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Bônus da Íris

Íris Barcella

No começo, eu me senti um peixe fora d'água. A maioria das crianças era bem menor, e os poucos adolescentes – só o Lucas e a Fernanda, outros dois que cresceram aqui – estavam num canto, grudados nos celulares, parecendo achar tudo aquilo "mico". Eu até tentei dar uns pulos na cama elástica, mas me senti observada, deslocada. Fiquei só comendo pipoca perto do carrinho, fingindo interesse nas travessuras dos pequenos.

Foi quando eles chegaram. Tio Manoel, com aquele jeitão descontraído de sempre, abraçando meu pai como um irmão, e atrás dele... Miguel.

Nossa… eu não esperava que ele fosse tão bonito. Não era do tipo galã de novela, mas era... diferente. Tímido, educado, com um sorriso meio torto que ele dava quando não sabia o que falar. Ele olhou em volta, um pouco perdido no caos colorido, e passou a mão no cabelo castanho de um jeito que me fez sorrir sem perceber.

Miguel estendeu a mão, formal.

— Prazer, senhorita Íris.

Eu ri, peguei a mão dele.

— Senhorita? Tá numa festa com piscina de bolinha, Miguel. Pode ser só Íris.

A voz dele era leve, mas com firmeza, como se cada palavra fosse pensada.

Ficamos perto a maior parte da festa depois disso. Começou na fila do algodão doce.

— Cor preferida? ele perguntou, apontando para as nuvens rosas, azuis e brancas rodando.

— Rosa. Sempre. Eu sei que é só açúcar com corante, mas o Rosa é mais gostoso.

— Rosa tá bom então. Íris, e pensei que só eu achava eles o mais gostoso. — ele disse, entregando o meu com um sorriso torto.

Depois, ele me arrastou para o "tiro ao alvo" – garrafinhas enfileiradas e argolas.

— Aposto que sou melhor que você — desafiei, pegando uma argola.

— Duvido muito — ele respondeu, sério, mas os olhos brilhavam. Ele errou todas as tentativas. E eu também, mas a gente riu tanto das nossas tentativas patéticas que parecia que já éramos amigos de infância. — Olha só! Quase! ele gritava quando uma argola roçava uma garrafa.

— "Quase" não conta, Miguel! — eu respondia, rindo até a barriga doer.

Brincamos na cama elástica, depois pegamos uma brinquedos de bolhas de sabão

E então, sem planejar, a gente se afastou do barulho ensurdecedor da cama elástica, da gritaria da piscina de bolinhas, da multidão e do meu pai animado mostrando em uma disputa de tiro ao alvo. Fomos andando quase que naturalmente em direção aos fundos da quadra coberta, onde as luzes eram mais fracas e a música da festa chegava abafada. Ainda ríamos de alguma piada boba sobre o futebol de sabão que nem me lembro mais. E de repente… silêncio.

Só nós dois. O barulho da festa era um eco distante.

Ele me olhou. Eu senti.

Aquele olhar que demora, que pergunta sem falar. Eu queria responder, mas não sabia como. Meu coração estava batendo tão forte que eu jurava que ele conseguia ouvir.

— Você…— ele começou, e mordeu o lábio, quebrando o silêncio. — Você é diferente.

— Como assim? — perguntei, quase sem ar, o riso preso na garganta.

Não sei explicar. Ele deu mais um passo, diminuto. — Só sei que… eu queria muito ter te conhecido antes. — Ele riu, baixinho, envergonhado. — É idiota, né? Passar a vida inteira sem saber que você existia?

— Não é idiota… — Eu balancei a cabeça, sentindo um calor subir pelo pescoço. —Eu… também queria.

E aí… aconteceu

Ele se inclinou, eu me estiquei, nossos narizes quase bateram. Um risinho nervoso escapou dos dois antes que os lábios finalmente se encontrassem. Foi rápido, mais um toque úmido e hesitante do que um beijo de verdade. Um choque de calor no rosto, um pulo no estômago. Nos separamos rápido, corados como cerejas, evitando o olhar um do outro.

