Capítulo um

Aurora Fontana

As aulas estavam praticamente começando e eu não tinha a menor vontade de retomar pra universidade. Eu era apaixonada por estudar moda, mas durante o período letivo tudo parecia virar um grande furacão — e estar no meio dele era desesperador.

Então, uma semana a mais — ou dois meses — entre retalhos, croquis e uma bagunça de linhas era muito mais reconfortante. Infelizmente, essa não era a realidade. Eu já me preparava para em breve retomar a rotina de aulas. Muitas coisas prontamente organizadas, como material e os eletrônicos que eu usava, mas a faxina do ateliê ainda era tarefa pendente.

Essa era uma das primeiras vezes que eu não voltava para Como logo no início das férias e ficava por lá até que um novo semestre se iniciasse. A saudade de casa era imensa, mas, dessa vez, eu estava empenhada em uma nova oficina de corte e costura que havia começado e também na procura de um estágio. Faltava um ano até que a minha graduação terminasse e eu queria muito já começar em uma vaga que poderia me abrir portas para a alta costura de Milão.

Suspirei e voltei a desenhar o esboço de um vestido que eu queria costurar para presentear Chiara, minha amiga, que faria aniversário em algumas semanas. Estava praticamente finalizado, e eu amava a modelagem do vestido tomava a cada modificação que eu fazia. A parte do busto era um corset tomara que caia rendado e bem estruturado, a saia, marcada no quadril e com uma fenda que vinha dele e ia até o chão. Ainda faltava eu decidir a cor e desenhar os acessórios que eu queria junto desse vestido.

Eu e Chiara D’Amico nos conhecemos em um bar logo que eu cheguei na cidade. Derramei cerveja nela sem querer e, depois de um pequeno b**e-boca, nos tornamos amigas e não nos desgrudamos mais. Ela também fazia moda, mas estava um pouco mais adiantada que eu, e isso era ótimo, porque ela sempre estava me ensinando algo novo.

Chiara era muito dedicada e talentosa. Sua família sempre esteve inserida no mundo fashion, seu pai tinha uma agência de modelos e a mãe era modelo, e por isso ela tinha se apaixonado por moda. Criar roupas para que a antiga modelo usasse era um dos seus sonhos e por mais que ela já não fizesse mais desfiles em passarelas, ainda era requisitada por ter tido uma carreira surpreendente.

Deixei meu scrapbook quando ajustei mais alguns detalhes e comecei a limpar os resíduos de borracha e as pequenas manchas de grafite que caíram na mesa branca. Eu tinha pavor de deixar minhas coisas sujas ou desorganizadas, e sempre que acontecia parecia que algo na minha cabeça estava errado ou desalinhado.

Meu celular vibrou, diminuindo a música que tocava pelos alto-falantes. Desviei o olhar para a tela, vendo uma notificação de Marco me mandando mensagem confirmando a nossa saída mais tarde. Respondi rapidamente, terminei de organizar os lápis da mesa e saí para tomar um banho e me arrumar.

Quase uma hora depois eu já me encontrava pronta. Os cabelos longos levemente ondulados pelo coque que eu havia feito enquanto tomava banho, um vestido tomara que caia curto e branco, e uma sandália aberta com um salto pequeno. Passei um corretivo, blush, rímel e um gloss. Chequei meu aparelho mais uma vez, conferindo o horário, — Marco chegaria em breve. Desci as escadas indo para a sala. Os babados da peça se mexiam levemente enquanto o salto batia no piso do meu apartamento.

No aparador da sala, peguei a bolsa dourada e verifiquei se estava tudo ali — meu telefone, gloss, as chaves da casa e minha carteira. Meu celular vibrou e a tela acendeu. Marco avisou que iria atrasar e eu suspirei, me sentando no sofá da sala com o aparelho na mão.

Aproveitei o tempo para olhar alguns tecidos para o vestido que eu estava fazendo. Salvei os que eu gostei mais e que eu tinha disponível em casa.

Foi depois de meia hora que a notificação vibrou com uma mensagem do Marco avisando que estava chegando. Me levantei, arrumei meu vestido e peguei a bolsa que estava ao meu lado, guardando meu celular. Apaguei as luzes que estavam acesas, deixando apenas um abajur próximo da porta ligado.

Saí de casa, trancando a porta e seguindo para o elevador. No hall do prédio, Marco me esperava com uma calça marrom clara, uma regata branca e um buquê de girassóis. Seu semblante parecia nervoso, e a mão que segurava o buquê apertava o caule fortemente. Franzi o cenho para a cena, mas ignorei. Marco nunca tinha me dado flores — seja no início, na crise que passamos ou na nossa recente reconciliação.

