MADISSON
A tarde passou arrastada, como se o tempo estivesse de má vontade comigo. Tentei me distrair entre caixas ainda por desfazer e um livro qualquer que peguei na biblioteca, mas nada parecia funcionar. A verdade é que ainda não me sentia em casa. Tudo aqui era estranho. Bonito, sim. Organizado, claro. Mas estranho, como se eu tivesse sido transplantada para um mundo onde todas as peças já se conheciam, e eu fosse a única intrusa tentando me encaixar.
Quando o céu começou a mudar de cor, tingido por um laranja quente que logo escureceu para um roxo profundo, ouvi batidas rápidas na porta do meu quarto.
— Maddy! — Gwen chamou do corredor, a voz animada. — Anda logo! Vai começar!
— Começar o quê?
Abri a porta e dei de cara com… uma Gwen que eu não conhecia.
Ela estava usando uma calça preta colada, que realçava cada curva das pernas longas. A blusa era verde menta, de tecido leve, com um decote em forma de coração que deixava seus ombros à mostra. O cabelo, geralmente preso em um coque apressado, agora caía solto em ondas largas sobre os ombros. E o gloss nos lábios fazia sua boca parecer maior, mais chamativa.
— Você vai a um encontro? — perguntei, semicerrando os olhos.
Ela riu, sem jeito e as bochechas ficaram vermelhas.
Hmmm.
Minha irmã está apaixonada?
— Claro que não. Vamos ao jogo.
— Vamos? Quem é o cara?
— Você achou mesmo que ia passar sua primeira sexta-feira em Lunaris trancada no quarto? Sim, nós amos. E não existe um cara.
— Eu achei que você odiava esse tipo de coisa. E com certeza existe um cara, você se arrumou toda.
Ela desviou o olhar por um segundo.
— Eu mudei. Vai ser divertido, todo mundo vai. E… bom, dizem que os jogos aqui são mais do que só jogos. É tipo um evento social.
Cruzei os braços.
— E você? Vai conhecer alguém, não é? Isso cheira a encontro.
Ela só deu um sorriso misterioso e me empurrou de volta para o quarto.
— Vai trocar de roupa ou quer ir vestida assim mesmo?
Olhei para baixo, para minha roupa. Uma camiseta velha e um short de moletom. Bufei.
— Tá, já entendi.
Escolhi um jeans escuro e uma blusa de mangas compridas em tom rosa. Nada muito chamativo. Prendi o cabelo em um rabo de cavalo alto e, após hesitar por longos segundos, passei um pouco de gloss transparente nos lábios e rímel. Só para não parecer completamente deslocada.
Gwen me avaliou quando saí do quarto.
— Fofa. Simples, mas fofa.
— Melhor que exagerada.
Ela revirou os olhos, mas sorriu.
— Vamos logo antes que o estacionamento lote.O caminho até o campus foi curto. O ginásio ficava nos fundos da universidade, conectado ao colégio por uma trilha bem iluminada. Já havia uma pequena multidão no portão quando chegamos. Estudantes, professores, alguns pais, e até universitários misturados ali, muitos com jaquetas azul-marinho e cachecóis da mesma cor.
Os torcedores mais animados gritavam, e o som das arquibancadas vibrava como um tambor dentro do meu peito.
Gwen segurou minha mão e me puxou para dentro, encontrando lugar nas fileiras mais acima. A vista dali era perfeita: uma visão ampla da quadra, da torcida e da entrada dos jogadores.
— Tem certeza que não está aqui por alguém? — perguntei baixinho, desconfiada.
— Shhh! — Ela apontou. — Vão entrar.
As luzes diminuíram por um instante, e o ginásio se encheu de gritos.
E então ele apareceu.
Caminhando com passos firmes, usando a jaqueta da escola com o nome “Thorne” bordado em dourado nas costas. Cabelos preto caindo sobre a testa, olhar fixo à frente, como se nada pudesse distraí-lo. Alto, forte, com uma presença que puxava o ar da sala como um ímã.
Meu coração pulou sem motivo aparente.
— Esse é o Kael Thorne Thorne — sussurrou Gwen, com um meio sorriso. — Agora você entende a comoção?
Eu mal consegui responder.
Não porque ele fosse bonito, embora fosse. Nem devido ao jeito confiante com que caminhava ou da forma como os outros jogadores olhavam para ele com respeito.
Era por outra coisa.
Algo que não consegui explicar. Como se minha alma tivesse reconhecido algo antes mesmo de minha mente compreender. Como se o mundo ao meu redor tivesse silenciado por um segundo, só para me deixar ouvir o som do próprio coração acelerando.
