meses seguintes foram de hospital em hospital. Quando chegou o dia da minha formatura, ela já estava muito fraca, mas insistiu em ir. Lembro dela ali, em sua cadeira de rodas, com os olhos marejados de alegria. Ficou o tempo que pôde. Eu sorri para ela no palco, e o sorriso dela de volta foi o maior prêmio que eu poderia receber. Naquela noite, ela quis que eu ficasse com minha turma para comemorar, já tinha combinado com a Madrinha tudo sem que eu soubesse. Foi a última vez que a vi sorrir.Ela foi para casa com a dinda Lia. Lia era mais que madrinha — era como uma segunda mãe. Viúva, professora, e a melhor amiga da minha avó. As duas se conheciam há décadas, e quando eu nasci, Lia ajudou a me criar com o mesmo carinho. Carioca de nascimento, mas mineira de coração, ela morava conosco há anos. E foi essa convivência que me permitiu concluir o estágio sem tantas preocupações. Naquela manhã, acordei e percebi que a casa estava estranhamente silenciosa. Pouco depois, ouvi um grito vindo do quarto da minha avó. Corri. Ela estava passando mal. Chamamos a ambulância, mas o tempo já tinha decidido o que seria. Com lágrimas nos olhos, ela segurou minhas mãos, e no último olhar que trocamos, entendi o que é amor incondicional — e despedida. Os dias seguintes foram apenas cinza. A casa parecia vazia, e meu peito, um deserto. Dinda Lia foi meu amparo, meu porto em meio à dor. Dois meses depois, Eu recebi uma proposta de emprego no Rio de Janeiro. Como tínhamos alguns parentes da minha madrinha lá, decidimos recomeçar juntas. Vendi a casa, juntei o que tinha e parti. Deixei para trás as lembranças mais doces e doloridas da minha vida — e levei comigo a promessa que fiz à minha avó: seguir em frente, não importa o quanto doesse






