Capítulo 2 - Chloe Brooks

 Já se passaram duas semanas que minha mãe continua no hospital, sendo monitorada pelo médico e enfermeiros. Mas seu tempo está se esgotando. Conversei com o doutor Jullian, que é o responsável pelo tratamento paliativo[1], e ele me disse que a metástase[2] já a tomou por inteira. Com um olhar compassivo, ele sugeriu que era hora de nos despedirmos. Senti um nó na garganta ao perceber que o momento havia chegado.

Conversei com a Ele, e lhe expliquei tudo que estava acontecendo, tentando encontrar as palavras certas para uma criança tão pequena. Mas ela, com sua inteligência e sensibilidade, entendeu mais do que eu esperava. E juntas, seguimos para o hospital.

Os dias têm sido corridos e cansativos, com trabalho, faculdade e os cuidados da Elena. Com sorte, minha patroa me deu um aumento, pois os gastos aumentaram e eu teria que assumir sozinha a partir de agora. Agradeci pelo gesto dela, mas sabia que não seria suficiente. O custo de vida em Londres é alto, com o aluguel caro e os custos diários de transporte e alimentação, era necessário encontrar outra fonte de renda para equilibrar as contas.

Dona Vera tem sido um anjo em nossas vidas. Tenho levado a Ele para o trabalho comigo e ela cuida com muito carinho, alimentando-a e ficando de olho nela para mim. Sua bondade e acolhimento têm sido fundamentais nesse momento difícil, e serei eternamente grata por sua ajuda.

Estou tentando manter a faculdade, pois como ganhei bolsa, não posso desistir ou tirar nota ruim. Estudo bastante, pois quero dar um futuro melhor para a minha irmã, não deixarei que ela sofra mais. O dinheiro, mesmo depois do aumento, mal dá para fazer tudo, então pago o aluguel, a faculdade e tento alimentar bem a Elena. O importante é ela estar bem. Com isso, já perdi alguns bons quilos.

Há dias, depois que a Elena dorme, eu caio em prantos. A carga tem sido pesada, mas, por mais difícil que seja, preciso manter a força e a coragem para que ela não sinta o peso dessa situação. Ela é apenas uma criança e merece todo o amor e proteção que posso oferecer.

Hoje é o dia que iremos até o hospital, nos despedir, de nossa adorada mãe. Elena está tranquila; gostaria muito de ter todo esse controle que ela possui. Apesar, de ainda ser uma criança de nove anos, é muito inteligente e esperta. Sempre agradeci por isso, pois tínhamos que nos virar sozinhas muitas vezes.

Chegamos ao hospital no horário agendado. E confesso: não queria estar ali, não naquela situação e muito menos para me despedir da minha mãe. Lembro quando, ainda morávamos na Alemanha, ela se deitava comigo em minha cama para me fazer dormir, e decidíamos o livro da noite juntas.

 ―Qual livro vai querer hoje, minha princesa?

— Hoje, quero da cinderela.

— Ótima escolha, minha filha, uma princesa linda, assim como você. Deite-se em sua cama, que agora viajaremos para a história.

E então, ela iniciou a história, como todos os dias, imitando as vozes dos personagens e fazendo mímicas com as mãos, parecia mágico.

— Era uma vez, uma bela garotinha que se chamava Cinderela….

No meio do livro eu já adormecia, ouvindo aquela voz doce que mamãe tinha. Quando cantava então... era lindo! A melodia se transformava em uma bela e cativante canção, que nos transportava para dentro da história e me fazia imaginar sendo aquela princesa feliz.”

Balanço a cabeça, saindo dos meus devaneios, quando sinto Elena pegar em meu braço, me informando que fomos chamadas. Naquele exato momento, eu estremeço da cabeça aos pés. Respiro fundo, me levanto da cadeira e começo a andar, indo em direção a enfermeira que nos aguarda. Prometi a mim mesma que não irei fraquejar, e darei o máximo para a mamãe confiar em mim.

Quando entro no quarto, doutor Jullian está lá, mexendo no soro. Ele faz um cumprimento com a cabeça e diz:

— Aumentei a dose de morfina, para que ela não sinta dores enquanto está acordada. Estarei aqui do lado de fora, qualquer coisa, pode me chamar.

— Obrigada, doutor.

O vejo sair pela porta, que entramos a poucos minutos. Viro para olhar para minha mãe, que está ainda mais magra que antes. Sinto meus olhos marejarem, mas hoje, não deixarei nenhuma lágrima cair, tenho que ser forte, por ela e por minha irmã.

— Oi, mamãe — digo, pegando em sua mão enquanto Elena se aproxima. — Viemos aqui ver a senhora e contar que estamos bem. A Ele está indo comigo para o trabalho e dona Vera tem sido maravilhosa conosco, cuida muito bem dela enquanto eu trabalho, a alimenta e até ajuda com os deveres de casa. — Minha voz treme um pouco, mas tento manter a calma. — Ah, e também ganhei um aumento de salário, assim posso dar conta de todos os gastos, então vamos ficar bem. Não precisa se preocupar.

— Minha doce Chloe — ela sussurra, sua voz tão baixa que precisei me inclinar para ouvir —, você sempre foi uma menina maravilhosa. Obediente, inteligente e forte, nunca reclamou, mesmo nas dificuldades. Perdão por tudo o que te fiz passar. Me arrependo amargamente de ter te levado para o buraco em que me enfiei.

— Não diga isso, mamãe! — Seguro em sua mão com mais força. — Eu sempre te acompanharia por onde fosse. E faria tudo de novo, só para estar ao seu lado. Eu amo muito vocês, de forma incondicional!

