Os dias foram passando, o ambiente em casa se tornava cada vez mais hóstil. Minha mãe sempre ocupada, distraída com suas próprias preocupações, mal percebendo o que acontecia ao seu redor. Eu, por outro lado, tinha as obrigações da faculdade, as provas finais, os estágios práticos chegando, o final do de semestre, mas nada disso parecia ser suficiente para me afastar das visitas de Marcelo.
Às vezes, eu mal podia acreditar em como ele conseguia se fazer presente sem ser convidado, aparecendo em todos os cantos da casa, sempre com aquele olhar que não sabia esconder. Ele parecia estar em todo lugar, sempre perto demais, como se quisesse ocupar cada espaço. Cada movimento meu era seguido por ele, e eu não sabia mais como reagir.
Era comum que eu estivesse no meu quarto, tentando estudar ou descansar, quando ouvia a porta se abrir com um ranger baixo. Ele nunca batia. Apenas entrava, e o simples som de seus passos parecia encher o ambiente com uma tensão que eu não sabia como cortar.
No início, eu tentava ser educada, fingir que não me importava. Mas, com o tempo, as coisas começaram a se tornar insuportáveis.
Uma tarde, eu estava sentada na cama, meus livros espalhados, quando ele entrou sem aviso. Seus olhos, sempre insistentes, caíram sobre mim de imediato, como se me estudassem, e logo a conversa começou, sem que eu tivesse muito a dizer.
— Mavi, você sabe que a vida não é só essa correria de estudos, né? — Disse, enquanto se aproximava lentamente. Sua voz era suave demais, como se tentasse me acalmar, mas eu sentia a pressão de suas palavras, o peso que elas carregavam.
Tentei me concentrar nos livros, evitar a troca de olhares, mas ele não desistia. À medida que ele se aproximava, a tensão se tornava mais palpável. Eu sentia seus olhos sobre mim, como se tentasse me desnudar, como se me tivesse tirado a roupa sem sequer tocá-la. Um desconforto crescente tomou conta de mim, e eu só conseguia manter a cabeça baixa, me forçando a ignorá-lo.
Foi então que ele se sentou ao meu lado na cama, muito mais perto do que eu desejava, a distância entre nós parecia desaparecer. Ele tocou meu ombro, com um movimento tão suave que parecia carinhoso, mas havia algo naquele toque que fez meu corpo estremecer. Não foi uma carícia. Foi um toque possessivo, algo que me fez sentir invadida.
— Você está tão tensa, Mavi... Você deveria relaxar mais, aproveitar a vida... — Ele sussurrou, tom doce, mas a intenção por trás das palavras era clara demais.
Eu não sabia o que responder. Tudo o que eu queria era que ele saísse. Mas ele não estava ali por muito tempo. Cada visita dele parecia mais uma invasão do que um momento de convivência. Ele começava com conversas aparentemente inocentes, mas logo as palavras se tornavam mais pesadas, os gestos mais próximos.
Naquela tarde, enquanto ele conversava sobre algo irrelevante, eu percebi o quão perto ele estava. O calor de seu corpo parecia se infiltrar no meu espaço, invadindo algo que eu queria manter meu. Ele respirava mais fundo, eu sabia que ele estava se aproximando mais, talvez para encostar em mim, talvez para testar os limites, e o pior de tudo era que eu não conseguia encontrar uma saída.
Num momento em que ele olhou diretamente nos meus olhos, como se quisesse me dizer algo sem palavras, eu senti uma roçada no meu ventre. O toque indesejado. O calor do seu corpo contra o meu fez com que minha pele se arrepiasse, e minha garganta secasse.
Naquele momento, ele sorriu. Um sorriso lento, quase triunfante, como se tivesse conquistado mais um pedaço de mim sem que eu tivesse me dado conta.
— Não precisa ter medo, Mavi... — Disse com a voz baixa, como se fosse um segredo entre nós dois. — Eu só quero o melhor para você. Tudo o que eu sentia era repulsa. Ele se levantou, saindo como se nada tivesse acontecido, deixando para trás a sensação de que ele sempre estaria ali, pronto para invadir novamente, pronto para testar os limites mais uma vez.
Eu fiquei ali, imóvel, sem saber o que pensar. O silêncio da casa agora parecia me sufocar, e o peso dos dias que se arrastavam só aumentava. Eu não sabia por quanto tempo conseguiria aguentar. Cada passo, cada movimento dele, parecia ser uma ameaça silenciosa, uma constante lembrança de que, dentro daquela casa, eu não estava segura.
