SEUL – 22h34 – COBERTURA DO GRUPO SEO
O céu de Seul brilhava com os reflexos de luzes artificiais, mas Jae-Min Seo não via nada além de escuridão. Do alto da cobertura de vidro blindado que coroava o prédio do Grupo SEO, ele encarava a cidade como quem analisava um campo de guerra. Vinte e oito anos. Dois metros de altura. Um império herdado e dobrado sob os próprios punhos. E agora... uma aliança. A tela do tablet exibia o rosto da mulher com quem se casaria em menos de vinte e quatro horas: Aurora Callahan, herdeira de uma fortuna californiana construída com petróleo, tecnologia e silêncio sujo. Ruiva, olhos verdes, pele clara como mármore, e um histórico de escândalos abafados com cifras de sete dígitos. — Você a conhece? — perguntou Taewon, seu braço direito, interrompendo seu silêncio. — Essa garota não parece do tipo que aceita ordens. Jae-Min não respondeu de imediato. Levou o charuto aos lábios, tragou com calma, como se cada centímetro da fumaça que preenchia os pulmões fosse uma forma de resistência àquele pacto arranjado. — Não preciso que ela aceite ordens — ele disse por fim. — Preciso que ela assine. — E depois? — Depois... ela que lute. --- CALIFÓRNIA – 14h21 – VILLA CALLAHAN O som do mar batia contra os rochedos abaixo da mansão como um aviso: fuja enquanto pode. Mas Aurora Callahan mantinha os pés fincados na varanda da ala oeste, com os braços cruzados e o vestido branco esvoaçando como se quisesse levá-la dali. Ela não estava nervosa. Estava furiosa. — Você quer me vender como moeda de paz para mafiosos coreanos, mãe? — É um contrato, não um leilão. — Valerie Callahan, sempre impecável, ajustou os brincos de pérola como se estivesse apenas discutindo o cardápio do jantar. — Ele é um CEO com histórico de corrupção, prisões secretas, tortura industrial! — Aurora esbravejou. — Isso está em relatórios! — E você é uma herdeira com três processos silenciados, dois ex-namorados enterrados e uma overdose em Paris. Ele é o único homem que pode te dar proteção sem te transformar em posse. — A mãe se virou, olhando nos olhos dela. — Ou prefere ir para a prisão ao invés do altar? Aurora apertou os punhos. — Prefiro o inferno. — Então se acostume com o calor, querida. O voo para Seul parte em três horas. --- NO DIA DO CASAMENTO – SEUL – 18h07 – SALÃO DE CRISTAL Flores negras. Ternos sob medida. Guardas armados disfarçados de garçons. A cerimônia não era romântica — era um ritual de guerra. Jae-Min Seo entrou primeiro. Passos firmes. Olhos gelados. Um anel de platina no dedo mindinho e a cicatriz discreta na mandíbula esquerda, herança de uma emboscada aos dezoito anos, que ele jamais cobriu. A cada passo, o salão silenciava. Havia algo nele que fazia homens abaixarem a cabeça e mulheres prenderem a respiração. Aurora chegou depois. Vestido escarlate. Cabelo solto em ondas, lábios tão vermelhos quanto a rosa que segurava — símbolo de um casamento que nascia sangrando. Quando os olhos dos dois se cruzaram, o impacto foi imediato. — Você parece entediado — disse ela, em inglês, com um sorriso de desprezo. — Achei que CEO's criminosos fossem mais... ameaçadores. — Você parece impulsiva — respondeu ele, sem alterar o tom. — Achei que herdeiras mimadas chorassem mais. — Me dê motivo. — Me dê silêncio. Aurora arqueou a sobrancelha, mas não respondeu. Eles caminharam juntos até o altar, onde o juiz coreano — uma peça simbólica no jogo político — começou a leitura do contrato. Não votos. Não promessas. Apenas cláusulas, prazos e penalidades. E então, o momento. — Senhor Seo Jae-Min, aceita Aurora Callahan como sua esposa legítima, sob os termos da união acordada entre as famílias? Ele olhou para ela. E disse: — Aceito. — Senhorita Callahan? — Eu aceito… sob protesto. As assinaturas foram colhidas. O anel escorregou no dedo dela com precisão cirúrgica. Os aplausos ecoaram frios. Mas o beijo... nunca veio. Jae-Min virou-se, oferecendo apenas o braço para sair do altar. Aurora o acompanhou, com o mesmo sorriso venenoso. — Nem um selinho? — provocou. — Só beijo o que escolho — ele respondeu. — E você não me escolheu. — Ainda não. --- MANSÃO SEO – SUÍTE PRINCIPAL – 23h19 A noite tinha cheiro de tensão e fumaça. Aurora estava em frente ao espelho, removendo o batom com agressividade. Estava prestes a tirar o vestido quando a porta se abriu sem bater. Jae-Min entrou. — Pretende dormir vestida? Ela se virou, ainda com o zíper pela metade. — Pretendo dormir sozinha. É um casamento, não uma sentença de cela conjugal. Ele não sorriu. — É um contrato. E você é parte do meu império agora. O que você faz, respira ou diz, afeta meu nome. E meu nome... é mais pesado que o teu sangue. Aurora se aproximou, ousada, desafiadora. — Eu não sou tua posse, Jae-Min. Não sou uma das tuas secretárias submissa, nem uma flor do leste. Eu sou Aurora Callahan. E se você me tocar sem permissão... Ele a interrompeu, encurtando a distância. — Você vai gritar? — Eu vou morder. Os dois ficaram tão próximos que podiam sentir a respiração um do outro. A tensão entre eles era fogo e pólvora. E nenhum dos dois ia