Maria Vitória Bocci

Os dias foram passando, o ambiente em casa se tornava cada vez mais hóstil. Minha mãe sempre ocupada, distraída com suas próprias preocupações, mal percebendo o que acontecia ao seu redor. Eu, por outro lado, tinha as obrigações da faculdade, as provas finais, os estágios práticos chegando, o final do de semestre, mas nada disso parecia ser suficiente para me afastar das visitas de Marcelo.

Às vezes, eu mal podia acreditar em como ele conseguia se fazer presente sem ser convidado, aparecendo em todos os cantos da casa, sempre com aquele olhar que não sabia esconder. Ele parecia estar em todo lugar, sempre perto demais, como se quisesse ocupar cada espaço. Cada movimento meu era seguido por ele, e eu não sabia mais como reagir.

Era comum que eu estivesse no meu quarto, tentando estudar ou descansar, quando ouvia a porta se abrir com um ranger baixo. Ele nunca batia. Apenas entrava, e o simples som de seus passos parecia encher o ambiente com uma tensão que eu não sabia como cortar.

No início, eu tentava ser educada, fingir que não me importava. Mas, com o tempo, as coisas começaram a se tornar insuportáveis.

Uma tarde, eu estava sentada na cama, meus livros espalhados, quando ele entrou sem aviso. Seus olhos, sempre insistentes, caíram sobre mim de imediato, como se me estudassem, e logo a conversa começou, sem que eu tivesse muito a dizer.

— Mavi, você sabe que a vida não é só essa correria de estudos, né? — Disse, enquanto se aproximava lentamente. Sua voz era suave demais, como se tentasse me acalmar, mas eu sentia a pressão de suas palavras, o peso que elas carregavam.

Tentei me concentrar nos livros, evitar a troca de olhares, mas ele não desistia. À medida que ele se aproximava, a tensão se tornava mais palpável. Eu sentia seus olhos sobre mim, como se tentasse me desnudar, como se me tivesse tirado a roupa sem sequer tocá-la. Um desconforto crescente tomou conta de mim, e eu só conseguia manter a cabeça baixa, me forçando a ignorá-lo.

Foi então que ele se sentou ao meu lado na cama, muito mais perto do que eu desejava, a distância entre nós parecia desaparecer. Ele tocou meu ombro, com um movimento tão suave que parecia carinhoso, mas havia algo naquele toque que fez meu corpo estremecer. Não foi uma carícia. Foi um toque possessivo, algo que me fez sentir invadida.

— Você está tão tensa, Mavi... Você deveria relaxar mais, aproveitar a vida... — Ele sussurrou, tom doce, mas a intenção por trás das palavras era clara demais.

Eu não sabia o que responder. Tudo o que eu queria era que ele saísse. Mas ele não estava ali por muito tempo. Cada visita dele parecia mais uma invasão do que um momento de convivência. Ele começava com conversas aparentemente inocentes, mas logo as palavras se tornavam mais pesadas, os gestos mais próximos.

Naquela tarde, enquanto ele conversava sobre algo irrelevante, eu percebi o quão perto ele estava. O calor de seu corpo parecia se infiltrar no meu espaço, invadindo algo que eu queria manter meu. Ele respirava mais fundo, eu sabia que ele estava se aproximando mais, talvez para encostar em mim, talvez para testar os limites, e o pior de tudo era que eu não conseguia encontrar uma saída.

Num momento em que ele olhou diretamente nos meus olhos, como se quisesse me dizer algo sem palavras, eu senti uma roçada no meu ventre. O toque indesejado. O calor do seu corpo contra o meu fez com que minha pele se arrepiasse, e minha garganta secasse.

Naquele momento, ele sorriu. Um sorriso lento, quase triunfante, como se tivesse conquistado mais um pedaço de mim sem que eu tivesse me dado conta.

— Não precisa ter medo, Mavi... — Disse com a voz baixa, como se fosse um segredo entre nós dois. — Eu só quero o melhor para você. Tudo o que eu sentia era repulsa. Ele se levantou, saindo como se nada tivesse acontecido, deixando para trás a sensação de que ele sempre estaria ali, pronto para invadir novamente, pronto para testar os limites mais uma vez.

Eu fiquei ali, imóvel, sem saber o que pensar. O silêncio da casa agora parecia me sufocar, e o peso dos dias que se arrastavam só aumentava. Eu não sabia por quanto tempo conseguiria aguentar. Cada passo, cada movimento dele, parecia ser uma ameaça silenciosa, uma constante lembrança de que, dentro daquela casa, eu não estava segura.