— Desculpa… ele murmurou, passando a mão na nuca, constrangido, os olhos fixos no chão. — Sou… muito ruim nisso. Sempre fui tímido demais pra… pra essas coisas.

— Não precisa se desculpar — eu disse, o sorriso ainda preso pela surpresa e pelo frio na barriga. — Foi… meu primeiro também.

Os olhos dele se arregalaram, surpresos, depois um lampejo de alívio e uma pontinha de ternura suavizaram o constrangimento.

— Sério? — Ele respirou fundo, como se um peso saísse dos ombros. — Então… estamos iguais. Dois perdidos tentando descobrir como isso funciona.

— Parece que sim — eu ri, baixinho, sentindo um fio de cumplicidade nos unir ali, na sombra.

Ficamos em silêncio por um instante que parecia eterno, o ar carregado daquele toque inicial, frágil e precioso. O constrangimento inicial foi dando lugar a uma coragem tímida, uma vontade de tentar de novo, agora que o gelo estava quebrado. Foi ele quem quebrou o silêncio, a voz mais baixa, mais íntima, testando as águas.

— E aí, Íris? — Ele encostou de leve no meu braço, o toque quente mesmo através da blusa. — O que você sentiu? Olha não precisa falar de você não quiser — ele falou tudo sem graça e isso me fazia achar ele ainda mais fofo.

— Tudo e nada — admiti, olhando finalmente para ele, vendo minha própria insegurança refletida nos olhos castanhos dele. — Meu cérebro desligou. Só senti… calor. E um monte de borboletas tentando fugir do meu estômago.

Ele riu, um som baixo e quente, genuíno.

— Borboletas? Que bom. Eu achei que fosse só eu. Meu coração tá batendo feito um tambor. Agora eu meio que é tendo os meus colegas.

— Sim, e agora? — perguntei, ousando um pouco mais, encorajada pela confissão dele. — O que a gente faz? Fica só olhando?

— Não acho que consiga só olhar, não. — O sorriso dele ficou mais seguro, mas ainda tímido, os olhos fixos nos meus lábios com uma curiosidade que fez meu sangue acelerar. — Quero tentar de novo. Dessa vez… sem bater o nariz. Se você quiser. Prometo que… que vou tentar ser menos desastrado.

Eu não disse nada. Só balancei a cabeça, positiva, e me inclinei também, sentindo a mesma mistura de medo e desejo que devia estar no rosto dele. Dessa vez, foi diferente. Mais lento, mais intencional. Quando os lábios dele tocaram os meus, não foi apenas um toque. Foi uma pergunta delicada, uma exploração cautelosa. E eu respondi, timidamente no início, depois com mais confiança, seguindo o ritmo que ele tentava criar. As mãos dele encontraram minha cintura com uma leveza que quase não senti, as minhas subiram devagar para seus ombros, ancorando-me. O beijo se aprofundou, perdendo a hesitação do primeiro e ganhando uma intensidade suave, mas inegável. Era quente, ainda desajeitado em alguns momentos, mas cheio de uma promessa e uma descoberta compartilhada que fez meu corpo inteiro formigar. O mundo desapareceu de novo, mas dessa vez era mais doce, mais profundo, nosso. Estávamos totalmente imersos um no outro, esquecidos do tempo, do lugar, de tudo – dois iniciantes navegando juntos em águas desconhecidas. Nós nos afastamos sem ar.

Ele suspirou, como se tivesse medo de quebrar o encanto e eu não vou mentir também estava

— Uau… Isso foi… real mesmo, né?

— Se não foi, então eu tô sonhando muito bem. — brinquei

— Eu nunca… imaginei que beijar alguém fosse assim. Achei que fosse mais… sei lá… barulhento? Complicado? — ele falou com um sorriso largo meio sem jeito meio sem graça.

