O silĂȘncio no carro estava incomodando, mas tudo que ele tinha para falar nĂŁo poderia dizer. Olhava de relance para o homem do outro lado do banco inerte a suas encaradas, concentrado em seu Tablet e no trabalho.
Olhou o celular recebendo outra mensagem de sua namorada e nem precisava abrir para saber que era outro xingamento em direção ao seu pai para incrementar os textos anteriores tambĂ©m xingando o homem. â Para com isso â Pediu o mais novo, mas nĂŁo ganhou a atenção â Para de tratar ela assim. Eu a amo. â Na adolescĂȘncia ninguĂ©m ama ninguĂ©m. â VocĂȘ amou a minha mĂŁe. â E ela estĂĄ com outro homem agora em algum lugar da SuĂça com uma pensĂŁo gorda com meu nome no final de todo cheque. â Ah, entĂŁo vocĂȘ acha que Ă© isso que a Clarisse quer de mim? Me dar um filho e depois abandonar ele com o pai pedir o divĂłrcio e se casar com outro? Vicent o olhou dessa vez. â Ela nĂŁo me trocaria por outro. Ela me ama. Me ama. NĂŁo compare ela com a minha mĂŁe. â Ah⊠Ela te ama? Ama mesmo? EntĂŁo para se dar presentes caros e levĂĄ-la em viagens caras. â Ela nĂŁo se importa com dinheiro e os pais dela gostam de mim. VocĂȘ devia gostar dela. â Ah ele gostava e gostava muito. â Faça esse esforço, por mim. Ă fim de ano pai, o Natal estĂĄ prĂłximo. Faça isso por mim. Por favor. NĂŁo havia nada que Vicent nĂŁo fizesse para deixar seu filho bem e feliz. Desde que nasceu sempre foi tratado como um prĂncipe embora nĂŁo tivesse o amor de sua mĂŁe, mas isso nĂŁo iria lhe abalar. Vicent nĂŁo iria deixar que ele sentisse falta da mulher que lhe colocou no mundo. PorĂ©m, havia algo naquela garota, algo em Clarisse que lhe tirava do sĂ©rio. E sĂł lhe tirava do sĂ©rio, porque sentia desejos por ela e nĂŁo podia tĂȘ-la. E saber que quem tocava naquela garota, era seu filho, o enlouquecia. â VocĂȘ farĂĄ uma festa nesse natal para me apresentar como seu sĂłcio e herdeiro. Me deixe levĂĄ-la como minha acompanhante, e aceitarei suas aulas e atĂ© o estĂĄgio na empresa como vocĂȘ sugeriu no começo do ano. Vicent o olhou na mesma hora, Ronny sabia que iria herdar tudo que seu pai tinha, mas jĂĄ nos seus vinte e quatro anos sequer fez questĂŁo de aprender um pouco mais. E entregar sua empresa nas mĂŁos de outra pessoa estava fora de cogitação. â AceitarĂĄ o estĂĄgio tambĂ©m? â o outro confirmou â Eu nĂŁo construĂ aquela empresa estando sempre no topo. Trabalhei para conquistar tudo e nĂŁo aceito entregar nas mĂŁos de outra pessoa, senĂŁo do meu filho que tambĂ©m precisa começar de baixo, para merecer o cargo de presidente. â Tudo bem. â Mandarei um convite para ela. E a tratarei bem. Em troca vocĂȘ começa a trabalhar assim que voltamos da viagem no ano novo. â Faça mais que isso. Ela jĂĄ deixou claro que nĂŁo iria nunca mais numa festa sua. A convença disso. Porque se ela nĂŁo for, eu tambĂ©m nĂŁo vou. Ele poderia repreender aquele garoto, mas conhecendo o homem que criou, sabia que ele estava falando a verdade e ter aquela mulher numa festa de gala mesmo contra sua vontade era melhor do que nĂŁo ter o filho para apresentar como sĂłcio das empresas da famĂlia. â MamĂŁe? â Clarisse chamou pela mulher que mais amava assim que atravessou as portas de sua casa, sorriu ao vĂȘ-la descer as escadas com um sorriso no rosto. â Cheguei a tempo do cafĂ©? â Claro que