Capítulo 50LunaO silêncio da madrugada era denso, pesado, como se o próprio ar soubesse o que estávamos prestes a descobrir. Dante estava ao meu lado, em pé, de braços cruzados, o olhar preso à tela do computador. Eu sentia a tensão dele como se fosse minha, como se nossos corpos compartilhassem da mesma inquietação. Na tela, os dados cruzavam com velocidade, coordenadas sendo testadas, faixas de áudio isoladas e ampliadas.Um clique.Depois outro.E então, silêncio.O programa parou. Um ponto vermelho pulsava em um mapa da zona oeste de São Paulo. Um prédio desativado, cercado por galpões, longe das câmeras da cidade, longe de tudo que cheira a vida.— É lá — eu disse, antes mesmo de pensar.Dante assentiu, mas não se moveu. O olhar dele continuava fixo na tela, como se visse algo além do que o sistema mostrava. Eu sabia o que era. O mesmo medo que engolia meu estômago.— Pode ser uma armadilha — ele murmurou. — Rivas é paciente. Ele joga com peças que a gente nem sabe que tão no t
Capítulo 51LunaO som do primeiro tiro foi o ponto final no silêncio.A entrada até parecia segura no começo — uma porta enferrujada, uma tranca simples, corredores vazios demais. Mas Rivas nunca jogava limpo. E quando cruzamos a linha da cela onde Mariana estava, o mundo desabou em estilhaços.— Movimento no corredor três! — gritou Navarro no rádio.— Pegaram nossa entrada. Estão tentando nos fechar! — Rafael respondeu com raiva.Dante puxou a porta de ferro e empurrou com o ombro. Eu entrei primeiro. Ela estava ali.Mariana.Sentada no canto, algemada a um cano, os cabelos ruivos caindo sobre o rosto machucado. Quando ergueu os olhos, vi meus próprios olhos refletidos nos dela. Idênticos. Mesmos traços. Mesma intensidade.Ela arregalou os olhos. Se pôs em pé num impulso que quase a fez cair.— Quem é você...? — a voz saiu fraca, desconfiada.Me aproximei com o coração disparado.— Meu nome é Luna... Luna Santiago. E eu sou sua irmã gêmea.Ela balançou a cabeça, confusa, como se as
Capítulo 52LunaMariana acordou devagar. Os olhos piscando contra a claridade suave. Eu estava ao lado da cama, observando. Não consegui dormir naquela noite. Fiquei ali, vigiando-a. Como se a qualquer momento ela fosse desaparecer de novo.— Oi... — ela murmurou, a voz rouca, fraca, mas consciente.— Oi. — sorri, tentando conter o turbilhão que se formava dentro de mim. — Está segura agora. Ninguém mais vai te machucar.Ela franziu a testa, tentando se sentar. Me apressei em ajudar, ajeitando os travesseiros atrás das costas dela.— Onde... onde eu estou?— Na casa de Dante Moretti. — respondi. — Um dos poucos lugares onde Rivas não pode te alcançar.Mariana fechou os olhos por um instante ao ouvir aquele nome.— Ele ainda está vivo, não é?— Está. — confirmei, seca. — Mas não por muito tempo.Ela abriu os olhos e me olhou como se me visse pela primeira vez. Não apenas como uma figura familiar, mas como alguém real. Alguém que ela também reconhecia, mesmo que ainda não entendesse o
Capítulo 53LunaChiara estava ajoelhada no centro da sala principal da mansão, rodeada por mapas desdobrados, plantas da Fazenda Azul e fotografias tiradas por drones durante o reconhecimento. Seus dedos ágeis traçavam rotas com uma caneta vermelha, marcando pontos estratégicos de entrada e possíveis rotas de fuga. Rafael, ao lado dela, falava rápido com dois agentes infiltrados que haviam retornado com novas informações direto do campo.— Três entradas principais, mas duas são armadilhas óbvias — disse Rafael, apontando para os portões laterais com a ponta de um bastão metálico. — Cheias de sensores de movimento, câmeras com infravermelho e cobertura aérea com drones autônomos. Um erro e viramos alvo.Chiara assentiu, sem desviar o olhar dos mapas.— A única brecha é por trás. Uma antiga trilha de acesso à casa principal, quase apagada no meio da mata. Aparentemente esquecida, mal monitorada, com apenas uma câmera estática. Vai ser estreito. Vamos ter que ir a pé, silenciosos. E ráp
