Capítulo 47LunaA carta chegou dobrada com precisão. Nenhuma assinatura, nenhum cheiro. Apenas uma folha branca, escrita com tinta vermelha, e uma foto que me fez sentir como se o chão tivesse desaparecido sob meus pés.Ela parecia comigo.Não era parecida como uma sósia de rua. Era parecida como um reflexo no espelho distorcido apenas pela cor dos cabelos. Eu, com meu castanho escuro sempre em desalinho. Ela, ruiva, os fios vibrando como chamas, mas com o mesmo queixo anguloso, a mesma boca teimosa, o mesmo olhar feroz — ou perdido. Eu não sabia ao certo.O alvo vermelho estampado no meio da testa dela era o que mais me prendia os olhos. E abaixo da imagem, rabiscadas com fúria e ameaça, as palavras:“Me entregue Luna, ou a irmã gêmea de Luna morrerá.”Gêmea?Ri. Um riso curto, quase nervoso. Era isso. Mais uma jogada suja de Rivas, tentando me desestabilizar. Era uma montagem. Uma provocação. Nada além de uma mentira bem arquitetada.Fechei a mão ao redor da carta e da foto, sentin
Capítulo 48LunaAs luzes do escritório estavam apagadas. O mundo lá fora dormia, mas eu não. Nem Dante. Desde que recebemos a carta, algo em nós mudou, como se o tempo tivesse se tornado mais precioso e, ao mesmo tempo, mais cruel. A mulher da foto ainda estava ali, em cima da mesa. Seus olhos me seguiam. Idênticos aos meus. A única diferença era o cabelo ruivo como fogo. Eu não sabia o nome dela. Não sabia se estava viva, se estava sofrendo, se era realmente minha irmã... mas a imagem dela me perseguia como um grito que não tinha som.Dante entrou no escritório trazendo dois copos de café. Colocou um na minha frente, em silêncio. Nós não estávamos dormindo, não comendo direito. Vivíamos no modo sobrevivência desde que Rivas decidiu brincar de marionetista com nossas vidas.— Fiz o levantamento da rede de clínicas e hospitais clandestinos nos arredores de São Paulo que operavam na época do seu nascimento — ele disse, direto. — Se houve separação, ela não foi legal. Alguém vendeu ess
Capítulo 49LunaA localização apareceu no mapa depois de quase uma hora de triangulação: uma zona industrial desativada no extremo leste de São Paulo, próxima ao rio, onde a maioria dos galpões estava abandonada ou em reforma. Um ponto cego para as câmeras da cidade. Um lugar onde ninguém ouve gritos.Dante entrou na sala no momento exato em que o ponto final piscava em vermelho.— Conseguiu?— Consegui. — Apontei a tela. — Galpão 34, distrito industrial. As frequências sonoras do microfone captaram o som de um sino em intervalos regulares. Depois comparei com o mapeamento sonoro da região... e só tem uma igreja ativa ali por perto. O sino bate de hora em hora.— E isso bate com o tempo do áudio. Você é boa.— Não sei se sou boa ou só tô com raiva.Ele se aproximou, puxando uma das armas da gaveta. A tensão era palpável, como eletricidade no ar antes da tempestade. Vesti o colete tático que Chiara havia deixado preparado pra mim e prendi o cabelo num rabo de cavalo firme.— Rafael tá
Capítulo 50LunaO silêncio da madrugada era denso, pesado, como se o próprio ar soubesse o que estávamos prestes a descobrir. Dante estava ao meu lado, em pé, de braços cruzados, o olhar preso à tela do computador. Eu sentia a tensão dele como se fosse minha, como se nossos corpos compartilhassem da mesma inquietação. Na tela, os dados cruzavam com velocidade, coordenadas sendo testadas, faixas de áudio isoladas e ampliadas.Um clique.Depois outro.E então, silêncio.O programa parou. Um ponto vermelho pulsava em um mapa da zona oeste de São Paulo. Um prédio desativado, cercado por galpões, longe das câmeras da cidade, longe de tudo que cheira a vida.— É lá — eu disse, antes mesmo de pensar.Dante assentiu, mas não se moveu. O olhar dele continuava fixo na tela, como se visse algo além do que o sistema mostrava. Eu sabia o que era. O mesmo medo que engolia meu estômago.— Pode ser uma armadilha — ele murmurou. — Rivas é paciente. Ele joga com peças que a gente nem sabe que tão no t