Kael.
Mesmo sem me olhar, mesmo sem saber que eu existia, ele me fez sentir como se tudo estivesse bem, aplacando a ansiedade que tomou meu corpo ao longo do dia.
A multidão explodiu em comemoração quando o apito final soou. Os jogadores se abraçaram no centro do campo, ergueram os braços e acenaram para a torcida. Gwen aplaudiu com entusiasmo ao meu lado, mas eu continuava imóvel, olhando para Kael como se ainda estivesse presa naquele primeiro instante em que o vi.
Algo nele parecia... quebrado e, ao mesmo tempo, inquebrável.
Eu nem percebi que estava prendendo a respiração até que o grito coletivo da arquibancada me arrancou do transe.
— Harper! Harper Liney!
Virei o rosto na direção dos sussurros. O nome reverberava pela arquibancada, como uma batida de tambor. As pessoas se movimentavam, algumas se levantavam dos assentos para ver melhor.
— Quem é essa? — perguntei à Gwen, que franziu a testa, tentando acompanhar o tumulto.
— Ah, não…
Ela não precisou dizer mais nada.
Foi impossível não ver. A loira caminhava como se o mundo fosse seu tapete vermelho. Cabelos lisos, tão claros que pareciam quase brancos sob as luzes. Vestido rosa chiclete, justo e curto demais para o frio da noite. E saltos que batiam contra o chão como sinos de alerta.
Harper Liney.
Ela nem hesitou, atravessou o campo como se fosse parte do espetáculo e, em um único movimento teatral, se jogou nos braços de Kael. Ele a pegou antes que ela caísse, por puro reflexo, eu imagino. Mas o olhar dele... o olhar não era o de alguém feliz por vê-la. Era o de alguém que preferia estar em qualquer outro lugar.
Ainda assim, ele a segurou.
Os gritos aumentaram. Muitos aplaudiam, outros riam, e alguns apenas observavam, como eu.
Foi então que o segundo nome apareceu.
— Doriam Thorne! Olha ele ali!
Outro burburinho, e dessa vez, meus olhos o encontraram rápido.
Um homem surgia no canto da quadra, andando com passos lentos, controlados. Devia ser só um pouco mais velho que Kael, talvez uns dois anos, mas o jeito como andava, como olhava ao redor... ele exalava poder. Tinha os cabelos um pouco mais longos que os de Kael.
mesmo maxilar marcado, o mesmo olhar calculista.
Eles pareciam versões opostas de um mesmo molde.
Doriam sorriu e se aproximou, batendo no ombro de Kael como se estivesse selando um pacto invisível. Kael sorriu de volta, parecia um sorriso verdadeiro. Ainda segurava Harper, que agora ria para algo que seu noivo disse.
Gwen resmungou ao meu lado.
— Isso tudo parece tão encenado.
— O que você quer dizer? — perguntei, ainda hipnotizada pela cena.
— Harper é a filha de um dos sócios da Thorne Tecnologia. Eles vivem dizendo que ela e Kael vão se casar em breve. Aposto que ela adora fazer isso: aparecer quando sabe que ele vai estar em evidência.
— E o outro? Doriam?
— Primo dele. Filho do CEO da empresa. — Gwen abaixou a voz. — E dizem que ele quer ser o sucessor no comando, mas com o Kael por perto... tudo fica meio indefinido.
Continuei observando.
Harper finalmente desceu dos braços de Kael, mas continuou pendurada no braço dele, sorrindo para as câmeras e celulares que se estendiam das arquibancadas. Kael não afastava o corpo, mas também não parecia confortável.
Doriam, por outro lado, parecia estar exatamente onde queria estar. Sua expressão era tranquila, mas havia algo nos olhos dele, algo cortante.
Foi quando ele olhou para a arquibancada.
E por um breve segundo, nossos olhares se cruzaram.
Eu não sei se ele me viu. Mas aquele único instante foi o suficiente para me fazer estremecer.
Algo nele me causava calafrios.
Engoli em seco e desviei o olhar.
Gwen tocou meu braço.
— Quer ir embora?
Assenti.
Ela parecia um pouco triste, e quase perguntei se ela tinha certeza sobre voltar para casa, eu poderia voltar de ônibus ou encontrar uma carona. No lugar disso, insisti se ela não teria um encontro e eu estava sendo uma empata. Mihna irmã, insistiu que não.
Eu não acreditei nisso nem por um segundo.