— Eu achei que ia me atrapalhar toda. Mas com você… foi só... fácil. Quer dizer, ainda meio desajeitado — falei sorrindo, envergonhada — mas fácil de sentir. De querer.

— Eu queria te beijar desde o algodão doce. Só… não sabia se podia.

— Devia ter perguntado. Eu teria dito que sim.

— Posso perguntar agora, então? Posso te beijar de novo? — ele perguntou sorrindo com os olhos.

— Você pode tudo… se continuar olhando pra mim desse jeito.

— Desse jeito como?

— Como se eu fosse o único rosto que você quer ver hoje.

— É porque você é. — ele falou se aproximando e colocando uma mecha atrás da minha orelha.

Os dedos dele roçaram minha pele quando afastou a mecha do meu rosto, e aquilo, por algum motivo, me fez prender a respiração. Era um gesto pequeno, mas parecia imenso naquele instante — como se ele estivesse me abrindo uma porta. Um convite silencioso.

Miguel demorou um segundo a mais me olhando, os olhos fixos nos meus como se estivesse decorando cada detalhe. Então se aproximou de novo, com ainda mais calma. E eu fui junto. Meu corpo parecia saber o caminho antes de mim.

Dessa vez, os lábios se tocaram com mais certeza. Ainda suaves, mas não mais inseguros. Ele me beijou devagar, deixando o tempo passar entre cada movimento. E quando a língua dele encostou na minha pela primeira vez — tão tímida, tão cuidadosa —, meu corpo reagiu inteiro. Um arrepio subiu pela minha nuca e desceu pela coluna. Era uma sensação nova, estranha e boa ao mesmo tempo. Um calor inesperado no peito e um nó doce no estômago.

Eu respirei contra a boca dele, mas não me afastei. Respondi com delicadeza, tentando entender como aquilo funcionava, como encaixar, como guiar e seguir ao mesmo tempo. Nossos narizes roçaram de leve, nossos dentes bateram sem querer, e nós dois rimos com o beijo ainda entrelaçado, meio sem jeito, meio mágico.

As mãos dele se moveram com cuidado. Uma ficou na minha cintura, firme mas leve, e a outra subiu até a lateral do meu rosto, os dedos quentes encostando minha pele com um respeito que quase doía. Minhas mãos estavam nos ombros dele, mas uma delas escorregou até sua nuca, instintivamente, como se meu corpo estivesse aprendendo a linguagem dele em tempo real.

E o beijo continuou. Calmo, íntimo, cheio de pequenas pausas, onde só havia nossas respirações descompassadas e o som abafado da festa ao longe. Não era um beijo de cinema. Era real. E exatamente por isso, era perfeito.

Quando nos afastamos, o mundo pareceu voltar devagar. Miguel ainda tinha os olhos fechados por um instante. Eu também. Nossos rostos estavam tão próximos que nossos narizes ainda se tocavam.

Ele abriu os olhos devagar, como se estivesse voltando de um lugar distante, e sorriu daquele jeito meio torto que me desmontava por dentro.

— Isso… foi o seu primeiro beijo assim também? — ele perguntou, a voz rouca de tão baixa.

— Foi — sussurrei, sentindo o gosto dele ainda nos meus lábios. — E agora… não sei como voltar a respirar direito.

Ele riu, encostando a testa na minha.

— Que sorte a minha. Descobrir isso com você.

Ficamos ali, só sentindo a presença um do outro, como se tudo estivesse em câmera lenta. E naquele instante, eu soube: não era só um beijo. Era o começo de algo.

— Eu deveria ter ido na sua casa todas as vezes que o seu pai nos convidava — ele falou alisando a minha bochecha

— Talvez não fosse a hora — falei sem tirar os olhos dos olhos dele que só agora reparei que estava escurecendo.

— Você é tão diferente das garotas da minha escola — ele falou e me encostei na grade da guarda.— Você se importa se eu falar de você para os meus amigos?

— Você existe mesmo?