— Você tá linda, Orie! — No começo, esse apelido me incomodava um pouco e sempre havia deixado isso claro, mas com o passar do tempo eu já não reclamava mais. E essa seria outra noite em que eu ignoraria o apelido.

— Você também.

Me aproximei do homem que me esperava e lhe dei um selinho, como era de costume. Entretanto, Marco parecia frio e o pouco contato se findou com ele se afastando. Mais uma vez, minhas sobrancelhas se juntaram em uma careta de dúvida.

— Para onde vamos? — Perguntei, recebendo as flores.

Marco passou a mão pelos cabelos curtos e me fitou, mirando o nada depois disso.

— É uma surpresa!

Estendeu a mão para mim e, assim que a segurei, a senti molhada. O comportamento do homem ao meu lado era incomum, mas ignorei, imaginando ser algo no seu estágio. O Salvatore nos guiou até o carro e abriu a porta para que eu entrasse. Sentou-se ao meu lado e começou a dirigir. A noite estava bonita. Eu amava o outono, gostava das cores que tomavam as ruas e os parques, do clima que não era quente nem frio e, principalmente, da diminuição das chuvas.

Não reconheci o caminho que Marco fazia, e por isso minha atenção, que antes era para a paisagem que passava pela janela, se voltou para o moreno de olhos escuros. Sua postura não parecia a mesma de dias atrás, quando saímos em uma manhã para comer.

As mãos estavam firmes no volante, a mandíbula marcada, e uma melodia soava no carro, o que era incomum, já que sempre conversávamos durante o trânsito.

— Tá tudo bem? — Minha voz soou enquanto deslizava o olhar por ele.

— Sim, só estou um pouco cansado. — Ele engoliu seco e apertou um pouco mais o volante.

O analisei mais um pouco antes de desviar novamente o olhar para a paisagem. Não demorou muito para o carro desacelerar e parar em uma ruazinha com pouca passagem. O restaurante era pequeno e a fachada de pedra e vidros passava uma impressão acolhedora e familiar.

Marco desceu e abriu a porta para mim, como de costume. Seguimos pelo chão ladrilhado e entramos no restaurante. Sentamos em uma das mesas que eram cobertas por uma toalha branca. O ambiente era muito bonito e agradável — tinham quadros espalhados pelas paredes, vasos de flores nas mesas, luz baixa deixando tudo mais aconchegante, e uma música em volume baixo também tocava.

O aroma de tomate, alho e manjericão permeava o ar, mas nem isso conseguia mascarar a tensão entre nós dois. Um garçom se aproximou da nossa mesa e Marco fez o nosso pedido — vinho branco e massa.

Ficamos em um silêncio desconfortável. Meus olhos vagueavam pelas luzes e pelas poucas pessoas que estavam no pequeno restaurante. Marco não me olhava, sua atenção estava no celular que ele jurava esconder por baixo da mesa.

— Tem tido muito trabalho no estágio? — Perguntei após um gole de vinho.

Seu olhar se levantou para mim.

— Depende do dia.

A resposta foi vaga como todas daquela noite e, novamente, ele voltou ao celular. Decidi não puxar mais assunto e ele não fez questão de conversar.

Meu pensamento voou. Lembrei dos beijos que Marco me roubava no trânsito, das piadas nos jantares e dos sorrisos espontâneos em minha direção.

Agora as risadas eram pra tela do celular. Piadas não existiam no nosso jantar. Tudo tava seco. Vazio. Frio.

A massa chegou e comemos em silêncio. Foi um esforço engolir a comida. Parecia sem gosto — ou melhor, com o gosto do silêncio. Mal comi. Não consegui. A comida formava um bolo em minha garganta que era difícil engolir, por mais gostosa que ela estivesse, e nem mesmo o vinho era capaz de fazê-la descer. O incômodo se acumulou forte em meu corpo, e como pesava.

Quando Marco terminou, o chamei para ir embora com a desculpa de que não passava bem. Ele não fez questão de perguntar o que eu estava sentindo e ainda me pediu para esperar pela sobremesa. Foi mais um soco no meu estômago. Esperei calada até que ele saboreasse a sobremesa e pagasse a conta.

Marco me deixou em casa após o nosso jantar. A volta pareceu mais pesada e, por mais que eu tentasse me convencer de que era apenas o cansaço, a comida que revirava em meu estômago dando um nó, me dizia o contrário.

Eu precisava descobrir o que estava acontecendo, mesmo que isso significasse perder uma parte importante de mim. E eu estava disposta a fazer isso. Não tinha mais o que doer — mais uma vez, meu coração tinha se rompido, como uma linha que não aguenta mais toda a tensão imposta sobre ela.

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