Era sábado a noite, quando novos convidados chegaram, estranhei: música baixa, pessoas conversando, risos, bebidas, buffet. Eu não me lembrava de nenhum aniversário, entrei em casa estranhando uma festa repentina, balões brancos, nome bem vindo em painel, pessoas dispersas, cumprimentei a todos, com a desculpa de tomar um banho após um sábado cheio.
Fui para o quarto, arrumava o meu material, quando a minha tia chegou. Helena não era minha tia de sangue, mas não me lembrava de um único acontecimento em nossas vidas em que ela não estivesse presente, com seu sorriso sincero e olhos atentos.
— Como você cresceu, menina! — disse, me abraçando forte. — Está linda!
Conversamos no meu quarto. Falei sobre os estudos, o estágio. Tentei ignorar o que realmente queria dizer.
— E como está a gravidez da sua mãe? — ela perguntou, como se fosse algo óbvio.
Meu corpo congelou.
— O quê?
— Ah... ela não te contou? Achei que já soubesse...
Levantei num pulo. Saí em disparada até a sala. Minha mãe estava cercada de convidados. Sentada no colo de Marcelo, uma taça de suco na mão, sorria enquanto os amigos a parabenizavam.
Grávida.
Dele.
Tudo fez sentido. Os toques. Os sorrisos. A aproximação forçada. E ela... ela escolheu ignorar.
Após a saída dos convidados, fui até seu quarto. Marcelo ainda estava ocupado liberando o pessoal do buffet.
Bati na porta devagar.
— Mãe, a gente precisa conversar.
Ela me lançou um olhar feliz.
— O que foi agora, Maria Vitória? Veio me dar os parabéns? — Abriu os braços, mas eu neguei.
Engoli em seco. Sim, eu estava frustrada. Ela grávida. E eu, a última a saber. Mas algo muito pior me incomodava. — Ihh lá vem você com as suas crises. — Reclamou.
Entrei em seu quarto, fechando a porta atrás de mim.
— Não é crise. É sério. É sobre o Marcelo.
Ela soltou um suspiro.
— O que tem ele? Fez alguma coisa que você não gostou de novo? Porque, sinceramente, eu já tô cansada desse seu drama com ele.
— Ele me beijou. À força. Aqui em casa. — falei, olhando nos olhos dela.
Ela se calou por um segundo. Depois riu, nervosa.
— Você só pode estar brincando.
Neguei com a cabeça.
— Eu não tô brincando. Ele aproveitou que você estava na piscina, veio até meu quarto... e me... me beijou. Eu empurrei, gritei com ele. Fiquei com nojo, mãe.
Ela me encarava de volta, erguendo o dedo indicador com o anel dourado com um desenho de nó, destacado.
— Peraí. Você tá me dizendo que o Marcelo, meu namorado, tentou te forçar? Que tipo de coisa absurda é essa, Maria Vitória?
Era doloroso dizer. Principalmente para alguém que não parecia afim de acreditar.
— A verdade. Ele passou dos limites, mãe! E eu tô te contando porque você precisa saber com quem tá dormindo!
— Ou você quer que eu brigue com ele por tua causa, é isso? Tá com ciúmes porque ele me trata bem? Porque finalmente tenho alguém que me valoriza?
— Ciúmes?! Eu tô tentando me proteger! E proteger você também! Ele é um abusador!
Ela ergueu a mão, pedindo silêncio.
— CHEGA! Eu conheço o Marcelo! Ele nunca faria isso. Você deve ter entendido errado ou... tá inventando tudo pra me deixar sozinha de novo. Você sempre odiou quando eu tô feliz!
Comecei a chorar. A voz já embargada.
— Você tá me chamando de mentirosa?
Ela sentou na cama e me puxou pela mão.
— Tô dizendo que talvez esteja confundindo as coisas. Você sempre foi carente, sempre precisou de atenção. Vai ver se insinuou... vai ver ele entendeu errado.
Me afastei, em choque.
— Você não tem ideia do que tá dizendo. Eu... eu sou sua filha. E você prefere ele?
Os olhos dela marejaram de raiva e confusão.
— Eu prefiro a verdade. E até onde sei, o Marcelo nunca me deu motivos pra duvidar dele.
As palavras saíram num sussurro: — Você acabou de escolher ele. Mesmo depois de tudo.
Ela se levantou, firme.