Era sábado a noite, quando novos convidados chegaram, estranhei: música baixa, pessoas conversando, risos, bebidas, buffet. Eu não me lembrava de nenhum aniversário, entrei em casa estranhando uma festa repentina, balões brancos, nome bem vindo em painel, pessoas dispersas, cumprimentei a todos, com a desculpa de tomar um banho após um sábado cheio.

Fui para o quarto, arrumava o meu material, quando a minha tia chegou. Helena não era minha tia de sangue, mas não me lembrava de um único acontecimento em nossas vidas em que ela não estivesse presente, com seu sorriso sincero e olhos atentos.

— Como você cresceu, menina! — disse, me abraçando forte. — Está linda!

Conversamos no meu quarto. Falei sobre os estudos, o estágio. Tentei ignorar o que realmente queria dizer.

— E como está a gravidez da sua mãe? — ela perguntou, como se fosse algo óbvio.

Meu corpo congelou.

— O quê?

— Ah... ela não te contou? Achei que já soubesse...

Levantei num pulo. Saí em disparada até a sala. Minha mãe estava cercada de convidados. Sentada no colo de Marcelo, uma taça de suco na mão, sorria enquanto os amigos a parabenizavam.

Grávida.

Dele.

Tudo fez sentido. Os toques. Os sorrisos. A aproximação forçada. E ela... ela escolheu ignorar.

Após a saída dos convidados, fui até seu quarto. Marcelo ainda estava ocupado liberando o pessoal do buffet.

Bati na porta devagar.

— Mãe, a gente precisa conversar. 

Ela me lançou um olhar feliz. 

— O que foi agora, Maria Vitória? Veio me dar os parabéns? — Abriu os braços, mas eu neguei.

Engoli em seco. Sim, eu estava frustrada. Ela grávida. E eu, a última a saber. Mas algo muito pior me incomodava. — Ihh lá vem você com as suas crises. — Reclamou.

Entrei em seu quarto, fechando a porta atrás de mim.

— Não é crise. É sério. É sobre o Marcelo.

Ela soltou um suspiro.

— O que tem ele? Fez alguma coisa que você não gostou de novo? Porque, sinceramente, eu já tô cansada desse seu drama com ele.

— Ele me beijou. À força. Aqui em casa. — falei, olhando nos olhos dela.

Ela se calou por um segundo. Depois riu, nervosa.

— Você só pode estar brincando.

Neguei com a cabeça.

— Eu não tô brincando. Ele aproveitou que você estava na piscina, veio até meu quarto... e me... me beijou. Eu empurrei, gritei com ele. Fiquei com nojo, mãe.

Ela me encarava de volta, erguendo o dedo indicador com o anel dourado com um desenho de nó, destacado. 

— Peraí. Você tá me dizendo que o Marcelo, meu namorado, tentou te forçar? Que tipo de coisa absurda é essa, Maria Vitória?

Era doloroso dizer. Principalmente para alguém que não parecia afim de acreditar.

— A verdade. Ele passou dos limites, mãe! E eu tô te contando porque você precisa saber com quem tá dormindo!

— Ou você quer que eu brigue com ele por tua causa, é isso? Tá com ciúmes porque ele me trata bem? Porque finalmente tenho alguém que me valoriza?

— Ciúmes?! Eu tô tentando me proteger! E proteger você também! Ele é um abusador!

Ela ergueu a mão, pedindo silêncio.

— CHEGA! Eu conheço o Marcelo! Ele nunca faria isso. Você deve ter entendido errado ou... tá inventando tudo pra me deixar sozinha de novo. Você sempre odiou quando eu tô feliz!

Comecei a chorar. A voz já embargada.

— Você tá me chamando de mentirosa?

Ela sentou na cama e me puxou pela mão.

— Tô dizendo que talvez esteja confundindo as coisas. Você sempre foi carente, sempre precisou de atenção. Vai ver se insinuou... vai ver ele entendeu errado.

Me afastei, em choque.

— Você não tem ideia do que tá dizendo. Eu... eu sou sua filha. E você prefere ele?

Os olhos dela marejaram de raiva e confusão.

— Eu prefiro a verdade. E até onde sei, o Marcelo nunca me deu motivos pra duvidar dele.

As palavras saíram num sussurro:  — Você acabou de escolher ele. Mesmo depois de tudo.

Ela se levantou, firme.

— Você tá inventando isso porque não aceita minha felicidade — disse, com os olhos cheios de mágoa. — Marcelo é o pai do meu filho. E você vai ter que aceitar isso, deve esta com ciumes porque não mais minha filha única. 

Ela não acreditou em mim.

Ninguém acreditou.

Arrumei uma mochila e saí. Fui para a casa da tia Helena, sem olhar para trás.

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