— Porque desta pergunta? — ele fez incrédulo.

— Acho que ninguém faz estas perguntas, mas pode contar eu vou falar de você também, e muito o primeiro beijo é importante — falei e ele soltou uma gargalhada.

— Então eu vou ser a pauta da conversa com as suas amigas?

— Pelo menos da minha melhor amiga, com certeza, se duvidar ainda te apresento — falei tão espontânea que não vi a burrice, afinal foi beijos. — Não entenda mal pelo amor de Deus não estou te pedindo em casamento.

— Mas seria legal conhecer suas amigas. Eu te apresento os meus quando estivermos em São Paulo, mas já saiba que eu sou da turma dos nerds. Meus amigos são todos esquisitos — ele falou, e eu gargalhei.

— Perfeito, então. Eu sou oficialmente fã de gente esquisita.

— Você é muito linda, você tem certeza que tem uma boa visão?

— Com certeza, e todo dia me olho no espelho e me acho maravilhosa, então tenho certeza absoluta da minha visão

Miguel riu, aquele riso que eu já estava começando a amar ouvir — leve, meio abafado, como se ele ainda estivesse tentando entender como tudo aquilo era possível.

— Eu adorei isso em você. Essa certeza. Essa... luz.

— Luz? — arqueei a sobrancelha, divertida.

— É — ele confirmou, olhando sério por um segundo, depois desviando os olhos, tímido. — Você ilumina as coisas. Desde que eu cheguei aqui, tava me sentindo um peixe fora d’água, mas... com você foi diferente. Como se eu... pertencesse.

Aquilo me desarmou de um jeito que nenhuma cantada barata conseguiria. Não era charme. Era verdade.

— Você também me fez sentir assim. Menos... invisível. — confessei, mais baixo, como se fosse um segredo só nosso. — Eu sabia o quanto este dia é importante para o meu pai, mas ser a irmã mais velha e não ter ninguém com a idade muito próxima não trás muito atrativo.

— Sei bem como é, eu me sentia meio pai da minha irmã, mas agora que temos um pai isso me dá um alívio — ele falou olhando para o céu.

— Deve ser bom ter alguém pra dividir esse papel — comentei, acompanhando o olhar dele para o céu, que começava a se tingir de laranja e roxo no entardecer.

— É... — ele suspirou. — Ainda tô me acostumando. Sempre foi só eu, minha mãe e a Paulinha. Agora tem mais gente. E só de saber que ele é meu pai de verdade, que nunca me abandonou... é muita coisa pra digerir, sabe?

Ele olhou pra mim, hesitando por um instante antes de continuar.

— Meu pai é alegre demais, ama uma folia... veio pra cá só pra ajudar sua mãe, mas parece que trouxe o carnaval junto com ele. Tem hora que... é demais.

— Ainda bem, né? — falei com um sorriso pequeno. — Se ele não tivesse vindo, eu não teria te conhecido.

Ele virou o rosto devagar na minha direção e me olhou. Aquele olhar que parece querer guardar cada detalhe, como se temesse que eu sumisse se piscasse.

— Sim... ainda bem.

Ficamos em silêncio por alguns segundos e, sem dizer nada, nos sentamos no chão, um de frente para o outro. O cimento estava morno, aquecido pelo sol do dia, e o céu parecia cada vez mais mágico.

— Eu nunca contei isso pra ninguém — ele disse, com a voz mais baixa. — Eu sempre tenho medo... medo de dizer algo que magoe a minha mãe.

Ele não tirava os olhos dos meus, e eu vi ali uma sinceridade crua, quase dolorida. Não era fácil pra ele. Eu sabia.

— Pode confiar em mim, Miguel — falei, com suavidade. — Eu não vou julgar você. Nem ela.

Ele assentiu devagar, como se estivesse se preparando para atravessar uma ponte que sempre evitou.

— Você também é assim? Tem medo de magoar os seus pais?