— Você tá inventando isso porque não aceita minha felicidade — disse, com os olhos cheios de mágoa. — Marcelo é o pai do meu filho. E você vai ter que aceitar isso, deve esta com ciumes porque não mais minha filha única.
Ela não acreditou em mim.
Ninguém acreditou.
Arrumei uma mochila e saí. Fui para a casa da tia Helena, sem olhar para trás.
Os meus dias se tornavam cada vez mais cheios.Eu ainda pensava em tudo, a manhã no hospital, a tarde na palestra, noite no seminário.Cheguei em casa tarde da noite, mas foi o silêncio que me atingiu primeiro. Um silêncio que não era paz, era alerta. Um presságio, um aviso sutil de que algo estava prestes a acontecer. Um tipo de vazio denso, que se espalhava pelo corredor como névoa antes da tempestade. Subi os degraus devagar, sentindo o peso do dia se acumular nos ombros. A maleta escorregava da minha mão, o paletó já amarrotado pelas idas e vindas, por vestir e despir ao longo das horas, ou por simplesmente estar ali, à espera.Passava das onze da noite. Eu havia avisado que não viria direto pra casa, depois da palestra, talvez esticasse no hospital. Maria Clara não precisava me esperar, mas o evento acabou cedo, a chuva mudava os planos naquela noite. Nossos dias estavam cheios, corridos. E o que um dia foi promessa de vida mansa, de descanso, se perdia lentamente em trabalhos int
A minha agenda continuava lotada, por mais que a minha cabeça estivesse entre a dor da traição e uma agenda lotada de cirurgias, me ocupar parecia a melhor saída. Evitar uma conversa com Maria Clara, naquele momento, era a única forma de manter alguma sanidade, evitando conflitos que nos machucaria mais, por isso, fui a Capital do Rio de Janeiro, era uma palestra importante. O auditório da universidade federal estava lotado. Era o encerramento de semestre naquela faculdade. Alunos de medicina e enfermagem de todas as fases se amontoavam nos bancos desconfortáveis de plástico, alguns anotando freneticamente, outros apenas fingindo interesse. Eu estava acostumado com aquilo: palestras, congressos, aulas inaugurais. O mesmo ciclo de frases de efeito e gráficos impactantes.Mas naquela noite havia algo diferente no ar. Talvez fosse o cansaço da viagem ou o incômodo de estar de volta ao Rio, onde memórias passadas ainda sussurravam em cada esquina, lembrando-me que o nosso para sempre não
O quinto semestre finalmente chegava ao fim, com uma palestra de peso, o doutor Xavier, era reconhecido no meio da medicina por suas habilidades em cirurgias complexas, mas se destacava pelo auto controle, algo que eu precisava dominar, o sexto período se aproximava, eu precisava saber mais a respeito. Mesmo longe de casa, hospedada na casa da tia Helena, eu não conseguia parar de pensar na minha mãe. Nem eu, nem tia Helena entendíamos suas razões. Por mais que doesse, eu ainda tentava.O celular vibrou em algum canto da casa. Fui procurá-lo, com a esperança boba de que fosse ela. Mas ao ver "Isis" na tela, atendi com um suspiro e levei o aparelho ao ouvido enquanto lavava as mãos.— Ai Amiga, tô de saco cheio do Thiago.Ela mal esperou eu dizer "alô". Nunca fui de ter muitas amigas, e talvez por isso aturasse os desabafos repetitivos.— Termina, oras — falei, sem filtro.— Claro que não! Só tô cansada dele. Quero sair um pouco. Por que a gente não viaja essa semana?Era a oportunidad
Saí em busca de um aquecedor, já que o quarto não tinha um. Quando voltei, encontrei um intruso na minha cama.Ele ou ela estava encolhida sob o cobertor, a respiração leve, como se tivesse se apropriado do espaço sem o menor constrangimento. Franzi o cenho, mas a luz novamente se apagou. — Droga, estas tecnologias, não chegam tão boa para nós. — Reclamei do sensor.— Quem está aí? — Perguntou uma voz feminina jovem, me deixando perplexo, eu havia entrado no quarto errado? Me perguntei conferindo os bolsos, num hábito comum quando estou inseguro. — Eu quem pergunto, quem está ai? Este é o bangalô número quatro. Está reservado para mim — Antes que eu terminasse, a desconhecida sentou na cama, fazendo com que aquele bendito sensor funcionasse de vez. Meu olhar se fixou instintivamente ainda mais ao perceber que ela estava completamente nua.Ela era uma visão deslumbrante. Seus cabelos escuros pouco úmidos, como a noite sem lua, caíam em cascatas sobre seus ombros, como se cada fio tives
