Mundo ficciónIniciar sesiónRuan Torres.
Voltar do trabalho havia se tornado uma tortura. A rotina era como ácido, corroendo minha alma aos poucos, e cada passo na calçada me lembrava disso. Eu havia acabado de deixar flores no túmulo dela … Jenny… a minha Jenny. O cemitério ainda era o mesmo, sempre parecia rir da minha insistência em acreditar que o concreto frio poderia, de alguma forma, responder às minhas orações silenciosas. Fiquei olhando para sua foto na lápide, tão bonita... ela era tão cheia de vida. Ela sempre brilhava para mim. E agora... ela se foi... nunca me acostumei com sua ida. Quando me virei, estava decidido a ir embora... até que... escutei uma voz... a alguns metros de distância... Quando olhei na direção da voz... achei que tinha ficado maluco, era a única razão. Comecei a caminhar e sai do cemitério... e então vi claramente. Era um fantasma? Minha imaginação é bem fértil? Não, não um fantasma… algo mais que isso. Um reflexo maldito do passado. Porque ela estava ali, viva, respirando, discutindo com uma mulher mais velha. Por alguns instantes, eu realmente acreditei que Jenny havia voltado. Meu coração bateu como se quisesse explodir, como se me punisse por ainda nutrir esperança. Meu peito subia e descia, meus olhos não desgrudavam dos dela. Claro que, depois de alguns minutos observando, percebi que não era ela. Era outra mulher. Mas a semelhança era… anormal, como um soco no estômago. O mesmo jeito de mexer no cabelo, a mesma raiva escondida nas lágrimas. Ela estava vermelha, de raiva. Braços cruzados, apertava a boca com força. O nome dela era Miranda. Eu soube porque ouvi a briga, a Senhora dizendo o nome dela tão alto que várias pessoas olharam para elas, meio constrangidas... ouvi o som quebrado da voz de Miranda quando ela defendia um sonho que a avó queria esmagar. Um concurso de escrita. Um livro. Era nisso que ela apostava sua vida, enquanto a velha dizia que aquilo não passava de bobagem. Eu vi quando Miranda saiu, olhos úmidos, mãos tremendo, e deixou cair o papel da inscrição no chão. A vó saiu logo em seguida. Foi então que me movi... me abaixei e peguei o papel. Naquele momento, parecia que o destino estava do meu lado. Ou talvez… só estivesse brincando comigo de novo. De volta ao meu apartamento, a primeira coisa que fiz foi me render aquela maldita obsessão. Pesquisei. Invadi onde precisei. Eu sei… Alguns chamariam isso de crime, mas eu, chamo de necessidade. Porque saber quem ela era me dava controle. Descobri onde morava, quem eram suas amigas, até os cafés em que gostava de escrever. Eu precisava de informação, precisava de qualquer coisa que justificasse a sensação de que o universo estava zombando de mim. O rádio, sempre ligado ao meu lado, despejou outra notícia sobre a morte de mais uma garota. Os repórteres falam em serial killer. Ligavam os casos. Sempre mulheres jovens, sempre desaparecendo antes de serem encontradas frias, rasgadas pela mesma crueldade. Jenny, havia sido a primeira. Senti o sangue ferver. Não sei se de ódio ou de culpa. Eles falavam como se soubessem, mas não sabiam de nada. Eu sim conhecia os detalhes. Eu sim lembrava do cheiro, do peso, de tudo. Talvez por isso eu não consiga me afastar dessas notícias. Talvez por isso eu nunca consiga esquecer. Dizem que a memória é traiçoeira. Eu digo que ela é uma maldição. No início, achei que era apenas saudade, a necessidade idiota de reviver o passado. Mas, quanto mais pensava em Miranda, mais acreditava que eu precisava falar com ela. Ouvir sua voz de perto. Tocar sua presença para ter certeza de que não era Jenny de novo, retornando para me assombrar. Passei horas encarando a foto dela no I*******m. Aquele sorriso… aquele olhar… Fechei a aba antes que a tentação me engolisse. Eu sabia que estava indo longe demais, mas quando se perde tudo, o que ainda resta de limites? Então me lembrei do concurso, era a desculpa perfeita. Hackear o sistema da editora não exigiu esforço. Não quando meu trabalho era exatamente esse, quando trabalhar com Segurança cibernética me dava esses privilégios. Coloquei meu nome na lista de convidados e, quando procurei por ela, não achei. Suspirei frustrado… mas só para garantir, mandei um e-mail falso para ela, como se fosse da própria organização. Eu precisava que ela fosse naquele encontro, eu precisava que nossos caminhos se cruzassem. Porque eu sabia, que se estivesse perto dela, poderia comprovar. Poderia descobrir se estava enlouquecendo. No dia do evento, cheguei antes de todos. Os seguranças estranharam, claro. Ninguém lembrava de um escritor com meu nome, mas o sistema mostrava minha inscrição como válida. E tudo que fiz foi sorrir e entrar. Sentei-me, esperando. O ambiente não era estranho para mim; Jenny também escrevia. Eu já havia passado por lugares como aquele, cercado de mesas cheias de sonhos impressos em papel. Era doloroso e reconfortante ao mesmo tempo. Doloroso porque me lembrava dela. Reconfortante porque, de alguma forma, era como tê-la ali de novo. Então, Miranda entrou e eu perdi o ar. Ela usava um vestido simples, mas nele havia algo devastadoramente familiar. As cores, o corte, até o modo como o tecido caía em seu corpo. Jenny também escolheria algo assim. Por um instante, o tempo parou, e eu me perguntei se realmente havia diferença entre lembrança e realidade. Miranda olhava ao redor com aquele fascínio puro, quase infantil, como se o mundo tivesse acabado de nascer. E foi nesse instante que percebi que já estava perdido. Não… não importava mais se era ela ou não. Eu precisava saber. Eu precisava estar perto. Talvez para proteger. Talvez para possuir. Ou talvez… para não deixar nada daquilo se repetir. O problema é que nem eu mesmo sabia a resposta.