Capítulo 51LunaO som do primeiro tiro foi o ponto final no silêncio.A entrada até parecia segura no começo — uma porta enferrujada, uma tranca simples, corredores vazios demais. Mas Rivas nunca jogava limpo. E quando cruzamos a linha da cela onde Mariana estava, o mundo desabou em estilhaços.— Movimento no corredor três! — gritou Navarro no rádio.— Pegaram nossa entrada. Estão tentando nos fechar! — Rafael respondeu com raiva.Dante puxou a porta de ferro e empurrou com o ombro. Eu entrei primeiro. Ela estava ali.Mariana.Sentada no canto, algemada a um cano, os cabelos ruivos caindo sobre o rosto machucado. Quando ergueu os olhos, vi meus próprios olhos refletidos nos dela. Idênticos. Mesmos traços. Mesma intensidade.Ela arregalou os olhos. Se pôs em pé num impulso que quase a fez cair.— Quem é você...? — a voz saiu fraca, desconfiada.Me aproximei com o coração disparado.— Meu nome é Luna... Luna Santiago. E eu sou sua irmã gêmea.Ela balançou a cabeça, confusa, como se as
Capítulo 52LunaMariana acordou devagar. Os olhos piscando contra a claridade suave. Eu estava ao lado da cama, observando. Não consegui dormir naquela noite. Fiquei ali, vigiando-a. Como se a qualquer momento ela fosse desaparecer de novo.— Oi... — ela murmurou, a voz rouca, fraca, mas consciente.— Oi. — sorri, tentando conter o turbilhão que se formava dentro de mim. — Está segura agora. Ninguém mais vai te machucar.Ela franziu a testa, tentando se sentar. Me apressei em ajudar, ajeitando os travesseiros atrás das costas dela.— Onde... onde eu estou?— Na casa de Dante Moretti. — respondi. — Um dos poucos lugares onde Rivas não pode te alcançar.Mariana fechou os olhos por um instante ao ouvir aquele nome.— Ele ainda está vivo, não é?— Está. — confirmei, seca. — Mas não por muito tempo.Ela abriu os olhos e me olhou como se me visse pela primeira vez. Não apenas como uma figura familiar, mas como alguém real. Alguém que ela também reconhecia, mesmo que ainda não entendesse o
Capítulo 53LunaChiara estava ajoelhada no centro da sala principal da mansão, rodeada por mapas desdobrados, plantas da Fazenda Azul e fotografias tiradas por drones durante o reconhecimento. Seus dedos ágeis traçavam rotas com uma caneta vermelha, marcando pontos estratégicos de entrada e possíveis rotas de fuga. Rafael, ao lado dela, falava rápido com dois agentes infiltrados que haviam retornado com novas informações direto do campo.— Três entradas principais, mas duas são armadilhas óbvias — disse Rafael, apontando para os portões laterais com a ponta de um bastão metálico. — Cheias de sensores de movimento, câmeras com infravermelho e cobertura aérea com drones autônomos. Um erro e viramos alvo.Chiara assentiu, sem desviar o olhar dos mapas.— A única brecha é por trás. Uma antiga trilha de acesso à casa principal, quase apagada no meio da mata. Aparentemente esquecida, mal monitorada, com apenas uma câmera estática. Vai ser estreito. Vamos ter que ir a pé, silenciosos. E ráp
Capítulo 54LunaÀs 2h47 da madrugada, deixamos os portões da mansão de Dante em silêncio absoluto, como sombras deslizando pela noite. Não havia música. Não havia conversa. Apenas o som abafado dos motores e a respiração contida de cada um. Dois carros e um caminhão de apoio cortavam as ruas de São Paulo como fantasmas determinados. Os comunicadores foram testados três vezes antes da partida. Os mapas, verificados e memorizados. Cada rota alternativa desenhada com precisão cirúrgica. Cada função, repetida como um mantra.Rafael estava ao volante do carro da frente, os olhos fixos no caminho à frente como se cada segundo pudesse ser o último em segurança. Chiara ao lado dele, com o tablet nas mãos, monitorava os dados captados por um dos drones que havia sobrevoado a região da tal Fazenda Azul nas últimas vinte e quatro horas. Atrás deles, em outro carro discreto, seguiam os dois agentes de confiança que Rafael havia recrutado. E, por fim, o caminhão de apoio, com equipamentos, máscar