Matteo:
Estou no meu closet, completamente nu. Meus dedos, calejados pelos anos de luta e poder, percorrem as diversas gravatas dispostas sobre a cômoda. Minha mão para sobre uma, cinza escura, perfeita para o terno que já me espera. Coloco a gravata de seda sobre a cômoda e começo a vestir a camisa branca. O corte ajustado se molda às minhas costas, minha pele clara marcada não só pelos músculos que esculpi ao longo dos anos, mas também por tatuagens e cicatrizes que contam uma história muito diferente da que a maioria conhece sobre mim. Elas são a prova de que sou mais do que um bilionário, CEO, ou filantropo.
Elas são a verdade sobre quem eu verdadeiramente sou: o Falcão.
Muitos poderiam dizer que minha infância foi o que me levou ao caminho que trilho hoje. Lares desfeitos, almas perdidas, corações vazios. Mas não foi nada disso. A verdade é que tive uma infância feliz, cercada por uma família maravilhosa. Fui para a escola, fiz minha lição de casa, fui para a cama quando meus pais mandavam, briguei com minha irmã mais nova, Ava, e me meti em todas as confusões que um garoto de dez anos poderia imaginar. Fui um garoto feliz. Meus pais, Enzo e Isabella Romano, garantiram isso.
Nasci em meio à riqueza, uma vida de privilégios que, quando criança, eu nunca questionei. Meu pai foi o fundador da MOREAU, uma empresa que lidava com uma vasta gama de manufaturas e importações. Tínhamos estaleiros, fábricas, clientes espalhados por todo o mundo, e ao longo dos anos, a fortuna da família só cresceu.
Desde pequeno, convivi com inúmeros parceiros de negócios do meu pai. Eles estavam sempre presentes nas festas e eventos beneficentes que eu frequentava. No entanto, de todos esses rostos, havia apenas um que meu pai considerava um verdadeiro amigo: Alessandro Vitale.
Alessandro Vitale, um empresário russo envolvido na fabricação de armas, conheceu meu pai no início dos anos 80, em meio ao colapso da União Soviética. Eles formaram uma parceria que beneficiou a ambos, e, com o tempo, tornaram-se grandes amigos. Alessandro vinha nos visitar pelo menos uma vez ao ano, sempre trazendo presentes, mimando a mim e a Ava grandiosamente. Ele não tinha filhos, então nos tratava como se fôssemos dele, sempre com carinho e atenção. Para mim, Alessandro era como um tio, alguém em quem eu confiava e amava. A melhor época do ano era quando o 'tio Alessandro' ficava conosco por duas semanas antes de voltar para a Rússia. A parceria entre meu pai e Alessandro durou quase vinte anos.
Mas tudo mudou no dia em que a minha família foi tirada de mim.
No instante em que o "acidente" aconteceu, eu mal tive tempo de entender o que estava se passando. Era para ser uma noite comum, um jantar em família. Lembro-me de entrar na Mercedes, o conforto familiar ao ver meus pais na frente, Ava e eu no banco de trás. Íamos ao restaurante italiano favorito dela. Mas, de repente, tudo virou caos. O mundo começou a girar ao nosso redor. O impacto veio como um soco brutal, lançando o carro no ar, capotando diversas vezes, enquanto metal e vidro se despedaçavam ao nosso redor.
Os gritos de Ava misturavam-se com os meus próprios. Eu conseguia ouvir os murmúrios desesperados da minha mãe, implorando, as mãos trêmulas do meu pai lutando contra o cinto de segurança. Senti o sangue quente escorrendo pelo meu rosto, e a cada batida do meu coração, a dor no peito aumentava, queimando como se quisesse me consumir. Eu estava paralisado, o medo me engolia por completo.
Foi então que percebi. Aquilo não era um acidente. Fomos empurrados para fora da estrada, jogados direto para a boca do abismo, onde um SUV enorme nos aguardava. Antes que eu pudesse processar o que estava acontecendo, balas começaram a chover sobre o carro. Vidro e metal estouravam ao meu redor, cada tiro mais perto, cada estouro mais alto.
Ava foi a primeira a partir. Um único tiro atravessou o peito dela, e o mundo se tornou um pouco mais escuro. Eu nem conseguia gritar. Olhei para o lado e vi seu corpinho se curvando, o brilho de seus olhos sumindo. Minha mãe foi a próxima. As balas a atravessaram como se ela fosse feita de papel, e o sangue manchou sua blusa de seda branca. Então, meu pai… Enzo foi o último. Lutei para estender a mão para ele, mesmo quando uma bala atingiu minhas costas. Ele tentou, com toda a força que tinha, me alcançar, mas foi um tiro certeiro na cabeça que colocou fim ao sofrimento dele.
O pequeno estalo do vidro e o som abafado de sua cabeça caindo para o lado foram as últimas coisas que ouvi antes de tudo se apagar.
Mais tarde, eu descobriria que fui baleado duas vezes, uma nas costas quando tentei alcançar meu pai e outra no peito, quase atingindo meu coração. Quando finalmente me encontraram, fui levado para o hospital, onde sofri parada cardíaca duas vezes. Mas a morte parecia me recusar. Eu sobrevivi. Passei duas semanas mergulhado em uma névoa de dor e medicação, preso em um vazio onde a realidade e o sonho se misturavam.
Quando finalmente voltei à consciência, a sala estava cheia de estranhos e advogados que discutiam assuntos que achavam que eu não entenderia. Mas eu ouvi. Palavras como “único herdeiro” e “bilhões de dólares” flutuavam no ar. Foi aí que entendi. Só restava eu. Matteo Romano, o único sobrevivente da família Romano. Herdeiro de bilhões, mas nada daquilo importava quando percebi estar completamente sozinho no mundo.
Minha mãe, meu pai, minha irmãzinha… eles haviam partido. Ninguém notou quando minha respiração parou e as lágrimas começaram a escorrer. Eu, com apenas dez anos, sentia como se meu mundo tivesse sido destruído, e não havia nada que eu pudesse fazer para desfazer aquilo.
Perdido em meio ao desespero, senti uma mão quente sobre meu ombro. Levantei os olhos, e pela primeira vez desde que acordei, senti um vislumbre de esperança.
— Tio Alessandro! — Soluço ao ver o rosto familiar.
— Matt – ele murmura tristemente meu apelido, me puxando para um abraço, o sotaque russo dele tão familiar, me envolvendo em uma sensação de segurança que eu achava que nunca mais sentiria.
— Todos eles se foram. Por que eles se foram? — Choro contra ele, minha mente retornando àquela última noite, o sangue, o terror. — Estou sozinho. Eu quero a mamãe… eu quero a Ava… eu quero o papai!
Alessandro me segura firme, passando a mão sobre minha cabeça, tentando acalmar meu corpo trêmulo.
— Não está sozinho, Matt. Eu estou aqui. Você sempre terá a mim. Eu prometi ao seu pai que cuidaria de você. – Ele limpa as lágrimas do meu rosto, olhando diretamente para mim. – Nós seremos a família um do outro, ok?
Assinto, tentando acreditar. Sinto o peso de suas palavras, segurando-me nelas como uma âncora no meio de um oceano violento.
— Eu vou protegê-lo com a minha vida, Matteo — promete, beijando meus cabelos, sua voz carregada de emoção. – Tudo ficará bem, meu garoto.