Priscila Barcella
Finalmente vamos poder voltar para casa. A saudade já não cabe mais em mim… sinto falta do cheirinho das crianças, do barulho alegre correndo pela casa, dos abraços apertados. Nada me preenche como estar com eles. Já está tudo certo para viajarmos amanhã às 8 horas da manhã. Malas prontas, coração acelerado. — Podíamos sair hoje à noite... o que você acha? — perguntou Liam, enquanto eu tomava banho. Sua voz veio abafada, mas doce, atravessando o vapor do banheiro. — Pode ser, amor. Temos que comprar alguma coisa para os nossos filhos — respondi, saindo do box e enrolando uma toalha no corpo, enxugando o rosto diante do espelho. — Você falou com a sua mãe hoje? — Falei sim com ela. E você, conseguiu falar com alguém esses dias? — ele perguntou, inclinando a cabeça com aquele jeitinho preocupado que só ele tem. — Ainda não... Vem, vou ligar agora. Depois a gente sai, precisamos comprar umas coisas para a Mavie e para a Nina. Esqueci meu celular em casa, então peguei o do Liam e me sentei na beirada da cama, o coração batendo acelerado de expectativa. Liguei por vídeo. No terceiro toque, o rostinho sorridente da Íris preencheu a tela, fazendo meu peito explodir de emoção. — Oi, meu amor! — falei sorrindo, sentindo os olhos se encherem de lágrimas. — Gente, é a mamãe! — ela gritou animada, virando o celular para o lado. Logo o Ítalo apareceu na tela, ofegante, como se tivesse corrido. — Mamãe! — ele exclamou, o sorriso tão grande que mal cabia no rosto. Ver os dois ali, juntinhos, me olhando com os olhos brilhando, foi como um alívio depois de dias de sufoco. — Meus amores, estou morrendo de saudade de vocês! — falei com a voz embargada, tentando conter as lágrimas que já ameaçavam cair. — A gente também, mãe! — respondeu Íris, rindo. — Quando vocês chegam? — Amanhã de manhã. Está tudo certo, vamos sair às 8h. Eu não vejo a hora de abraçar vocês! Cadê a Belinha? — Ela tá dormindo... — Íris virou a câmera rapidamente e mostrou a pequena Belinha encolhidinha no sofá, coberta com uma manta cor-de-rosa, abraçada a uma blusinha minha. Meu coração se partiu e se aqueceu ao mesmo tempo. — Tão cedo? Ainda nem são 19h... — comentei, surpresa. — Ela tava cansada. Mas, mãe, cadê a Mavie? Estou muito curiosa pra conhecer nossa irmãzinha. Ela é fofa? — Íris perguntou com um brilho nos olhos que me deixou emocionada. — Ela está com o Max um pouquinho, mas amanhã ela vai estar com a gente em casa, e eu tenho certeza de que vocês vão se apaixonar por ela. — Que bom! Estou louca pra conhecê-la! — disse Íris, sorrindo largamente. A naturalidade com que ela falou "nossa irmãzinha" me fez sentir uma pontada de alívio e felicidade. — Mamãe... a gente pode não ir pra escola amanhã pra esperar vocês? — pediu Ítalo, inclinando a cabeça e juntando as mãos como quem faz um pedido sagrado. — Estou com muita saudade... — Claro que pode, meu amor. Eu também quero chegar e abraçar vocês bem forte — falei, enviando beijos pela tela. Eles tentaram "pegar" os beijos com as mãozinhas e eu ri. — Vocês estão se comportando direitinho? — Sim, mamãe. A gente não tá dando trabalho. Só estamos com saudade. A Belinha até dormiu abraçada com a sua roupa… ela é pequena ainda — disse Ítalo, baixando o olhar, como se tentasse ser forte por ela. — Ah, meu coração... Se eu pudesse, teria levado todos vocês comigo. Odeio ficar longe... mas quero que nunca se esqueçam que a mamãe ama muito, muito vocês. Mais que tudo nesse mundo, viu? Eles sorriram, os olhos brilhando na tela. Naquele momento, mesmo com a distância, eu me senti em casa. E amanhã, enfim, estarei de verdade. Conversei um pouco com a minha sogra, que estava com um sorriso acolhedor no rosto e fez questão de dizer o quanto as crianças estavam bem. Josefa, no entanto, não estava em casa — tinha ido ajudar o Léo com o Marcelo e a Laurinha. Mesmo assim, foi bom demais ouvir aquelas vozes familiares. Meu coração pareceu se aquecer com cada palavra