recuar. — Boa noite, Aurora. — Ele recuou. — Durma com um olho aberto. Ela sorriu. — Sempre durmo assim... quando estou em território inimigo. TRÊS DIAS DEPOIS – JANTAR DE APRESENTAÇÃO DAS FAMÍLIAS – 20h43 O salão principal da mansão Seo estava impecável. Lustres de cristal refletiam a luz sobre pratos de porcelana importada, e uma trilha sonora clássica preenchia o ambiente com um ar de falsa tranquilidade. Tudo cheirava a poder, controle e perigo cuidadosamente disfarçado. Aurora, vestida em um longo verde-esmeralda que valorizava os cabelos ruivos soltos, caminhava entre os convidados com a postura de uma rainha. Ela sabia se portar, sabia como jogar. Mas internamente, ela sentia-se encurralada. As conversas sussurradas, os olhares atentos... ela era a estrangeira ali. E foi quando a voz veio por trás, doce e melódica, quase falsa: — Você deve ser a nova esposa do nosso CEO. Aurora virou-se e viu uma jovem de pele clara, olhos puxados e cabelo castanho claro preso em um coque elegante. O vestido de veludo azul marinho moldava suas curvas, e o sorriso carregava veneno. — Skylar Seo. — A mulher estendeu a mão. — Prima de Jae-Min. E… antiga parceira de algumas decisões importantes. Aurora apertou a mão dela, firme. — Aurora Callahan. Esposa. Parceira atual. E... dona de metade do que ele controla agora. Skylar riu com leveza, mas os olhos analisaram cada detalhe da ruiva. — Metade é uma palavra ambiciosa, querida. Mas gosto de ambição. Desde que não ameace a estrutura. Aurora inclinou a cabeça. — A estrutura já estava rachada antes de eu chegar. Só estou reorganizando os escombros. O olhar entre as duas durou mais do que deveria. — Você parece… diferente do que imaginei — Skylar disse por fim. — E você parece exatamente como eu imaginei. Jae-Min se aproximou naquele momento, e o clima ficou ainda mais denso. — Skylar. — Ele assentiu brevemente. — Pensei que estivesse em Tóquio. — Voltei assim que soube do casamento. Não poderia perder o momento em que meu primo se tornaria marido de uma americana impulsiva. — Que pena. Eu esperava que você tivesse um pouco mais de... tato — respondeu Aurora, sorrindo para ele. — Ela me chamou de impulsiva. Mal sabe que já pensei em explodir esse salão. — Por favor, exploda com estilo — Jae-Min murmurou ao seu ouvido, antes de afastar-se com Skylar. Aurora observou os dois. A forma como Skylar o tocava no braço ao falar. O jeito como ele mantinha a expressão fria, mas deixava que ela se aproximasse mais do que o necessário. Aquilo não era apenas uma prima. Era uma ameaça. --- NOITE – SUÍTE PRINCIPAL – 00h09 — Você dormiu com ela? — Aurora perguntou diretamente, tirando os brincos enquanto observava o reflexo de Jae-Min no espelho. Ele estava no canto do quarto, desfazendo o nó da gravata. — Sim. A resposta foi crua, sem rodeios. Ela não esperava. — Isso antes de mim? — Durante... outros tempos. Negócios se misturam com prazer. Acontece. Aurora virou-se, passos firmes. — E você trouxe ela para dentro da nossa casa? — Essa casa não é sua, Aurora. Ela caminhou até ele, parando a centímetros. — Não subestime a mulher com quem se casou, Jae-Min. Não tenho medo de Skylar, nem do seu passado. Mas se ela ousar cruzar a linha, vai aprender que o inferno... tem nome e sobrenome. Ele sorriu de lado, finalmente demonstrando uma emoção genuína. — Você me diverte. — Você me provoca. — E isso te excita? — Não — ela mentiu. A tensão entre eles era quase insuportável. Mas nada aconteceu. Apenas silêncio. Apenas distância. Naquela noite, dormiram separados. Mas nenhum dos dois fechou os olhos. --- DOIS DIAS DEPOIS – CENA PÚBLICA – 17h52 – HOTEL IMPERIAL SEOUL O casal foi convidado para um coquetel de gala em apoio a uma fundação de refugiados — uma fachada para negociações políticas. A imprensa estava em peso. Fotógrafos, empresários, mafiosos e investidores dividiam o mesmo salão. Aurora usava um vestido preto com costas nuas, elegante e fatal. Jae-Min, em um terno azul escuro com detalhes prateados, parecia uma sombra viva. Durante o evento, Skylar aproximou-se mais uma vez. Dessa vez, diante das câmeras. Ela tocou o ombro de Jae-Min, cochichou algo e riu alto. Fotografias captaram tudo. Aurora fechou a taça com força. — Se ela se jogar mais uma vez no seu colo, vou levantar esse vestido e mostrar que você é meu, tatuado na pele. Jae-Min virou-se lentamente para ela, intrigado. — Você tem meu nome tatuado? — Ainda não. Mas eu tatuo. Na sua pele. Com as minhas unhas. Ele encarou Aurora por um segundo... e então a puxou pela cintura, colando os corpos no meio do salão. — Me beija. — Por quê? — Porque eles estão olhando. E eu estou cansado de fingir que você não me afeta. Ela não respondeu. Apenas o beijou. E o mundo desabou. Câmeras clicaram. O salão congelou. A tensão acumulada em dias de guerra explodiu em um beijo violento, intenso, cheio de raiva, desejo, posse. Aurora mordeu o lábio dele no final. — Da próxima vez que Skylar tocar em você... não vai ter beijo. Vai ter sangue. Jae-Min sorriu. E naquele sorriso, ela viu pela primeira vez... um traço de respeito.