Capitulo 3

Capítulo 3

Aurora Sinclair

Siena despertava lentamente, banhada pelos primeiros raios tímidos do sol que tocavam as ruas de paralelepípedo com uma delicadeza quase poética. Para a maioria das pessoas, era apenas mais uma manhã qualquer. Para mim, era mais um degrau na longa escadaria rumo a uma nova vida. Mais um dia vencido. Um a menos entre eu e Palermo.

Desde que decidi deixar para trás aquela cidade pequena — e com ela, as lembranças que me sufocavam —, minha rotina se tornou uma maratona silenciosa. Eu não podia me dar ao luxo de descansar. Dormir, comer bem ou relaxar... eram privilégios que a minha realidade não permitia.

Meus dias começavam antes mesmo que o céu clareasse. O despertador soava às cinco da manhã, e por mais que meu corpo implorasse por mais alguns minutos, eu me levantava com esforço, como quem arrasta correntes invisíveis. Lavava o rosto na água gelada da velha pia da kitnet, tentando afastar o torpor da exaustão. Quando havia café, preparava uma xícara fraca; quando não, improvisava com o que restava do dia anterior — geralmente, um pedaço de pão ressecado.

O hotel onde eu trabalhava como recepcionista era modesto, mas movimentado. Recebia hóspedes de todos os tipos: alguns gentis, outros impacientes, e outros ainda que pareciam acreditar que podiam pisar em mim só porque eu usava um crachá e um sorriso cansado. E eu sorria, mesmo assim. Cada palavra engolida era um investimento. Cada turno cumprido, um tijolo na ponte que me levaria embora dali.

Quando o expediente terminava, eu cruzava a cidade a pé. Não havia espaço para gastos desnecessários, nem mesmo a passagem do ônibus. O cansaço martelava meus pés, mas eu o ignorava. A biblioteca me esperava.

Aquele era meu lugar favorito. O cheiro dos livros antigos, o som suave das páginas sendo viradas, a tranquilidade silenciosa entre as estantes... tudo ali me abraçava. Meu trabalho como assistente era simples: organizava prateleiras, auxiliava os visitantes, anotava devoluções. Mas para mim, aquilo era um refúgio. Sempre que podia, lia escondido, devorando histórias que me levavam para mundos distantes. Através dos livros, descobri que havia vida além de Siena. Que existiam possibilidades para quem ousasse sonhar — e lutar por elas.

Depois da biblioteca, mais uma longa caminhada até o prédio comercial onde eu limpava salas vazias e banheiros esquecidos. Era o trabalho mais árduo, mas também o mais silencioso. O cheiro forte dos produtos de limpeza queimava meu nariz, e minhas mãos, expostas a tantos químicos baratos, viviam rachadas e doloridas. Mas eu não reclamava. Cada chão limpo, cada lixo recolhido, era uma pequena vitória pessoal.

As noites me encontravam exausta, com o uniforme amarrotado colado ao corpo e o estômago implorando por algo mais do que silêncio. Muitas vezes, adormecia no colchão fino sem sequer ter forças para me trocar. E então, como num ciclo inquebrável, o dia recomeçava.

Mas eu resistia. Porque havia uma chama dentro de mim que não se apagava. Eu estudava nas madrugadas, aproveitando os livros emprestados da biblioteca. Com muito esforço e uma dose de coragem, comecei um curso básico de secretariado, usando o pouco que economizava. Eu precisava estar pronta. Precisava ter algo a oferecer quando finalmente chegasse a Palermo.

Cada centavo era contado com precisão. Eu fazia e refazia contas, planejando cada passo, medindo o tempo que ainda teria de suportar até ter o suficiente para partir. A rotina era brutal, mas eu seguia. Porque tinha algo maior me impulsionando: a esperança.

E então, após um ano inteiro de trabalho incansável, o dia chegou.

Com as mãos trêmulas, peguei o envelope onde guardava minhas economias. Dentro dele, estava minha passagem para Palermo. Olhei aquele bilhete como se fosse a chave de uma cela sendo destrancada. Pela primeira vez em muito tempo, meu coração batia com algo que não era apenas medo — era expectativa. Era vida.

Estava deixando para trás uma cidade que, embora me tivesse visto crescer, jamais me acolhera de verdade. Estava deixando uma rotina marcada por dor e superação. Não sabia o que me esperava em Palermo. Mas sabia que, pela primeira vez, havia uma chance real de recomeçar. E eu não pretendia desperdiçá-la.

Sigue leyendo este libro gratis
Escanea el código para descargar la APP
Explora y lee buenas novelas sin costo
Miles de novelas gratis en BueNovela. ¡Descarga y lee en cualquier momento!
Lee libros gratis en la app
Escanea el código para leer en la APP