Max Fox “Priscila, precisamos conversar. É sobre a Mavie.”Minhas mãos tremiam enquanto eu encarava o celular. A mensagem estava escrita, pronta pra ser enviada. Um toque e tudo mudaria.— Max... — Rafaela se aproximou, com a voz suave, mas séria. — Espera.Olhei pra ela, a respiração acelerada.— Eu não posso esperar, Rafa. E se ela estiver viva? Eu preciso falar com a Priscila.Ela tocou meu braço, tentando me trazer de volta pro chão.— Eu sei. Mas… você já pensou no que essa mensagem vai causar nela?Pisquei, confuso.— Rafaela…— Não dá pra simplesmente mandar: “Oi, Priscila. A nossa filha pode não estar morta. A sua filha, aquela por quem você chora todos os dias em silêncio há quatro anos, pode estar viva. E sei lá, talvez esteja em qualquer lugar do mundo com pessoas que a gente nem conhece.”Ela falou de forma calma, mas firme. Suas palavras me atingiram como uma facada.— Você não sabe como ela sofreu, Max. Eu vi. Vi como ela se calou, como ela enterrou isso tão fundo que a
Priscila BarcellaAcordei com aquele chorinho que eu já conhecia de longe. Nina. Era suave, manhoso, mas insistente — como se estivesse me chamando de volta pro mundo. E, de certa forma, estava mesmo.Me espreguicei devagar, ainda com o corpo pesado da madrugada, e fui até o berço. Assim que me viu, seus olhinhos brilharam, e os bracinhos se agitaram no ar, como se dissessem: "Você demorou, mamãe."— Bom dia, meu amor — sussurrei, pegando-a nos braços com o cuidado de quem carrega o próprio coração fora do peito.Ela se aconchegou em mim com aquele cheirinho de leite morno e tranquilidade, e eu fechei os olhos por um instante, sentindo aquele pequeno milagre respirando contra o meu pescoço. Era nesses segundos que eu lembrava por que ainda aguentava tudo.— Mamãe... — a voz sonolenta da Belinha me alcançou, meio engolida pelo travesseiro.Me aproximei da cama dela e me sentei com Nina no colo. A luz da manhã ainda era tímida no q
Priscila BarcellaDepois que o Liam saiu para trabalhar e levou o Ítalo e a Ísis para a escola, fiquei em casa com as menores. Mas, por mais que tentasse me distrair, meus pensamentos estavam longe. Estavam com o Max. Um aperto insistente no peito me lembrava, o tempo todo, do acidente. E, mesmo sabendo que eu não podia controlar tudo, me sentia culpada.— Mamãe, o que foi? — Belinha perguntou, tocando meu rosto com carinho e beijando minha bochecha. Seu gesto me arrancou um sorriso suave.— O que você acha de irmos visitar o tio Max? — perguntei, tentando soar animada.Os olhos dela brilharam.— Sim! Ouviu, Nina? Vamos ver o seu pai! — Nina bateu as mãozinhas, empolgada. — Ela também quer, mamãe! Depois podemos sair?— Podemos sim — falei, me levantando com cuidado e ajeitando Nina no colo. Fomos até o estacionamento, e mesmo com o trânsito um pouco pesado, o caminho até o hospital foi tranquilo. Belinha conversava com
Max Fox Tudo aquilo estava estranho demais. Meu peito pesava, como se um nó apertado tivesse se alojado bem no meio do esterno, e minha cabeça não parava de girar desde o momento em que ouvi. Por que, diabos, ela chamou a Isabela de Mavie? — A Priscila já foi com as meninas — a Rafaela avisou, puxando minha atenção de volta pra realidade. — Vamos pra casa? Assenti com um murmúrio e a segui até o carro. Assim que me sentei no banco do passageiro e a porta se fechou, o silêncio me sufocou por alguns segundos. Então, algo dentro de mim despertou. Foi quase um estalo. Um impulso. Uma urgência. — Quer viajar comigo? — perguntei, sem nem pensar direito. Ela me olhou de lado, o cenho franzido. — Viajar? Agora? — Preciso ter certeza, Rafa... — minha voz saiu baixa, carregada. — Preciso saber se a Mavie é mesmo minha filha. Se ela ainda está viva. Ela ficou em silêncio por um momento, como se processasse minhas palavras. — Max... — suspirou. — Isso dá pra resolver com um teste de DNA.