Abraço Elena, que está sentada na maca ao meu lado nos ouvindo. Concentrada em tudo.

— Eu te fiz sofrer, minha filha — ela diz, sua voz trêmula de arrependimento —, você não merecia passar por nada disso, nem a Elena. — Com um esforço visível, devido à dor, minha mãe pega a mão da minha irmãzinha, com um toque suave e carinhoso.

— Sua irmã irá cuidar muito bem de você, minha pequena. Sei que ela não deixará nada de ruim lhe acontecer. Apenas a obedeça, ok?

— Tá bom mamãe. Farei tudo o que me pediu. Serei uma boa irmã e também obediente.

Sorrio, com as palavras da pirralha, que mais amo nesse mundo. Pois ela entendeu, que a partir de agora, seremos apenas nós duas.

— Chloe, quando descobri a minha doença, comecei a guardar um dinheiro. Está no meu quarto, dentro de uma lata, no fundo do closet. Não é muito, mas dará para pagar algumas contas. Se precisar de qualquer coisa, procure o senhor Júlio, dono do bar em que eu trabalhei, ele irá te acolher.

— Me sinto culpada por não saber da sua doença mamãe. Poderia ter lhe ajudado mais, e você ter cuidado mais de si mesma.

— Quando chegamos aqui em Londres, passei mal e me trouxeram para o hospital, foi quando descobri. O senhor Júlio estava comigo. Fiz o que pude como mãe, não queria deixá-las sozinhas.

— Eu sei. Não quero que se culpe. Sempre foi uma mãe maravilhosa e se dedicou ao máximo para nos dar o melhor, então fica em paz.

 — Só promete para mim... que vai se cuidar e também cuidar da sua irmãzinha, nã... — Sua voz começa a falhar e ela para de falar, lutando para respirar fundo.

Vejo que está exausta e chamo o Dr. Jullian, que vem rapidamente ao lado dela para examiná-la.

— Ela se cansou, pois não pode falar muito. Vou deixa-las só mais alguns minutos, para que ela possa repousar.

— Tá bom, doutor. Obrigada! — Quando ele sai, volto para a minha mãe, que agora está com uma máscara de oxigênio, cobrindo seu nariz e boca.

— Eu prometo que irei cuidar da Ele, como se fosse minha filha — digo, segurando sua mão com força. — Vou dar o melhor de mim em tudo, assim como você fez, mamãe. Só quero que fique tranquila e descanse, não se preocupe conosco.

Ela aperta minha mão e balança a cabeça em forma de afirmação, uma lágrima escapando de seus olhos. Nesse momento, a enfermeira entra e administra um medicamento para dormir no soro. Sinto que aquele é o momento da despedida. Acaricio os cabelos loiros da minha mãe, que vai fechando os olhos devagar, com um sorriso suave no rosto.

— Pode ir tranquila, mamãe. Prometo a você que seremos muito felizes. — Nesse momento, uma lágrima solitária escapa dos meus olhos, revelando a vulnerabilidade que tento esconder. Respiro fundo, sabendo que preciso me manter firme, por Elena e pela memória da minha mãe. Com esse pensamento, saímos do hospital e vamos direto para casa, onde busco um momento de solidão para processar minhas emoções.

Dois dias depois, recebemos a notícia devastadora: minha mãe havia partido. Mesmo sabendo que era iminente, a notícia do falecimento dela, me atingiu com força, como se o mundo tivesse desmoronado sobre mim. Nunca estamos preparados para perder quem amamos. Nesse momento difícil, encontrei apoio nos amigos que sempre estiveram ao nosso lado: dona Vera e os funcionários do bar do senhor Júlio. Eles nos acolheram com carinho e compreensão, e eu fui grata por tê-los em minha vida.

Agora, eu precisava lutar sozinha para garantir o bem-estar de Elena. O senhor Júlio, com sua generosidade, me ofereceu um lugar para morar acima da boate, e também me deu a opção de trabalhar lá, se eu quisesse. No entanto, como eu ainda era menor de idade, teria que manter tudo em segredo.

Como eu sempre assistia às meninas dançarem, pedi uma chance para me juntar a elas. Foi um desafio, mas consegui, desde que eu usasse uma máscara. E assim iniciei os ensaios. Felizmente, minha experiência em dança, balé e jazz na Rússia facilitou o aprendizado. Escolhi um figurino que me faria sentir confortável: um vestido leve e transparente, mas não muito revelador, e uma máscara da mesma cor, que complementava o look.

Com essa nova oportunidade, comecei a trabalhar e conciliar meus estudos na faculdade, o emprego na cafeteria e a dança, que sempre foi uma paixão para mim. Mudamos para o apartamento oferecido e, aos poucos, a vida começou a fluir melhor. Elena e eu estávamos felizes, mas sabíamos que a vida não é sempre fácil. Sempre há desafios que testam nossa força e equilíbrio emocional. E, mais uma vez, tivemos que nos levantar e seguir em frente, dando o nosso melhor.

[1] O tratamento paliativo para câncer é um tipo de cuidado que se concentra em aliviar os sintomas e melhorar a qualidade de vida de pessoas com câncer, tanto durante o tratamento como em estágios avançados da doença.

[2] A metástase, no contexto do câncer, é a propagação das células cancerígenas de um local original do corpo para outro, onde elas formam novos tumores. Esse processo ocorre quando as células cancerosas se desprendem do tumor primário, entram na corrente sanguínea ou linfática e viajam para outras partes do corpo, onde podem se alojar e se multiplicar, formando novos tumores.

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