Capítulo 54LunaÀs 2h47 da madrugada, deixamos os portões da mansão de Dante em silêncio absoluto, como sombras deslizando pela noite. Não havia música. Não havia conversa. Apenas o som abafado dos motores e a respiração contida de cada um. Dois carros e um caminhão de apoio cortavam as ruas de São Paulo como fantasmas determinados. Os comunicadores foram testados três vezes antes da partida. Os mapas, verificados e memorizados. Cada rota alternativa desenhada com precisão cirúrgica. Cada função, repetida como um mantra.Rafael estava ao volante do carro da frente, os olhos fixos no caminho à frente como se cada segundo pudesse ser o último em segurança. Chiara ao lado dele, com o tablet nas mãos, monitorava os dados captados por um dos drones que havia sobrevoado a região da tal Fazenda Azul nas últimas vinte e quatro horas. Atrás deles, em outro carro discreto, seguiam os dois agentes de confiança que Rafael havia recrutado. E, por fim, o caminhão de apoio, com equipamentos, máscar
Capítulo 55LunaA entrada pela trilha foi rápida, quase silenciosa demais para os batimentos acelerados que preenchiam meu peito. Rafael ficou com Mariana num ponto alto da mata, estrategicamente posicionado para oferecer visão ampla de parte da estrutura, mas também para protegê-la de qualquer investida. Ela não discutiu. Havia maturidade em seus olhos agora, como se, depois de tudo, Mariana tivesse deixado de ser só uma sobrevivente para se tornar algo mais — alguém que sabia o peso do mundo e ainda assim decidia enfrentá-lo.Dante seguiu à frente, seus passos calculados, mas sem hesitação. Chiara vinha logo atrás, com o tablet nas mãos, pronta para interceptar qualquer sinal. Os dois agentes fechavam a retaguarda, atentos a cada som, a cada movimento entre os galhos. Eu, no meio, sentia o coração batendo nas costelas como um tambor de guerra.As sombras da madrugada eram densas, úmidas, quase palpáveis. A floresta sussurrava ao redor, mas mesmo a natureza parecia segurar a respira
Capítulo 56LunaCom os reféns libertos e as provas reunidas, fotos tiradas às pressas, vídeos capturados em câmeras pequenas e silenciosas, documentos empilhados nas mochilas, iniciamos o recuo. Em silêncio. Cada passo carregava o peso do que havíamos testemunhado e, mais do que isso, o que decidimos enfrentar. A escuridão da mata parecia mais espessa ao voltarmos, como se o mundo soubesse o que tínhamos arrancado daquelas paredes. Como se a própria terra estivesse prestes a rugir de volta.Rafael ficou para trás apenas por alguns minutos, garantindo que não deixássemos rastros. Chiara e os agentes iam à frente, atentos aos sinais. Dante cobria a retaguarda, os olhos atentos, a arma ainda firme nas mãos. E eu caminhava no meio do grupo, sem dizer nada, mas sentindo cada batida do coração como um grito abafado dentro do peito. A adrenalina ainda não tinha passado. Nem passaria tão cedo.Mariana nos esperava no ponto de encontro, no alto de uma clareira escondida pela mata espessa, ond
Capítulo 57LunaO portão da mansão se fechou atrás de nós com um estalo surdo, pesado. Era o som de um abrigo temporário, de um porto seguro onde podíamos, ao menos por algumas horas, respirar sem olhar por cima do ombro.A noite ainda nos envolvia, mas o céu começava a clarear no horizonte. Um tom violeta se misturava às sombras, como se o próprio mundo estivesse exalando o fôlego que segurou junto conosco durante toda a operação. Lá fora, o caos ainda nos rondava, mas aqui dentro, tudo parecia em suspensão. Silêncio. Alívio. Exaustão.Mariana saiu do carro primeiro. Seus passos estavam lentos, como se cada músculo ainda estivesse preso aos corredores úmidos da Fazenda Azul. Chiara a seguiu de perto, levando uma mochila com os poucos pertences que ela havia trazido.— Vou levar ela pro quarto — Chiara disse baixinho, e eu assenti.Mariana não disse nada. Me lançou um olhar breve, mas profundo, e nele havia tanta coisa... dor, gratidão, e algo que eu ainda não conseguia nomear. Talve