— Não, eu sempre acabo falando sem pensar e muitas vezes já magoei a minha mãe, mas ela entende, hoje é fácil falar com ela dizer tudo o que eu sinto — falei e ele sorriu.

— Eu já sou o contrário muitas vezes eu penso demais e acabo não dizendo nada — completou ele, com um sorriso tímido, os olhos voltando ao chão por um instante, como se confessar isso fosse uma pequena rendição.

— Deve ser difícil carregar tudo sozinho assim — comentei, minha voz saindo num tom mais suave do que eu planejei. — Parece mais fácil guardar, mas... pesa, né?

Ele assentiu, respirando fundo.

— Pesa. Às vezes eu queria ter um lugar onde pudesse simplesmente... desabafar. Falar sem medo de parecer ingrato ou cruel. Porque eu amo minha mãe, de verdade. Ela fez tudo por mim e pela Paulinha. Mas tem dias que eu queria ter um pouco de espaço... ser só o Miguel, e não o filho protetor, o irmão responsável, o cara que tem que entender tudo.

— Eu entendo — falei, e ele me olhou com mais atenção, como se minha resposta tivesse sido maior do que eu mesma percebi. — Às vezes parece que a gente tem que ser o apoio de todo mundo. E aí... quem segura a gente?

Ele ficou em silêncio por alguns segundos, processando aquilo, até que sorriu. Um sorriso sincero, de quem se sente compreendido.

— Talvez seja por isso que foi tão fácil estar com você hoje. Eu não precisei ser nada além de mim.

Aquilo me tocou mais do que eu queria admitir. E talvez por isso, minha resposta saiu baixa, quase num sussurro:

— Eu gostei de você sendo só... você.

Ele estendeu a mão entre nós, como se quisesse fechar aquele pacto silencioso de confiança.

— Então, posso ser só eu quando estiver com você?

Coloquei minha mão sobre a dele, sem hesitar.

— Pode. E eu prometo ser só eu também.

Ele entrelaçou os dedos nos meus, e naquele gesto simples, eu senti o mundo desacelerar de novo.

— Você é a primeira pessoa fora da minha família que sabe como eu realmente me sinto — ele murmurou, como se estivesse apenas agora percebendo a importância daquilo.

— E eu pretendo guardar isso com carinho — prometi, apertando de leve sua mão.

O céu acima de nós já estava salpicado de estrelas, e a festa parecia cada vez mais distante. Ficamos ali, em silêncio de novo, não por falta de assunto, mas porque, pela primeira vez, o silêncio era confortável. Como se a gente finalmente tivesse encontrado um lugar pra respirar.

E por dentro, eu sabia: algo novo tinha começado ali. Algo leve, bonito e nosso.

— Acho melhor irmos — ele falou e nós levantamos. — Daqui a pouco minha mãe vem atrás de mim — ele falou olhando, mas a frente e me fazendo rir.

— Você tem razão... só que antes — falei, me aproximando dele.

Não precisei explicar. O olhar dele já tinha captado o pedido não dito. O mesmo brilho quente e tímido que me conquistou desde o início acendeu nos olhos castanhos, agora quase negros na penumbra. O ar entre nós se adensou, carregado da promessa do que estava por vir, do desejo que crescia como uma maré silenciosa.

Ele não esperou que eu chegasse até ele. Dois passos largos, decididos, e Miguel fechou a distância. Desta vez, não houve hesitação. Nenhuma delicadeza insegura. Ele foi direto ao ponto — ao desejo.

As mãos dele agarraram minha cintura com firmeza, me tirando o fôlego antes mesmo do beijo. Não era um toque incerto ou contido. Era um gesto de entrega e de posse terna. Seus dedos se fixaram nos meus quadris e me puxaram para perto com uma suavidade que não aceitava recusa – e eu, definitivamente, não queria recusar. Meu corpo se moldou ao dele, encaixando-se perfeitamente, da cintura aos ombros. Senti a solidez do seu peito, o calor que emanava através das roupas, a batida acelerada do seu coração refletindo a mesma tempestade dentro de mim.