Priscila BarcellaCheguei em casa apertando a Nina contra o peito, como se o calor dela pudesse aquecer as partes de mim que tinham congelado depois daquela visita. Meu coração ainda batia descompassado, pesado demais para ser carregado sozinha.Ao meu lado, Belinha caminhava cabisbaixa, arrastando o sapatinho no chão como se o peso da tristeza a puxasse para baixo.O padrasto do Max...Aquele homem...Ele tinha olhado para a minha menina e a chamado de Mavie.Meu mundo pareceu girar ao contrário por um instante. A dor rasgou meu peito, como uma ferida antiga brutalmente reaberta, sangrando lembranças que eu lutei tanto para esquecer.Mas eu respirei fundo, forçando o ar para dentro dos pulmões.Eu precisava ser forte. Pelas minhas crianças. Pelo Liam. Por mim.Assim que abri a porta, Íris e Ítalo vieram correndo me receber, com seus sorrisos puros e braços abertos.— Mamãe! — Ítalo gritou, se jogando na minha cintura com um abraço apertado.— Oi, meus amores — sorri, mesmo com o peit
Priscila BarcellaA dor tem cheiro.Tem gosto.Tem cor.E naquele instante, quando abri a porta, eu pude sentir o cheiro pútrido do passado invadindo minha casa.Era ele.O homem que destruiu minha infância, roubou minha inocência, me condenou ao inferno...E que agora, de pé na minha frente, sorria como se fosse apenas mais uma tarde qualquer.O tempo parou.Meu corpo inteiro congelou.Por um segundo, não fui a mulher forte que criei a duras penas, nem a mãe que protegia com unhas e dentes as crianças que agora dormiam inocentes ali dentro.Por um segundo, voltei a ser a Priscila de cinco anos, pequena, acuada, tremendo de medo no canto sujo do quarto escuro.Podia sentir o cheiro de mofo, ouvir os gritos abafados atrás da porta, o ranger do assoalho sob os passos pesados que anunciavam o pior.Minha respiração falhou.Meu estômago revirou.— Olá, querida sobrinha — disse ele, com a mesma voz repugnante de sempre, como se nada tivesse acontecido.Minha pele se arrepiou dos pés à cabe
Priscila Barcella Era mais um dia normal. Como sempre, acordo às 6:23 da manhã, levo aproximadamente 20 minutos para me arrumar e escolho roupas que transmitam o quanto sou poderosa.Saio do meu quarto preparada para enfrentar o mundo machista das torres de metal.Assim que chego no andar inferior, vejo a minha governanta terminando de organizar o meu café da manhã na mesa da sala de jantar, junto com duas funcionárias. Gosto das coisas sempre perfeitamente alinhadas, e ela me conhece muito bem.Antes de chegar à mesa, olho pela grande janela de vidro da minha cobertura, de onde posso ver a enorme cidade cinza. Assim como lá fora, dentro do meu apartamento a decoração é toda em tons frios, pois tenho um amor pelo tom cinza e não queria nada convidativo.Quem gosta e tem peso morto é a minha irmã. Eu nunca a entendi, a Barcella sempre se contentou com pouco. Diferente de mim, ela não foi para a faculdade e muito menos quis sair daquele lugar no meio do nada. Na primeira oportunidade q
Priscila Barcella Depois de um voo de três horas e meia, aluguei um carro e dirigi por mais cinco horas, finalmente chegando em um pequeno povoado do município de Santo Antônio dos Milagres. A estrada era de terra e parecia que o tempo naquele lugar passava em câmera lenta e pouquíssimas coisas tinham mudado em 16 anos. As casas eram simples e a única diferença era nos fios de energia e novas construções, mas mesmo assim parecia existir apenas uma rua e uma praça como novidade.Fui devagar pela estrada de terra batida até chegar na casinha onde crescemos. Pouquíssimas coisas tinham mudado, mas a única diferença era que, além do reboco, a pequena casa estava pintada de branco, que já estava amarelada, com dois quartos. Apesar de ser bem diferente da minha cobertura, estar naquele lugar me causava arrepios, como se as paredes pudessem falar ou apenas de ver sentir os arrepios pelo meu corpo me pedindo para fugir daquele lugar.A casa estava cheia, e respirei fundo antes de sair do carr