sim. Seu pai ficarĂĄ feliz em saber que irĂĄ nos acompanhar â Se abraçaram ao seguir para a cozinha â Olha sĂł quem chegou. Eu disse que ela viria para o cafĂ©. O homem sorriu ao abraçar a filha e puxar a cadeira pra ela e depois para sua esposa se sentarem. Tratadas como Rainha e Princesa do seu lar, jamais seria diferente. â E onde estĂĄ Ronny? Poderia ter o trazido para comer conosco. Eu fiz o bolo preferido dele. â Ele teve que sair com o pai, disse que iriam para a fazenda. â Contou toda feliz jĂĄ começando a devorar tudo. â Faço muito gosto do seu namoro com esse menino, mas nĂŁo quero saber de nenhuma histĂłria ruim a seu respeito por causa dele. â Como⊠como assim? â Clarisse encarou seu pai, que olhou para a esposa, e voltou a filha. â O que houve? â Ronny Tornneght Ă© um herdeiro. Seu sobrenome estĂĄ em quase tudo na cidade. NĂŁo quero ninguĂ©m falando que minha filha Ă© namorada por interesse. VocĂȘ nĂŁo precisa de dinheiro. VocĂȘ tem tudo que necessita. VocĂȘ nĂŁo Ă© herdeira de uma fortuna, mas nunca lhe faltou nada. â Eu nunca escutei alguĂ©m falar isso de mim â Mentira, Vicent jĂĄ havia esfregado isso em sua cara algumas vezes â Quem nos conhece sabe que nos gostamos de verdade e eu tenho muito orgulho dos meus pais policiais. â Ex-policiais, nĂŁo aguento mais correr atrĂĄs de ninguĂ©m. SĂł da sua mĂŁe se ela fugir. â Eu nĂŁo vou fugir. Os dois se beijaram como um casal apaixonado. E vĂȘ-los daquele jeito lhe dava uma sensação gostosa. Queria ter aquele tipo de relacionamento, de crescer juntos, ter um casamento apaixonado, dinheiro nĂŁo lhe importava, ela tinha um emprego de meio-perĂodo na livraria da faculdade, e em breve estaria formada em direito com direito a chamadas para escritĂłrios por conta de suas notas. Ela seria tĂŁo importante quanto a famĂlia Tornneght, dentro ou fora dela. O final de semana com seus pais era um dos mais confortĂĄveis, em suas folgas adorava estar perto de sua famĂlia e ser amada por ela. Mas as horas passam e os dias se vĂŁo, e logo a segunda aparece trazendo o vento frio da cidade para o seu conforto. Tudo bem precisamos do sol, mas um na semana jĂĄ Ă© o suficiente. O frio, a neve do fim de ano, a semana para o Natal prometia. Saiu de casa no mesmo horĂĄrio e as aulas extras da faculdade estavam disponĂveis como cursos e palestras. Ela nĂŁo era obrigada, mas como uma boa Nerd que precisa defender sua tese Ă© se formar mais rĂĄpido, iria em todas. Assim como seu emprego, onde arrumava as prateleiras cheias de livros novos e velhos, clĂĄssicos e atĂ© os mais conhecidos. O cheiro do conhecimento muito lhe agradava, no entanto, nĂŁo era o lugar preferido da maioria dos alunos, e com poucas pessoas no campus, Clarisse tinha mais tempo para organizar e ler sem ter que atender a todos, mas nĂŁo estava livre de clientes. Escutou quando a porta abriu e demorou a fechar, deixou o corredor quase correndo para receber quem tinha entrado e travou no mesmo passo ao encarar aquele homem ao pĂ© da porta. â OlĂĄ? â Clarisse olhou ao redor antes de voltar ao homem, estava sozinha, a loja nĂŁo tinha cĂąmera, o que ele estava fazendo ali? Foi para ameaçar? â Oi. Aconteceu alguma coisa com o Ronny? O que vocĂȘ estĂĄ fazendo aqui? Ronny? RONNY? Sempre ele. Claro que seria ele. â Poderia tomar um cafĂ© comigo?