— Íris... — meu nome saiu dos lábios dele como um sussurro rouco, carregado de tudo o que as palavras não conseguiam expressar — admiração, desejo, e uma vulnerabilidade crua. Era quase uma prece.

E então ele se inclinou.

O beijo começou como um reencontro, suave e reverente. Mas logo evoluiu. Quando seus lábios se moveram com mais firmeza, eu me abri para ele. E foi como mergulhar em águas mornas. Profundo. Intencional. Sedento.

Miguel me beijou com uma doçura que doía. Explorou meus lábios com lentidão e precisão, absorvendo cada reação. Sua língua roçou a minha num gesto tímido que rapidamente se transformou em uma dança íntima, molhada, arrebatadora. Uma conversa silenciosa que dizia tudo o que ainda não tínhamos coragem de admitir em voz alta. Não havia mais timidez, só conexão.

As mãos dele apertaram minha cintura com mais força, puxando-me ainda mais para si, como se quisesse apagar qualquer distância entre nós. Instintivamente, meus braços subiram, enlaçando seu pescoço. Meus dedos se perderam nos fios do cabelo castanho, puxando-o mais para perto, como se eu pudesse prendê-lo ali comigo para sempre. Havia um sabor nele — algo entre o algodão-doce rosa e o sal da realidade — doce, mas com uma profundidade nova, crua, verdadeira.

O mundo ao redor desapareceu. Só existíamos nós dois. O som da festa se calou. As estrelas surgindo lá fora não importavam. Era só o toque, o sabor, o calor, a respiração ofegante misturada. Um momento eterno dentro de um beijo.

Quando, por fim, nos separamos, foi devagar. Lábios ainda se tocando de leve, como se não quisessem aceitar a separação. Nossas testas ficaram unidas, nossas respirações se misturando no ar quente entre nós.

Abri os olhos. Ele já me olhava, os olhos escuros cheios de algo que me fez tremer. Um sorriso surgiu devagar em seus lábios — maroto, doce, um pouco bobo. E irresistível.

— Antes... — completou, a voz rouca, cheia de significado e uma satisfação que derretia qualquer defesa. O polegar acariciava meu quadril, ainda firmemente apoiado ali. — Isso.

Ri, leve, como se tivesse voltado a respirar. Ainda com os lábios formigando, sussurrei de volta:

— Isso... Perfeito.

Miguel soltou um suspiro profundo, como se se reencontrasse consigo mesmo.

— Agora acho que podemos ir — disse, embora seus polegares continuassem a desenhar círculos suaves na minha cintura, como se não quisesse soltar. — Mas só porque prometi pra minha mãe que não sumiria totalmente.

O olhar dele, no entanto, gritava o contrário. Ele queria ficar. Eu também.

Então o beijei de novo. Um beijo mais calmo, doce, cheio de gratidão e medo. Medo de que aquele momento não se repetisse. De que algo o apagasse antes que pudesse se tornar real.

Foi quando ouvimos um pigarro seco.

Afastei-me num sobressalto, o rosto queimando. Meus olhos se arregalaram ao encontrar a figura parada a poucos passos de nós.

— P-pai... — gaguejei, tentando ajeitar minha blusa amassada, as mãos trêmulas.

Meu pai nos observava em silêncio, com expressão indecifrável. No colo dele, minha irmãzinha balançava as perninhas, alheia à tensão no ar, segurando o próprio pezinho com um sorriso banguela.

— Íris pega a sua irmãzinha — o meu pai falou e eu meio que estava paralisada. —Me ouviu — ele falou com mais firmeza na voz e fui até ele e peguei a Nina.

— Pai...

— Vai até a sua mãe, agora — ele falou mais incisivo olhando diretamente para Miguel.

Miguel parecia um animalzinho indo para o abate.

— Pai...