trocada. Depois da chamada, terminei de me arrumar. Vesti um vestido azul-escuro de tecido leve que o Liam havia me dado. Ele tinha um bom gosto surpreendente para roupas. O caimento era perfeito no meu corpo, e o tecido suave acariciava a pele como se tivesse sido feito sob medida. Me olhei no espelho e sorri. Era confortável e bonito. Dois em um. Falei com o Max rapidamente, e ele acabou decidindo nos acompanhar. Disse que precisava comprar algumas coisas para o Marcelo. Como sempre, ele mantinha aquele ar prático, mas quando mencionou que a Mavie também iria, percebi um brilho especial no olhar dele. Era nítido que a pequena estava conquistando o coração de todos. Fomos a uma feira de artesanatos de rua antes de seguir ao shopping. As luzes amareladas penduradas entre as barracas davam um charme acolhedor ao ambiente. O cheiro de madeira, couro e temperos misturava-se no ar, criando uma sinfonia de aromas. Mavie caminhava entre as barraquinhas de olhos arregalados, absorvendo tudo como se o mundo estivesse sendo apresentado a ela pela primeira vez. O mais curioso era que, apesar da empolgação evidente, ela não pedia nada. Observava com atenção, com as mãozinhas para trás, como se tentasse entender tudo antes de se permitir desejar alguma coisa. A primeira vez que ela se manifestou foi quando passamos por uma barraquinha de comidas típicas. O aroma de cuscuz quente, com queijo derretendo por cima, preencheu o ar. — Tem cuscuz, mamãe! — ela disse, apontando com o dedinho e os olhinhos faiscando de animação. — Quer comer? — perguntei, já sorrindo. Ela assentiu com tanta empolgação que nem precisou responder com palavras. Sentamos juntos ali mesmo, em uma mesa de madeira simples, e jantamos sob o céu de fim de tarde. Era bonito vê-la comer com tanto prazer, os pés balançando debaixo da cadeira. Depois do jantar, seguimos para o shopping. Não viemos preparados para tantas compras, então aproveitamos para comprar roupas e uma nova mala. As lojas já estavam com vitrines decoradas, e a Mavie se distraía com cada detalhe — as luzes, os sons, os manequins. Tudo era novidade para ela. Passamos por uma loja especializada em bichinhos de pelúcia personalizados. Dentro, uma criança estava montando seu próprio ursinho com a ajuda de uma funcionária sorridente. Mavie parou na vitrine, completamente hipnotizada. Seus olhos brilhavam como duas estrelas pequenas, e ela encostou o rostinho no vidro por um instante. Mas, quando percebeu que estávamos continuando, virou-se e nos seguiu em silêncio. Max a notou. — Filha, você quer um? — perguntou, abaixando-se um pouco para ficar na altura dela. Ela olhou para ele, depois para mim, e abriu um sorrisinho encantador. Mas o sorriso logo murchou, e ela baixou o olhar, chutando levemente o chão com a ponta do sapato. — Mamãe… deve ser muito caro — disse baixinho, com um ar de vergonha que cortou meu coração ao meio. Me abaixei e a puxei suavemente pela mão. — Meu amor, vem. Vamos escolher o seu bichinho. Seus olhinhos brilharam novamente, e o sorriso voltou, ainda tímido, mas agora mais cheio de esperança. Ela correu até a porta da loja, olhando tudo com fascínio, e eu soube naquele instante que aquele momento simples seria lembrado por ela para sempre. E por mim também. A loja era um encanto. Um verdadeiro mundo mágico onde os bichinhos de pelúcia pareciam ganhar vida. Em prateleiras de madeira polida, os bonecos estavam vestidos com roupinhas estilosas — vestidinhos, macacões, tênis, até patins! Havia até acessórios personalizados como mochilinhas, chapéus e... próteses. Sim, pequenas próteses que podiam ser colocadas nos bichinhos para que qualquer criança pudesse se reconhecer neles. Mavie estava fascinada. Corria de um lado para o outro, com os olhos arregalados, tentando decidir entre um cachorrinho de orelhas caídas, um panda dorminhoco e um leão de juba fofa. — Tem até um que anda de patins! — ela exclamou maravilhada. Uma atendente