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1 - Offline para o amor

Há alguns anos, Clara era uma jovem recém-formada, cheia de sonhos, mas sem certeza sobre qual caminho seguir. Ela trabalhava em uma pequena agência de marketing, onde passava boa parte do tempo no celular. Foi ali que ela postou sua primeira foto "planejada" nas redes, um café com o pôr do sol ao fundo.

No dia seguinte, ao checar o celular, Clara arregalou os olhos.

"Dez mil curtidas?" – ela disse, rindo sozinha enquanto lia os comentários entusiasmados: "Que vibe!", "Quero uma vida assim!"

Semanas depois, ao comentar sobre o sucesso da foto com sua colega e amiga, Lia, ouviu pela primeira vez o que viria a ser seu mantra.

"Você é a cara do I*******m, Clara!" Lia riu. "Por que não começa a postar fotos assim? Olha a grana que essas influencers ganham... é quase surreal!"

Clara balançou a cabeça. "Ah, nada a ver. Quem vai querer ver minha vida?"

Lia sorriu, já vislumbrando algo. "Todo mundo, amiga. Você sabe fazer a vida parecer... linda."

Assim, Clara mergulhou de vez no mundo das redes. Inicialmente, suas postagens eram esporádicas, mas logo os comentários, elogios e a sensação de ser querida a fisgaram. A cada novo post, ela investia mais tempo, mais energia – e, antes que percebesse, seu feed virou uma sequência impecável de momentos cuidadosamente editados.

Um ano depois, durante uma viagem patrocinada, Clara teve uma conversa reveladora com Lia.

"Eu... não sei mais o que é espontâneo e o que é planejado." Clara suspirou, olhando para o mar, como se ele pudesse responder à sua dúvida.

"Mas isso não importa, Clara!" Lia rebateu. "As pessoas amam isso! E, sinceramente, qual a diferença? Espontâneo ou planejado, é tudo sobre mostrar o que elas querem ver."

Clara riu, ainda incerta. "Acha que vale a pena?"

"Vale." Lia afirmou sem hesitar. "Essas pessoas estão te dando uma vida que você jamais teria sem elas."

Clara continuou a olhar para o horizonte, sentindo um leve peso. Mas, quando a notificação de mais de mil novos seguidores brilhou na tela, aquele incômodo foi abafado pela satisfação de saber que agora ela era alguém importante – pelo menos online.

Com o tempo, a vida de Clara se tornou um emaranhado de filtros, luzes e ângulos. Toda manhã, ela acordava e passava horas ajustando cada detalhe ao redor: o quarto parecia sempre arrumado, o café estava impecável em sua xícara de porcelana e, ao fundo, a vista para o jardim parecia saída de um catálogo. Mas por trás dessa perfeição, cada detalhe era minuciosamente planejado, uma rotina sem pausas.

Para Clara, cada momento tinha de ser "instagramável". As viagens, por exemplo, eram cuidadosamente coordenadas com parceiros de marcas que esperavam postagens diárias com suas tags e produtos em destaque. Em um desses trabalhos, ela se encontrava em Paris, mas, ao contrário do que mostravam as fotos, ela pouco aproveitava a cidade.

"Preciso de uma foto perfeita no Louvre antes das 8h da manhã." – sussurrava para si mesma, ignorando o frio da manhã e o desejo de realmente entrar no museu. Uma viagem que deveria ter sido de descobertas e passeios virou um cronograma apertado de cliques, edições e atualizações.

Em uma noite durante essa viagem, enquanto lia os comentários, Clara encontrou uma mensagem que a deixou reflexiva: "Queria ter uma vida assim, mas parece até inatingível... Você não cansa dessa perfeição?"

Ela apagou o comentário. Em resposta, postou uma foto sorrindo, com a legenda: "A perfeição está nos olhos de quem vê 🌟".

Seus seguidores não viam os bastidores: o cansaço, as noites mal dormidas e as incertezas. O que eles viam era uma vida ideal – sem defeitos, sem falhas, sem dias ruins. Para eles, Clara era um ícone de beleza e sucesso, alguém a quem se aspirava. Mas a cada elogio, a cada comentário idolatrando sua rotina, Clara se sentia cada vez mais presa à imagem que criara. Não podia decepcioná-los, então seguia em frente, alimentando a ilusão.

De volta ao seu apartamento, quando finalmente se desconectava à noite, sentia uma onda de vazio. Ela encarava o próprio reflexo no espelho e perguntava a si mesma: "Quem sou eu, fora das telas? O que realmente me faz feliz?" Mas essas perguntas eram facilmente ignoradas na manhã seguinte, quando seu feed a chamava de volta.