— Só me obedece Íris — meu pai falou em um tom sério eu nunca vi ele assim

Eu estava com Nina nos braços, o coração disparado, sentindo a respiração da minha irmãzinha no meu pescoço, mas era como se o mundo estivesse em câmera lenta. O silêncio que caiu depois daquelas palavras do meu pai doía mais do que qualquer grito.

Miguel ficou parado. Não recuou. Não falou nada. Ele apenas me olhou, e naquele olhar eu vi tudo: a dúvida, o medo, a vontade de entender o que estava acontecendo. Mas também vi algo mais — uma firmeza silenciosa. Como se, mesmo sem saber o que viria, ele não fosse fugir.

— Eu quero conversar com o don Juan aqui

Miguel engoliu em seco, mas assentiu com um gesto breve, respeitoso, os olhos ainda colados nos meus como se pedissem desculpas por algo que ainda nem tinha acontecido.

Meu pai deu um passo para o lado, abrindo caminho com firmeza.

— Agora, Íris.

Apertei Nina contra o peito, o coração em um ritmo descompassado. A bebê se remexeu nos meus braços, soltando um som baixinho e tranquilo, completamente alheia à tensão que nos envolvia.

Sem dizer nada, virei-me devagar e caminhei para longe. As pernas pesadas. A garganta seca.

Eu sabia que não devia, mas parte de mim queria voltar correndo, interromper aquela conversa antes mesmo que ela começasse. Mas havia algo no olhar do meu pai... algo que dizia que não adiantaria.

Ele tinha visto.

Cheguei até a barraca de tiro, onde os sons das risadas e dos estalos dos tiros de festim tentavam manter a leveza da festa. Minha mãe estava ali, ao lado da Vanessa, com os braços cruzados e os olhos atentos, mesmo enquanto sorria para alguém que acabava de ganhar um brinde.

Assim que me aproximei, ela me viu. Seus olhos desceram até Nina, depois voltaram para mim. Com um leve apertar de olhos, ela percebeu. Mães sempre percebem.

— O que aconteceu? — ela perguntou, já abandonando o sorriso.

— O pai... viu — falei baixo. — A gente... se beijou. E ele mandou eu vir pra cá.

Vanessa parou de rir instantaneamente, erguendo as sobrancelhas. Minha mãe trocou um olhar com ela que falava mais que mil palavras.

— E o Miguel? — ela quis saber.

— Ficou com o pai. Ele disse que queria conversar com o "Don Juan" — murmurei, engolindo em seco.

— Deixa eu ver se entende você e o meu filho se beijaram? — a Vanessa perguntou chocada.

— É e o meu pai viu, é está lá com ele...

— Filha respira, vamos entrar e não se preocupe com nada seu pai não é nenhum pouco, e eu quero saber de tudo — a minha mãe falou empolgada.

— Mãe vai salvar o Miguel — falei fazendo biquinho.

— Deixa o seu pai conversa com ele, o Liam e meio que tio dele e tem juízo — a Vanessa falou calma e se a mãe dele estava calma realmente o meu pai não ia fazer nada demais.

Mas mesmo assim o medo do Miguel nunca mais querer me ver era o que mais me assombrava.

Fui com a minha mãe para dentro e lá tinha uma mulher conversando com um homem que sorriram assim que viram a minha mãe.

— Dona Isabel, você poderia ficar com a Nina um pouquinho preciso conversar com a minha mais velha — quando a mamãe falou isso o senhor arregalou os olhos.

— Vem com a vovó um pouquinho minha bonequinha — a tal Isabel falou pegando a minha irmã com tanto carinho.

E eu nem questionei se a minha mãe que é a pessoa mais paranóica no mundo para nós proteger confia nela quem sou eu para não confiar.

— E que carinha é essa, princesa? — Dona Isabel perguntou, ajeitando Nina com tanta delicadeza no colo que parecia ter feito aquilo a vida inteira.

Dei um meio sorriso, tentando esconder a ansiedade que me consumia por dentro.