— Eu quem pergunto. Este é o bangalô número quatro. Está reservado para mim.Sentei-me na cama, e a luz finalmente se acendeu.Diante de mim, o homem de cabelos grisalhos, mas não velho. Seu semblante era cansado, mas não abatido. O olhar, negro e profundo, fixava-se em mim com o cenho franzido. Havia algo de inquietante naquela presença, uma força contida, quase perigosa, seu corpo alto e de postura imponente, eu o conhecia, e o admirava. Ele exalava uma elegância rara, daquelas que não se aprende, apenas se carrega. Cada movimento era silenciosamente calculado, mas cheio de uma sensualidade natural, como se o próprio ar ao redor dele soubesse que precisava abrir caminho. Era lindo, mas de um jeito que doía, não pela perfeição, mas pelo impacto. Tinha charme e mistério nos gestos, desejo nos silêncios e uma beleza cruel que parecia feita para ser proibida.Eu tinha corrido contra o tempo, naquela quarta-feira para assistir a sua palestra, enfrentando dois ônibus lotados, correndo pel
Mavi entrou no quarto, usando um vestido branco de alças finas, com desenhos em tons azuis bastante marcantes por baixo uma cacharel quase do tom da pele fina, desde o almoço, ela usava aquela peça, uma linda garota, que chama a atenção sem perceber. Ela sentou na mesma poltrona novamente, e sem hesitar abriu o livro lendo de onde parou, era como se buscasse paz, o que me fez imaginar que em nenhum outro bângalo teria, eram casais até mesmo no de solteiro naquele momento, a chuva fina, era como uma premissa convidativa para atos afetuosos e liberações de desejos sexuais. Me olhou por algum momento, como se soubesse que eu ainda a olhava, nossos olhos fixaram por algum momento que não controlei, ela em silêncio me observou e eu fiz o mesmo, até que desviou os olhos para o livro novamente. No quarto bângalo, o quarto laranjeiras, com um aroma agradavel, naquele momento, eu oscilava entre ter tomado a decisão correta, em pedir o divórcio me separando da unica mulher em que me unir para
Tudo nele me atraia, em pouco tempo de conversa com Alexandre, era melhor do que esta naquela palestra, inteligente, sábio, experiente, os seus modos de gesticular, as pausas entre as falas, além do modo gentil, cavalheiro e educado. Eu nunca, nunca me senti tão protegida, tão acolhida na vida. Adormeci na sua cama, e apesar de algumas vezes termos trocado olhares, ele não se aproveitou disso, ele mexia comigo, provocava sensações que eu achava que nunca ia sentir. Houve uma paixão aqui outra ali, mas nada que me fizesse senti o corpo em chamas somente com um olhar, os olhos de Alexandre não ia diretamente ao meu corpo, eles se demoravam em meus olhos, como se os lesse e se importasse com o que eu dissesse em cada palavra. Até parar em minha boca, acompanhando cada movimento dela, e ali se demorava. Achei que ele ia me beijar pela tarde, depois na fogueira, Isis até comentou que nós estavámos nos olhando demais, que eu tinha dado para ele, rolei os olhos ao ouvir, e em seguida, f
Mas como eu, um dos rapazes também a olhava, ignorando a namorada ou esposa do lado, a cantoria durou até a madrugada, a chuva se intensificava, andei em direção ao bângalo sem conseguir ignorar aquele, olhei para o bângalo dos ipês dourados. Vendo a porta fechada, então finalmente haviam se acertado? Me perguntei, eu nunca havia pensado em estar com outra mulher durante anos, e sequer olhado para outra com interesse, Mavi me parecia quebrar um ciclo de anos, isso só mostrava o quanto a minha união com Maria Clara estava enfraquecendo. Entrei no quarto reflexivo, a solidão da madrugada se ambientava ao cômodo. Eu jamais conseguiria confiar, esquecer aqueles gritos, gemidos e como ela conseguia ser tão...eu a sequer reconheceria naquela cama, daquele jeito. A intimidade entre eles, me incomodava ainda mais. Saber que ela havia sido de outro, enquanto era minha, como poderia? Estranhei que Mavi não estivesse na cama, ou no quarto, então eles se entenderam? Bebi algumas doses