Os momentos autênticos de sua vida foram lentamente se dissolvendo em fragmentos de posts. Cada nova experiência era calculada, não vivida. Era o preço da fama digital, e ela começava a perceber que estava perdendo algo valioso no processo – mas ainda não sabia o quê.

Nas redes sociais, Clara e seu namorado, Pedro, pareciam o casal perfeito. Ele era o modelo de namorado que todos idealizavam: atencioso, sorridente e sempre pronto para momentos românticos. Em fotos e vídeos, ele segurava a mão dela com delicadeza, olhava para ela com um sorriso ensaiado e murmurava elogios doces que Clara sabia que fariam sucesso online. Juntos, formavam o casal "goals" que seus seguidores tanto adoravam.

Mas fora das telas, a realidade era outra. Pedro era completamente indiferente aos interesses e emoções de Clara. Ele raramente a escutava de verdade e, em momentos importantes, ela frequentemente o encontrava distraído, mais preocupado com seu próprio telefone do que com qualquer conversa significativa entre os dois. Quando Clara tentava compartilhar seus sentimentos ou inquietações sobre a vida que levavam, Pedro a interrompia, impaciente.

“Você não entende?” – ela perguntou certa vez, com um nó na garganta. “Estou me sentindo tão exausta, Pedro. A gente nunca relaxa, nunca para de atuar.”

Ele deu de ombros, olhando para o espelho enquanto ajeitava o cabelo. “Isso é parte do trabalho, Clara. As pessoas querem ver a gente assim... perfeito. É o que elas pagam pra ver.”

A cada evento público, Clara se sentia cada vez mais distante dele, percebendo que a conexão entre os dois estava limitada ao que eles mostravam nas redes. Nos poucos momentos em que estavam sozinhos, Pedro era frio, suas palavras eram práticas, quase automáticas. Quando Clara tentava sugerir que passassem um fim de semana sem postar nada, ele ria.

“Você quer perder seguidores?” ele retrucava, com um sorriso sarcástico. “Tudo bem se você quer fazer uma ‘desintoxicação’, mas eu não vou prejudicar minha marca por causa disso.”

Esses momentos a deixavam ainda mais frustrada. Ela se perguntava como havia chegado até ali – fingindo um romance para milhares de seguidores enquanto, por dentro, sentia que o relacionamento estava oco, sem amor verdadeiro, sem empatia.

Clara começou a questionar se, para Pedro, ela era apenas mais um acessório, uma parte da imagem que ele usava para se promover. A forma como ele era carinhoso e dedicado em frente às câmeras, mas frio e distante na vida real, começava a desgastar sua paciência e a intensificar a sensação de vazio que ela já sentia em relação à própria vida digital.

Naquela noite, Clara chegou em casa mais cedo do que o esperado após um evento de trabalho. Ela sentia uma necessidade inexplicável de conversar com Pedro, de tentar entender o que ainda restava entre eles. Subiu as escadas devagar, ensaiando as palavras que diria. Mas ao abrir a porta do quarto, seu coração gelou. Ali, diante dela, Pedro estava na cama com outra mulher, despreocupado e sorrindo como se nada no mundo pudesse interrompê-los.

Clara sentiu uma mistura de choque e tristeza profunda. Anos de aparências desmoronaram em um instante. Pedro se levantou rapidamente, tentando se justificar, mas as palavras pareciam ecoar sem sentido para ela. Clara não gritou, não chorou. Apenas pegou sua bolsa e saiu, o som dos saltos ecoando pelos corredores silenciosos do prédio.

Naquela noite, Clara sentou-se sozinha em um café, ainda atordoada pelo que acabara de ver. Pela primeira vez em muito tempo, a ideia de se desligar de tudo – das redes, dos eventos, da vida perfeita – fez sentido. Ela percebeu que precisava de distância, de tempo para se encontrar e decidir quem realmente era, fora da pressão das câmeras e da presença de pessoas como Pedro, que só valorizavam sua imagem.

Com o coração partido e a mente confusa, Clara tomou uma decisão impulsiva, mas essencial: tiraria um mês sabático, longe de tudo e de todos, inclusive das redes sociais. Entrou em contato com Lia naquela mesma noite e foi direta.

"Preciso de um tempo. Vou sumir da internet por um mês, Lia. E não quero desculpas ou justificativas para me manter lá. Preciso disso."

Lia tentou convencê-la, mas Clara estava firme. Desligou o telefone e sentiu algo que há muito tempo não experimentava: um pouco de alívio.

Ela sabia que não seria fácil, mas, ao menos por um mês, não precisaria atuar. Clara estava determinada a se reconectar consigo mesma – sem filtros, sem público, e, finalmente, sem Pedro.

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