sorridente se aproximou com um cuidado acolhedor. — Queremos que cada criança monte um bichinho que se pareça com ela. Pode escolher tudo: a roupa, o calçado, o acessório… até colocar uma prótese, se quiser. Mavie parou por um instante, pensativa. Depois apontou para uma raposinha cor-de-caramelo. — Eu quero ela... Mas ela pode usar uma prótese igual a minha? — Pode sim! — respondi, com a voz embargada e o coração apertado de ternura. A funcionária pegou um modelinho de prótese rosa-claro com detalhes prateados e encaixou cuidadosamente na perna direita da raposinha. Mavie observou em silêncio, encantada, como se visse uma parte de si sendo reconhecida no mundo pela primeira vez. — Ela é perfeita agora — disse baixinho, segurando o bichinho com carinho. A atendente sorriu: — Agora só falta dar um nome e gravar uma mensagem dentro dela. Liam, animado, chamou do outro lado da loja: — Mavie, olha essas roupas com estrelinhas! Vem ver! Ela foi correndo, deixando a pelúcia sobre o balcão. Aproveitei o momento e olhei para Max. Ele se aproximou, sério, mas com os olhos marejados. — Vamos gravar? — perguntei. Ele apenas assentiu. Pegamos o gravador. Apertei o botão. — Oi, minha pequena raposinha... A mamãe ama você com todo o coração. Você é forte, linda e muito amada. Sempre. Max colou seu peito nas minhas costas e falou com a voz firme, mas tremida: — Papai está aqui, sempre vai estar. Você é meu orgulho, Mavie. Nunca se esqueça disso. Soltei o botão. A funcionária costurou com cuidado o dispositivo dentro da raposa, agora com sua roupinha azul de estrelas, patins nos pés e a prótese igual à da Mavie. Quando ela voltou, seus olhinhos brilharam. — Pronta pra ouvir? — perguntei, entregando a pelúcia. Ela apertou a barriguinha. Ao ouvir nossas vozes, ficou imóvel por um instante... depois sorriu largo, emocionada, e abraçou o bichinho com força. — Esse é o meu segredo, tá? — sussurrou. E naquele momento, entre pelúcias, próteses e promessas sutis, ela ganhou mais do que um brinquedo. Ganhou pertencimento. — Obrigada — ela falou e abraçou o Max, depois mim, foi até o Liam e depois a Rafaela agradecendo a todo mundo e foi mostra a Nina que estava no carrinho. E vi ela ouvindo de novo a mensagem e abraçando a raposinha com força. — Mamãe — ela me chamou abraçou a raposa com força e me entregou. — Eu amei o meu presente, mas se for muito caro... — Não é caro meu amor, não se preocupe e se você quiser comprar mais roupa a mamãe compra para ela também — falei e ela pegou na minha mão e abraçou com força. — Eu tenho uma irmã da minha idade né ? — ela perguntou e sorrir alisando sua bochecha fofa. — Você tem sim a Belinha — falei e ela estava meio sem jeito. — Se não for caro, podemos levar um para ela também, aí ela não fica triste por eu ter um e ela não — falou meio sem jeito. E eu a abracei. Só de pensar na Belinha, meu coração já se encheu de alegria. Eu sabia que ela ia amar. — Vem ajudar a mamãe a escolher o dela — convidei, e ela voltou a olhar os bichinhos com atenção até escolher uma ovelhinha fofa. Enquanto eu e o Liam gravávamos a nova mensagem, Mavie analisava as roupinhas com dedicação. Escolheu macacões iguais para as duas e pijamas diferentes. Ela estava no paraíso. Na hora de ir embora, correu até a vendedora e a abraçou apertado. — Obrigada, moça. Eu amei a loja e vou cuidar muito da Lilica — disse com entusiasmo, fazendo a vendedora ficar visivelmente emocionada. — Você é muito fofa — respondeu ela, sorrindo. — A raposa se chama Lilica… e a ovelhinha, qual vai ser o nome? — Ela é da minha irmã. Eu não sei qual nome ela vai dar, mas tenho certeza de que vai ser lindo. Tchau, moça. Boas vendas! — disse, dando outro abraço e um beijo carinhoso na bochecha dela. Fomos em mais alguma lojas e finalmente voltamos para o hotel e arrumamos tudo e a Mavie trocou a roupa da raposa por um pijama e antes de dormir vi ela apertando para ouvir de novo e dormiu. ©©©©©©©©©©© Continua...