— Ela tá preocupada porque o pai tá conversando com um paquera — minha mãe respondeu antes de mim, num tom leve, mas com aquele sorrisinho que só as mães sabem dar quando sabem que o assunto é mais sério do que parece.

— Ah… entendi. — Dona Isabel me encarou por um instante, e por um segundo, juro, senti que ela conseguia ver além de mim. — Conversas de pai são sempre mais tensas quando o coração da filha tá envolvido.

Engoli em seco.

— Foi só um beijo... — murmurei, mais pra mim mesma.

— Um beijo nunca é “só um beijo” quando faz a alma tremer — ela disse, passando os dedos carinhosamente pelos fios finos do cabelo da Nina.

Fiquei em silêncio. Aquilo me pegou desprevenida. Havia uma ternura profunda nas palavras dela. Algo mais... íntimo. Familiar até demais.

Minha mãe percebeu o clima e apertou minha mão.

— Vamos, filha. A gente precisa conversar com calma.

Entramos num pequeno escritório e, assim que a porta se fechou atrás de nós, corri para os braços da minha mãe.

— Mamãe... — murmurei, me aninhando no colo dela como fazia quando o mundo parecia grande demais.

Ela me abraçou forte, a mão acariciando meus cabelos com delicadeza.

— Filha, você não precisa se preocupar. Você e o Miguel não fizeram nada de errado. Vocês só estão crescendo... e crescer, às vezes, assusta até a gente que já cresceu — ela disse com um sorriso tranquilo. — Mas me diz uma coisa... foi bom?

Assenti, escondendo o rosto no ombro dela.

— No começo foi meio esquisito... o meu cérebro meio que desligou... — sussurrei, e depois olhei pra ela com um meio sorriso tímido. — Mas depois eu senti... tipo umas borboletas no estômago. E... o gosto foi bom.

Ela riu baixinho e me apertou de leve.

— Beijar é uma das melhores coisas do mundo, mesmo. Mas escuta a mamãe aqui: nada de namorar antes dos quinze, tá bem?

— Mas eu já tenho catorze e meio...

— E eu sou muito nova pra ser avó! — respondeu, fazendo graça.

Eu ri, cobrindo o rosto com as mãos, morrendo de vergonha.

— Mãe!

— Tô brincando. Um pouco. — Ela me olhou nos olhos com seriedade. — Eu só quero que você tenha tempo de ser menina antes de se jogar no que é ser mulher, entende? Porque, uma vez que começa... às vezes não dá pra voltar atrás.

Assenti em silêncio.

— O seu pai tem medo e eu também Íris — a mamãe falou fazendo carinho em mim. — De te machucarem, mas saiba que você não está sozinha, você tem pais que te amam e te apoiam.

— Eu sei e já fui burra uma vez não vou ser de novo.

— Você vai, você só tem 14 anos, filha... e é normal — minha mãe disse com um suspiro, ajeitando uma mecha do meu cabelo atrás da orelha. — E o meu trabalho é estar aqui com um colinho e tentar amenizar os danos.

Assenti em silêncio, me aninhando de novo no peito dela. O carinho dela me acalmava de um jeito que nada mais conseguia.

— E o Miguel? — perguntei baixinho, quase sem coragem. — O pai vai deixar ele se aproximar de mim de novo?

— O seu pai... é um bicho bravo com coração mole — ela respondeu, dando um beijinho na minha testa. — Ele vai implicar, observar, colocar medo, mas... se o Miguel for digno, ele vai saber conquistar a confiança dele. E a minha também.

— Você acha que ele vai querer continuar?

— Eu acho — ela disse com firmeza. — Porque meninos que ficam, mesmo quando o pai bravo aparece com a irmãzinha no colo, não são comuns. Eles ficam porque se importam de verdade.

Dei um sorriso tímido. Queria acreditar naquilo com todas as forças. E, no fundo, uma parte de mim já acreditava.

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Continua...

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